Alguns manifestantes bloquearam hoje a avenida Eduardo Mondlane, centro de Maputo, com pedras e lixo, ateando fogo, em resposta aos disparos de gás lacrimogéneo da polícia, mas rapidamente vários outros mobilizaram-se para limpar a rua com as mãos.
"Estou sujo, agora. Eu não saí assim. Essa sujidade é porque eu carreguei [o lixo espalhado por outros manifestantes]", explicava André, o primeiro a começar a limpar, por vontade própria, hoje à tarde, a avenida Eduardo Mondlane.
Enquanto centenas cantavam o hino nacional junto à estátua de Eduardo Mondlane, em mais um protesto convocado pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, bloqueando a circulação automóvel no local, tal como noutras zonas de Maputo, a polícia fez vários disparos de gás lacrimogéneo, mas sem conseguir desmobilizar totalmente o protesto.
Eram cerca da 13:20 (menos duas horas em Lisboa), num protesto que aconteceu de forma pacífica até então e que deveria decorrer durante 25 minutos a partir das 13:00 locais, mas rapidamente a ação da polícia levou à fúria de alguns manifestantes, que esvaziaram o conteúdo de contentores de lixo pela avenida, ateando fogo e espalhando pedras, obrigando os passageiros dos poucos autocarros que conseguiam circular a sair.
André não tem dúvidas para a explicar a mudança que aconteceu no protesto: "Alguns, que eu acredito que são infiltrados, começaram a deitar lixo".
Enquanto isso, carrega, com as mãos, esse lixo que ficou espalhado, enquanto outros lançavam água para focos de detritos em chamas, para as tentar extinguir e rapidamente começar a limpeza.
"Deixei o meu serviço de lado para me vir juntar ao povo, porque é o povo que coloca tudo em ordem", acrescentava André, antes de voltar à limpeza, já com o apoio de muitos outros, garantindo que não é "vândalo ou terrorista".
"Eu não tenho arma, como é que vou fazer terror? Como é que vou fazer terror? Eu manifestei-me porque eu preciso de me manifestar, eu não estou a gostar da realidade do meu país, não vou ficar calado. E se for para haver mais, eu estou. Eu estou", garantia.
Alan Tembe estava na manifestação junto à estátua de Eduardo Mondlane, mas logo se juntou à limpeza da avenida, que se prolongou por vários minutos e a várias mãos, com a ajuda de cartões e outros utensílios para, de forma improvisada, carregar o lixo, de novo, para os contentores.
"Começamos com uma manifestação pacífica e infelizmente a polícia lançou gás lacrimogéneo, o que está a resultar neste caos, é algo que já devia ter terminado há muito tempo [o protesto era da 13:00 às 13:25]. Infelizmente, a população enfureceu-se e é o que está a acontecer agora", relatava, entre a limpeza da avenida.
Ao lado, várias pessoas tentavam demover outros manifestantes de continuarem a ocupar a avenida, por já ter passado o período previsto para o protesto, conforme tinha pedido o candidato presidencial que convocou a ação. Alguns acatavam e recuavam, mas outros, enfurecidos, mantinham o protesto, incluindo forçando as viaturas que tentavam circular a parar, perante ameaças, enquanto lançavam gritos de contestação aos resultados eleitorais.
Esta nova fase de protestos de três dias, que termina hoje -- paragem nas ruas entre as 12:00 e as 12:15 e entoar o hino das 13:00 às 13:25 - foi convocada pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE).
A ação, para os dias 20, 21 e 22 de novembro, em todo o país, explicou o candidato, é o luto pelas vítimas, manifestantes - segundo o candidato um total de 50 mortos nos últimos dias - que participaram em ações de protesto anteriores, "baleadas pelas autoridades que as deviam proteger".
Venâncio Mondlane contesta a atribuição da vitória a Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), com 70,67% dos votos, segundo os resultados anunciados em 24 de outubro pela CNE e que ainda têm de ser validados pelo Conselho Constitucional.