Manifestações pró-Palestina prosseguem e com sinais de radicalismo

por Lusa

As manifestações pró-Palestina prosseguem um pouco por todo o mundo há um ano, inclusivamente com sinais de radicalismo e até de antissemitismo que causaram alarme nalguns países.

Na véspera do 1º aniversário do ataque do movimento armado islamita Hamas contra Israel, e da resposta deste país com uma invasão em Gaza que causou um desastre humanitário, que incendiou a opinião pública internacional, eis a trajetória dos protestos pró-Palestina em vários países europeus e nos Estados Unidos:

++ Alemanha ++

As manifestações de apoio à Palestina têm sido uma constante na Alemanha, principalmente em Berlim, desde 07 de outubro de 2023, nas ruas, em atos públicos, e até nas faculdades, estando a tornar-se mais radicais.

Na página da rede social Instagram do "Palästina Spricht", um movimento na Alemanha que se define como "político, feminista, democrático e antirracista", contam-se quase 60 mil seguidores. Na agenda do mês de outubro há diferentes ações praticamente todos os dias só em Berlim, entre elas várias manifestações.

Ramsis Kilani, um porta-voz deste grupo e apoiante da rede trotskista Marx21, descreveu os atos do Hamas a 07 de outubro do ano passado como "resistência palestiniana" e "uma das maiores campanhas de desinformação da história moderna".

As autoridades alemãs reprimem frequentemente as manifestações, invocando slogans antissemitas, incidentes violentos e tensões crescentes.

No entanto, os críticos argumentam que o governo e o sistema jurídico alemães podem ser demasiado sensíveis a esta questão, em grande parte devido à sua história na Segunda Guerra Mundial e aos seus esforços para defender Israel no rescaldo do Holocausto.

A Associação Alemã de jornalistas admite que o país está a assistir a uma "radicalização crescente da cena pró-Palestina", aconselhando estes profissionais a "nunca irem sozinhos a eventos palestinianos". Iman Sefati, repórter do Bild, assumiu ao "Jüdische Allgemeine" ter sido ameaçado com uma faca à porta de casa. O diretor do Tagesspiegel, Sebastian Leber, confessa ter recebido ameaças de morte por ter criticado os protestos.

Alguns políticos alemães também já foram alvo de ataques, como o vereador da cultura de Berlim, Joe Chialo, ou o gabinete do deputado do SPD, Lars Düsterhöft, em Berlim-Oberschöneweide, onde foi escrita a frase "condenamos a Alemanha pelo genocídio".

A Associação Federal de Centros de Investigação e Informação sobre Antissemitismo (RIAS) documentou 4.782 incidentes antissemitas na Alemanha em 2023. De acordo com a ZDF, isto representa um aumento de 80% em relação ao ano anterior. Segundo o órgão de comunicação alemão, mais de metade dos incidentes ocorreram depois de 07 de outubro.

As manifestações, mais ou menos numerosas, são quase uma constante na capital alemã e já há até quem as normalize. Esta semana a polícia disse estar a investigar cinco homens, em Berlim, suspeitos de crimes "por alegadas atividades pró-palestinianas".

As autoridades têm procurado reprimir os protestos que, revelam, incluem comentários e slogans antissemitas, e por vezes atos violentos. No entanto, os críticos acusam a polícia alemã de reprimir a liberdade de expressão revelando vídeos nas redes sociais.

++ Espanha ++

Os protestos contra "o genocídio em Gaza" têm sido mobilizados em Espanha pela Rede Solidária contra a Ocupação da Palestina (RESOP), uma plataforma que junta mais de 50 organizações espanholas, desde associações a sindicatos, e que em 20 de janeiro chegou a levar às ruas meio milhão de pessoas em 115 cidades do país, segundo os organizadores dos protestos.

As manifestações em Madrid e outras cidades têm tido como palavra de ordem "Israel assassina, a Europa patrocina" e têm tido também como alvo o primeiro-ministro espanhol, o socialista Pedro Sánchez, apesar de ser considerado um dos líderes europeus mais contundentes nas críticas a Israel no último ano e de ter liderado um grupo de países da Europa que reconheceu formalmente a Palestina como Estado em maio passado.

Os milhares de pessoas que têm saído à rua em Espanha consideram que a postura de Sánchez não é suficiente e pedem que Espanha acabe com qualquer relação (diplomática, comercial, desportiva) com Israel e que ponha fim "à compra e venda de armas e de tecnologia militar e de segurança" a Telavive.

As manifestações com milhares de pessoas foram recorrentes até maio passado, a que se juntaram os acampamentos de estudantes em universidades no mesmo mês.

++ Estados Unidos ++

Nos Estados Unidos, o auge dos protestos foi atingido entre abril e maio deste ano, com acampamentos em universidades de todo o país que levaram a uma forte repressão policial e à detenção de milhares de estudantes, que foram acusados de "antissemitismo" por várias autoridades.

Os alunos, que se autodominaram como "anti-sionistas", exigiam que as suas universidades cortassem os investimentos em empresas ligadas ao fabrico de armas para Israel ou companhias que lucrassem de alguma forma com o conflito em Gaza, mas essas exigências ficaram em grande parte por cumprir.

Desde então, os protestos em grande escala têm diminuído, apesar de continuarem a ser convocados em momentos-chave, como em agosto, durante a Convenção Nacional Democrata, em Chicago, quando milhares de manifestantes exigiram que o Governo de Joe Biden e Kamala Harris cortasse no apoio militar a Israel; ou na semana passada, durante a Assembleia-Geral da ONU, em Nova Iorque, quando manifestantes pró-Palestina se reuniram em frente ao hotel onde o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, estava hospedado.

Nova Iorque, que concentra a maior comunidade judaica do mundo fora de Israel, tem sido palco de protestos desde o início da guerra entre Telavive e o Hamas, com grupos como o `Jewish Voice for Peace` a juntarem-se aos apelos por um cessar-fogo em Gaza e no Líbano.

O descontentamento de parte do eleitorado norte-americano face ao apoio incondicional dos Estados Unidos a Israel ameaça ter repercussão nas eleições presidenciais de 05 de novembro, com milhares de ativistas a garantirem que não irão votar na vice-presidente e candidata democrata, Kamala Harris, por causa do seu contínuo apoio a Telavive, direcionando o seu voto para candidatos independentes.

Essa insatisfação é visível desde as eleições primárias, no início do ano, quando milhares de democratas decidiram votar em branco, em protesto pela forma como o atual Governo tem apoiado Israel.

 

++ França ++

A França tem visto um declínio nos protestos pró-Palestina, após os bloqueios de universidades e escolas secundárias entre abril e maio por estudantes que pretendiam uma reação política e académica às operações militares israelitas contra Gaza, que qualificavam de "genocídio".

O movimento, inspirado nos protestos que agitaram as universidades nos Estados Unidos, atingiu a Universidade de Sorbonne e o Instituto de Estudos Políticos, Sciences Po, onde os campus universitários foram tomados pelos alunos através de acampamentos com tendas em Paris, Reims (nordeste) e Estrasburgo (leste).

Apesar de as manifestações pró-Palestina serem menos frequentes, o lema "Palestina livre" está presente em todas as manifestações realizadas na capital francesa pelos partidos de esquerda e esquerda radical (França Insubmissa -- LFI e Partido Comunista Francês) - com bandeiras, palavras de ordem, tendas e panfletos que tentam alertar para a situação em Gaza.

Numa das mais recentes mobilizações francesas, entre 07 e 08 de setembro, um ativista pró-palestiniano e fundador da publicação Islam et Info, Elias d`Imzalène, foi colocado sob custódia policial para ser julgado por incitamento público ao ódio em Paris, após um apelo para uma `intifada` ("revolta", em árabe) em França.

 

++ Itália ++

Em Itália, observa-se um aumento da tensão à medida que se aproxima o aniversário do 07 de outubro, que coincide com a escalada do conflito e a sua extensão ao Líbano, tendo já diversos responsáveis da comunidade judaica em Itália alertado para o risco crescente de atos antissemitas violentos.

Os receios aumentaram depois de, no último fim de semana de setembro, algumas centenas de ativistas se terem manifestado em Roma e em Milão, com os manifestantes nesta segunda cidade a observarem um minuto de silêncio em memória do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, morto nesse dia num ataque israelita no Líbano, e a empunharem cartazes com imagens de alguns famosos judeus italianos, entre os quais a senadora vitalícia Lilian Segre, sobrevivente do holocausto, acusados de serem "agentes sionistas".

"Todos os limites foram ultrapassados e o que aconteceu mostra o que podem vir a ser as marchas não autorizadas por ocasião do aniversário do 07 de outubro", reagiu a comunidade judaica de Roma, enquanto o líder da comunidade judaica de Milão, Walker Meghnagi, advertiu que se está "a um passo da caça aos judeus e de atos de violência aberta contra instituições judaicas religiosas e não religiosas e seus representantes".

Em Roma, a segurança em torno do bairro judeu e de outros locais judaicos foi reforçada, por receio de perturbações à ordem pública e potencial glorificação do massacre cometido pelo Hamas a 07 de outubro do ano passado. A decisão foi saudada pelo ministro do Interior e criticada por ativistas pela Palestina, com alguns grupos a ameaçarem desobedecer e sair às ruas.

No sábado, a polícia italiana lançou gás lacrimogéneo, usou canhões de água e bastões para dispersar manifestantes violentos, muitos com o rosto coberto, numa marcha pró-Palestina em Roma, que tinha começado de forma pacífica. O protesto reuniu cerca de 7.000 pessoas numa praça da capital italiana, sem desfile pelas ruas da capital, dado que as autoridades tinham blindado a zona com um forte dispositivo policial.

A merecer provavelmente ainda mais atenção das autoridades do que a efeméride do 07 de outubro estará o jogo de futebol entre Itália e Israel, para a Liga das Nações, agendado para 14 de outubro em Udine. As autoridades da cidade rejeitaram ser patrocinadoras da partida e autorizaram uma manifestação pró-Palestina a decorrer naquela cidade três horas antes do jogo.

++ Reino Unido ++

Os protestos de organizações britânicas como a Campanha de Solidariedade pela Palestina mobilizam regularmente milhares de pessoas pelo menos um sábado por mês, que têm sido essencialmente pacíficos e ecléticos, juntando ativistas políticos de esquerda, sindicatos, judeus e cidadãos comuns defensores de um cessar fogo e paz na região.

Mas os protestos também atraíram críticas devido a alguns cânticos considerados antissemitas e por alguns participantes mostrarem apoio ao movimento islamita Hamas, considerado uma organização terrorista no Reino Unido, o que resultou na detenção de dezenas de pessoas.

A polícia, sobrecarregada com a necessidade de manter a segurança destes eventos e de contra-protestos da extrema-direita, foi criticada igualmente por alegado "favoritismo" por autorizar as manifestações pró-Palestina de políticos pró-israel, incluindo a antiga ministra do Interior Suella Braverman.

 

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