Mais de 200 em dois anos. Cientistas procuram respostas para ataques de orcas

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Reuters

Nos últimos dois anos já foram registados mais de 200 ataques de orcas contra embarcações. O mais recente ocorreu em Sines, no domingo, tendo cinco pessoas sido resgatadas depois de o veleiro onde seguiam ter afundado. Os especialistas estimam que estes mamíferos podem estar a agir puramente por diversão ou por vingança.

Segundo a Marinha Portuguesa, os cinco tripulantes de nacionalidade portuguesa resgatados no domingo encontravam-se “na balsa salva-vidas depois de o veleiro onde seguiam ter afundado após encontro com orcas, a cerca de seis milhas, o equivalente a 11 quilómetros, de Sines”.

“O Centro de Coordenação de Busca e Salvamento Marítimo (MRCC) de Lisboa recebeu contacto do veleiro pelas 00h03 que se encontrava a meter água, depois de um encontro com orcas”, explica a Marinha numa publicação no Facebook.

“De imediato foram empenhadas a embarcação de pesca "Festas André", que efetuou o resgate dos cinco elementos, e uma embarcação da Estação Salva-vidas de Sines que acompanhou o navio de pesca até ao porto de Sines, onde atracou em segurança pelas 02h43”, acrescenta.



Este foi o mais recente ataque com orcas, que nos últimos dois anos têm sido cada vez mais recorrentes. Segundo as estatísticas do grupo “Orca Ibérica”, desde 2020 já foram registados 239 incidentes com orcas. A maioria dos incidentes ocorreu no Estreito de Gibraltar, mas também têm sido reportados vários encontros com estes animais ao longo da costa de Portugal e da Galiza.

Estima-se, porém, que o número de ataques seja muito superior ao registado.

O primeiro incidente com orcas ocorreu em julho de 2020, no Estreito de Gibraltar. Nesse ano foram registados 51 encontros com orcas (47 por cento na Galiza, 33 por cento em Portugal e 20 por cento no Estreito de Gibraltar), segundo o "Orca Ibérica".

Peter Green, da Halcyon Yachts, estava presente num dos primeiros ataques ocorridos nesse verão. “A nossa tripulação tinha acabado de partir da Corunha e estava a alguns quilómetros da costa quando a tripulação de repente sentiu o leme a ser arrancado", descreveu Green ao Yachting World.

Em 2021, a situação agravou-se e o número de ataques aumentou para 185. Só entre junho a meados de julho terão sido relatados 53 incidentes, mais do que no total de 2020.

Os especialistas salientam que para além de mais frequentes, estes encontros com orcas têm sido também cada vez mais persistentes e envolvem mais tipos de embarcações. Segundo o site da “Orca Ibérica”, as embarcações mais atingidas por estes mamíferos são os veleiros, tanto monocascos (72 por cento) quanto catamarãs (14 por cento), embora os barcos a motor (seis por cento), barcos semi-rígidos (cinco por cento) e barcos de pesca (três por cento) também tenham sido alvo de encontros com orcas. Uma vez mais frequentes, os ataques geraram um clima de medo e receio entre os velejadores, o que levou à criação de uma página no Facebook para a partilha de ocorrências e de informações.

As orcas – comummente apelidadas de baleias assassinas e que podem pesar até seis toneladas – são conhecidas por serem animais inteligentes e sociáveis, mas não agressivos com os seres humanos, o que tem deixado os cientistas intrigados com os recentes ataques deliberados. Os incidentes duram entre 30 minutos e duas horas e os animais parecem ter especial interesse em lemes. Todas as testemunhas relatam que as orcas nunca tentaram atacar uma pessoa e até agora não há registo de feridos.

Por este motivo, tendo em conta os vários incidentes, investigadores portugueses e espanhóis formaram um grupo de trabalho para perceberem o que motiva estes ataques.
Brincadeira ou vingança?
A Marinha Portuguesa explica que “a interação com estes mamíferos ocorre sobretudo devido ao comportamento curioso de orcas juvenis, as quais atraídas pelas estruturas móveis e ruidosas das embarcações, como o leme e a hélice, podem aproximar-se excessivamente das embarcações e embater nas estruturas móveis, com probabilidade de rutura total ou parcial do leme”. Por este motivo, recomendam que seja desligado o motor da embarcação no caso de avistamento destes mamíferos e a imobilizar a porta do leme, “desmotivando assim estes mamíferos a interagir com as estruturas móveis das embarcações”.

De facto, o comportamento curioso das orcas é uma das possíveis explicações apontadas pelos especialistas. De acordo com os investigadores, o barulho e movimento dos barcos suscita curiosidade por parte das baleias assassinas.

Desta forma, os biólogos marinhos explicam que os ataques destes mamíferos da família dos golfinhos a vários tipos de embarcações podem ser simplesmente uma forma de brincadeira, que passou a ser rotina e um comportamento repetitivo.

No entanto, os recentes ataques são “sem precedentes”, segundo os especialistas, devido aos danos provocados nas embarcações.



A vingança é a segunda teoria apontada. De acordo com os especialistas, as orcas podem estar a atacar como forma de retaliação depois de um incidente agressivo anterior que envolveu algum tipo de barco.

Em 2020, um grupo de especialistas de nacionalidade espanhola e portuguesa analisou as fotografias e vídeos existentes dos ataques até então ocorridos e concluiu que a maioria deles teria sido provocada por um único grupo de orcas. Ente os animais, os especialistas identificaram três que pareciam ter sofrido ferimentos, alguns possivelmente causados por choques com barcos.

Para além destas duas teorias, há ainda uma série de especulações, que sugerem que os ataques poderão estar relacionados com as cores dos cascos, os tipos de tinta utilizados, os tratamentos antialgas ou com a luta por comida.

Ruth Esteban, uma bióloga que dedicou seis anos a observar a população de orcas espanholas e atualmente está a investigar o comportamento destes mamíferos, prefere não entrar na especulação. “Nós não sabíamos no início e ainda não sabemos porque é que isso está a acontecer. E não sei se algum dia saberemos”, disse a especialista, citada pelo jornal Yachting World.
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