Mais consumo. Apreensões de cocaína na Europa com "níveis recorde"

por RTP
Charles Mostoller - Reuters

As apreensões de cocaína atingiram "níveis recorde" num mercado europeu de droga competitivo, com um aumento na disponibilidade desta substância, segundo o relatório anual do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência.

O Relatório Europeu sobre Drogas 2019: Tendências e Evoluções, que foi apresentado esta quinta-feira, em Bruxelas, aborda também "os desafios colocados pela heroína e pelos novos opiáceos sintéticos, num mercado cuja droga mais consumida continua a ser a canábis.O observatório, sediado em Lisboa, destaca que em 2018 foram detetadas na União Europeia 55 novas substâncias psicoativas (NSP), elevando para 730 o total.

O documento do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT), que abrange dados dos UE-28, da Turquia e da Noruega, frisa igualmente "os mais recentes desenvolvimentos no mercado da canábis, o crescente papel da Europa na produção de drogas sintéticas e a utilização das tecnologias digitais com vista a benefícios de saúde em matéria de drogas".

O relatório do OEDT (EMCDDA na sua sigla em inglês) sublinha a elevada disponibilidade da maioria das substâncias ilícitas, referindo que nos países em estudo as estatísticas apoiam que é anualmente comunicado "mais de um milhão de apreensões de drogas ilícitas".

Segundo os dados, cerca de 96 milhões de adultos da UE (16-64 anos) já experimentaram uma droga ilícita ao longo da vida e cerca de 1,2 milhões de pessoas recebem anualmente tratamento devido ao consumo de drogas ilícitas (UE-28).

No que diz respeito à cocaína, o panorama traduz-se em "níveis recorde de apreensões, novos métodos de apreensão e evidências de crescentes problemas de saúde".

Em 2017 foram registadas mais de 104 mil apreensões de cocaína na UE (contra 98 mil no ano anterior), correspondentes a 140 toneladas, cerca do dobro das apreendidas em 2016 (70,9 toneladas)

O OEDT destaca que, "embora o preço da cocaína se tenha mantido estável, o seu grau de pureza nas ruas atingiu em 2017 o seu nível mais elevado da última década".

A cocaína entra na Europa por numerosas rotas e diferentes meios, mas destaca-se como principal desafio o crescimento do tráfico de grandes volumes, através de grandes portos, com recurso a contentores de transporte, mas existem também provas de uma utilização das redes sociais, os mercados da Internet obscura (darknet) e as técnicas de encriptação desempenham um papel cada vez mais relevante na possibilidade de grupos mais pequenos e pessoas se envolverem no tráfico de droga.

Andrea Neves, correspondente da Antena 1 em Bruxelas

Por seu turno, no que se refere à heroína, há "indicações de mutação do mercado", embora continue a ser o opiáceo ilícito mais comum no mercado da droga europeu, contribuindo "de forma significativa" para os custos sociais e de saúde.

A quantidade de heroína apreendida na União Europeia aumentou mais de uma tonelada em 2017, elevando-se para 5,4 toneladas, às quais há a acrescentar as 17,4 toneladas apreendidas pela Turquia (algumas das quais se destinariam ao mercado da UE).

Uma "evolução preocupante" para o OEDT prende-se com as 81 toneladas de anidrido acético, precursor essencial no fabrico de heroína, apreendidas na UE em 2017, e com as 243 toneladas deste precursor encontradas em carregamentos intercetados.

Além disso, nos últimos anos foram descobertos em países da UE (Bulgária, República Checa, Espanha e Países Baixos) laboratórios de produção de heroína a partir de morfina utilizando este precursor. "A pureza da heroína mantém-se elevada e o preço de venda a retalho relativamente reduzido, tendo descido ao longo da última década".

O OEDT apresenta "novos desenvolvimentos relativos à canábis", a droga mais enraizada e mais consumida na Europa, "sendo a sua predominância evidente nos dados sobre prevalência, apreensão e novos pedidos de tratamento".

Estima-se que cerca de 17,5 milhões de jovens europeus (15-34 anos) tenham consumido canábis durante o último ano (UE-28).

Em 2017, os Estados-membros da UE reportaram 782 mil apreensões de produtos de canábis (canábis herbácea, resina, plantas e óleo), tornando-a a droga mais apreendida na Europa.

Estima-se que cerca de um por cento dos adultos (15-64 anos) na UE consumam canábis diariamente ou quase diariamente.

O Observatório aponta uma "preocupação crescente" com o consumo de opiáceos sintéticos, pois em 2018 foram detetados na Europa 11 novos opiáceos sintéticos, normalmente sob a forma de pós, comprimidos e líquidos.

"Embora atualmente estas substâncias representem somente uma pequena percentagem do mercado da droga na Europa, são no entanto uma preocupação crescente, estando o seu consumo associado a envenenamentos e mortes", adverte o OEDT.

Existe igualmente um papel mais relevante da Europa na produção de drogas sintéticas, mostrando os números que "aparenta estar a crescer, a diversificar-se e a tornar-se mais inovadora", com a utilização de novas substâncias para os produtos químicos necessários para o seu fabrico.

Cocaína

A cocaína apresenta níveis recorde de apreensões, novos métodos de distribuição e evidência de crescentes problemas de saúde.
A cocaína é a droga estimulante ilícita mais usada na UE, tendo havido 2,6 milhões de jovens adultos (15-34 anos) a consumi-la durante o último ano (estimativa de 2017).
Olhando para o mercado da cocaína, o empreendedorismo pode ser visto em métodos de distribuição inovadores sendo o exemplo da existência de call centres que dispõem de estafetas que garantem entregas rápidas e flexíveis.

Estes métodos, refletindo uma potencial uberização do comércio de cocaína, indiciam a existência de um mercado competitivo em que os vendedores concorrem através da oferta de serviços adicionais além do próprio produto.

Os efeitos da cocaína na saúde

Há sinais de que o aumento da oferta de cocaína está associado a um aumento do número dos problemas de saúde comunicados, uma vez que as estimativas mais recentes apontam para cerca de 73.000 utentes que iniciaram tratamento da toxicodependência por problemas relacionados com o consumo.

O OEDT considera "particularmente preocupantes" os 11 mil destes utentes que iniciaram tratamento por problemas relacionados com o consumo de cocaína-crack, uma forma particularmente prejudicial de consumo de cocaína.

O número de novos utentes referidos como necessitando pela primeira vez de tratamento por problemas relacionados com o consumo de cocaína registou um aumento na ordem dos 37 por cento entre 2014 e 2017, sugerindo um crescimento das necessidades em matéria de tratamento.

A cocaína foi também a droga ilícita mais comunicada em entradas de urgência no hospital relacionadas com drogas, registadas por uma rede de 26 hospitais-sentinela em 18 países europeus em 2017.

Heroína

A heroína surge com indicações de mutações do mercado e continua a ser o opiáceo ilícito mais comum no comércio de droga na Europa e contribui de "forma significativa" para os custos sociais e de saúde relacionados com o consumo.

A Europa pretende eliminar a hepatite viral enquanto ameaça à saúde pública, em consonância com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Facultar às pessoas que injetam heroína, ou outras drogas, um maior acesso à prevenção, às análises para deteção de HBV e de HCV, bem como ao respetivo tratamento, é crucial para atingir este objetivo, visto que estas pessoas suportam o maior peso da doença e se encontram em situação de maior risco de transmissão.

O relatório do OEDT destaca a necessidade de reforçar as medidas para dar resposta à hepatite viral, relacionada com o consumo de droga injetável, em particular em partes da Europa Oriental.

Opiáceos sintéticos

Os novos opiáceos sintéticos também são motivo de "preocupação crescente" para as autoridades europeias.

Embora atualmente estas substâncias representem uma pequena percentagem do mercado da droga na Europa, são no entanto uma preocupação crescente, estando o seu consumo associado a envenenamentos e mortes.

Em 2018, foram detetados na Europa 11 novos opiáceos sintéticos, normalmente sob a forma de pós, comprimidos e líquidos.

Sendo apenas necessários pequenos volumes para produzir muitos milhares de doses, estas substâncias são fáceis de ocultar e transportar, representando um desafio para os serviços responsáveis pela aplicação da lei e para os alfandegários.

Os derivados do fentanilo constituem a maioria dos 49 novos opiáceos sintéticos monitorizados pelo OEDT. Em 2018, seis derivados do fentanilo foram detetados pela primeira vez na Europa (34 detetados desde 2009). Segundo os dados mais recentes, estas drogas extremamente potentes correspondem a 70 por cento  da totalidade das apreensões de novos opiáceos sintéticos.

Foram reportadas mais de 300 apreensões de carfentanilo, uma das drogas mais potentes desta família.
Foi também apreendido na União Europeia  um total de 4,5 kg de um precursor químico para fabrico de derivados de fentanilo (N-fenetil-4-piperidona).

Canábis

O OEDT regista desenvolvimentos relativamente à canábis, a droga mais enraizada e mais consumida na Europa, "sendo a sua predominância evidente nos dados sobre prevalência, apreensões e novos pedidos de tratamento.

Um estudo recente do OEDT concluiu que o teor típico de tetrahidrocanabinol (THC) da canábis herbácea e da resina de canábis duplicou durante a última década, suscitando preocupações quanto aos potenciais danos.

No caso da resina, o OEDT admite como provável que os fatores que explicam este aumento da potência média incluam a introdução de plantas altamente potentes e de novas técnicas de fabrico em Marrocos, o principal produtor de resina para o mercado da UE.

Estima-se que cerca de 1% dos adultos (15-64 anos) na União Europeia  consumam canábis diariamente ou quase diariamente.

Em 2017, aproximadamente 155.000 pessoas iniciaram na Europa um tratamento da toxicodependência por problemas relacionados com o consumo de canábis, das quais 83.000 iniciaram o tratamento pela primeira vez nas suas vidas.

A canábis é agora a substância indicada com mais frequência pelos novos utentes de serviços especializados de tratamento da toxicodependência como o principal motivo para procurarem ajuda.

Legalização da canábis

Novos produtos aumentam os desafios relativamente à canábis, no que o Observatório considera uma "área política complexa".

O relatório indica que a criação de mercados legais de canábis para consumo recreativo fora da UE está a impulsionar a inovação em termos de desenvolvimento do produto (por exemplo, e-líquidos, produtos comestíveis e concentrados), alguns dos quais começam a surgir no mercado europeu, onde colocam novos desafios em matéria de deteção e controlo de drogas.

A canábis contém muitas substâncias químicas diferentes, sendo o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) as mais conhecidas. Um exemplo dos rápidos desenvolvimentos no mercado da canábis é o surgimento de produtos com baixo teor de THC à venda em lojas especializadas ou lojas de produtos dietéticos em alguns países da UE.

As vendas realizam-se com base na argumentação de que estes produtos têm um teor de THC inferior a 0,2 por cento ou 0,3 por cento e, por isso, os seus efeitos tóxicos são reduzidos ou inexistentes, e não são abrangidos pela atual legislação em matéria de controlo de drogas.

Por vezes, o teor de CBD dos produtos é destacado, com a argumentação de que esta substância pode ter qualidades benéficas.

Encontra-se atualmente disponível toda uma gama de produtos, incluindo plantas, misturas para fumar, comprimidos, loções e cremes. Estes produtos levantam questões regulamentares, havendo países que aplicam sanções penais às vendas de produtos com reduzido teor de THC, enquanto outros permitem a sua comercialização sem licença.
Canábis é a droga mais usada em Portugal
Em Portugal, a canábis continua a ser a droga mais utilizada. O uso de substâncias ilícitas é comum entre adultos jovens (entre os 15 e os 34 anos).

Em 2017, num inquérito realizado aos jovens que participaram no Dia da Defesa Nacional concluiu-se que a maconha era a substância com maior prevalência de uso. Registando-se uma ligeira diminuição aos anos anteriores.

O consumo de canábis e outras substâncias ilícitas entre os estudantes portugueses está abaixo da média europeia (com base em dados de 35 países), com o uso de substâncias psicoativas ao longo da vida muito abaixo da média.

Os jovens portugueses estão também abaixo da média europeia no que refere ao tabaco e consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

c/ Lusa
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