O ativista equato-guineense Anacleto Micha defende que o "grande problema" da Guiné Equatorial é a maioria da população ter vivido apenas sob regimes de ditadura, sem consciência dos seus direitos e das obrigações do Estado.
"O maior problema do nosso país é que grande parte da população não conheceu outra realidade que não a ditadura e, por isso, é difícil que saiam dessa mentalidade e pensem que têm os mesmos direitos que [o Presidente] Obiang e os seus filhos", disse Anacleto Micha em entrevista à agência Lusa em Malabo.
Formado em engenharia de minas, 48 anos, Anacleto Micha integra o Centro de Estudos e Iniciativas para o Desenvolvimento da Guiné Equatorial (CEID), organização não-governamental ilegalizada no país, que se dedicada a questões de desenvolvimento, defesa de direitos humanos e do estado de direito.
"Dificilmente alguém pode entender que, da mesma forma que Obiang é Presidente, também pode ser outro, que se o seu filho é ministro aquele que vem da aldeia mais remota também poder ser ministro", disse.
"Depois da colonização [por Espanha], chegamos a um primeiro regime ditatorial e depois ao segundo. Muito poucos, apenas os que saimos, é que pudemos ver como vive um cidadão num estado de direito", sublinhou.
O ativista aludia aos anos de governação de Francisco Macias Ngema (1968-1979), deposto por um golpe militar, e do seu sobrinho e atual Presidente Teodoro Obiang, que leva mais de 40 anos no poder.
Por isso, considerou, é muito difícil "convencer as pessoas" de que "têm direito a exigir que o Estado cumpra as suas obrigações para com os cidadãos", adiantando que "muitas pessoas acham que o que Obiang faz é um favor".
É para mudar esta mentalidade que Anacleto e outros ativistas "lutam diariamente", dentro e fora do país, reconhecendo que é um "trabalho dificil" que não foi começado por esta geração, nem será ela a terminá-lo.
"Continuamos o trabalho para que a Guiné Equatorail possa ser um estado habitável em termos de direitos humanos, mas reconhecemos que não vamos ver os frutos desse trabalho porque não é uma questão nada simples", disse.
Formado em Espanha, Anacleto Micha chegou a integrar a juventude do Partido Democrático da Guiné Equatorial (PDGE), do Presidente Teodoro Obiang, embora assegure que não ingressou voluntariamente.
Na entrevista à agência Lusa contou que um ano depois de ter proferido uma palestra numa conferência da juventude do PDGE foi "nomeado" para participar na convenção nacional do partido.
"Não era membro do partido, mas a minha família defendeu que se queria mudar as coisas, teria que entrar e apresentar as minhas ideias", disse, adiantando que cedo percebeu que "as coisas não se podiam mudar".
Saiu pouco tempo depois e quando se viu envolvido numa campanha contra um dos principais opositores ao regime, Andrés Esono Angue, secretário-geral do partido Convergência Para a Democracia Social (CPDS), acusado, em 2015, de ter introduzido o vírus do Ébola no país.
Durante um debate televisivo, Anacleto Micha cedeu à pressão para que responsabilizasse e condenasse publicamente Andrés Esono Angue.
"Não tive remédio. Tive que dizer o que eles queriam, mas quando sai dali já não me sentia eu mesmo. Sai dali muito sujo. O que disse, não posso negar, mas não o queria dizer, não foi por minha iniciativa", recordou.
Renunciou à militância e demitiu-se de todos os cargos, tendo ainda pedido desculpas públicas a Andrés Esono Angue, a quem hoje junta a sua voz na oposição ao regime de Obiang.
A saída do partido mudou-lhe radicalmente a vida, diz, tendo visto serem fechadas as duas empresas que tinha e muito reduzidas as hipóteses de conseguir um emprego.
Por agora, trabalha na organização não-governamental Centro de Estudos e Iniciativas para o Desenvolvimento da Guiné Equatorial (CEID), que sobrevive com financiamento estrangeiro, incluindo da União Europeia.
"Não temos outras alternativas. Afinal de contas, é preciso sobreviver sem deixar a luta", disse.
A organização foi ilegalizada por um decreto governamental em 2017. Foi apresentado recurso do processo, mas até ao momento não houve qualquer decisão.
"O regime já leva muito tempo a golpear-nos. Não há experiência de democracia na Guiné Equatorial. Por isso, estabelecemos como objectivo tentar unir os partidos políticos e a sociedade civil, legalizados e não legalizados, para que nos possamos entender", disse.
Para Anacleto Micha, o problema da Guiné Equatorial não é do "partido x ou da associação y".
"Se todos falamos de direitos humanos - o denominador comum - será muito melhor fazê-lo em torno de uma mesa, dialogando e cedendo. Se alguém acha que são as suas ideias que devem prevalecer perante uma situação tão complexa como a da Guiné Equatorial, muito dificilmente poderemos colher bons resultados", sustentou.
Por isso, a ideia é unir "todas as forças" numa plataforma, a "GE Nuestra", que está a trabalhar para que, perante qualquer cenário de mudança de regime, as pessoas entendam que deve prevalecer o interesse geral da Guiné Equatorial.
"A Guiné Equatorial não vai acabar, nós sim. Aqui não importa o ego e as aspirações pessoais, é uma questão de nos entendermos mutuamente para apresentar um projecto inclusivo aos equato-guineenses", disse.
Para o ativista, "Obiang fomentou uma mentalidade de que a Guiné Equatorial é sua e que se sair, deixa quem quizer [no seu lugar] e continuam a atropelar os direitos".
"Estamos a trabalhar para que possa haver um estado democratico e uma sociedade critica para assegurar que amanhã o povo pode exigir, pode escolher", disse.
Questionado sobre a alegada "guerra de sucessão" entre os dois filhos do chefe de Estado - o ministro Gabriel Obiang e o vice-presidente Teodoro Obiang `Teodorin` - , Anacleto acredita que, independente de quem suceder ao atual chefe de Estado, no final está é uma batalha que será ganha pela sociedade civil.
"A guerra não começa nem termina hoje. Obiang pode morrer, fica `Teodorin`, mas não significa que ganhou a guerra. Quem vai ganhar é a sociedade civil, a Guiné Equatorial e os direitos humanos", disse.
Resignado com a possibilidade de não ver esse momento, o ativista sublinha que é preciso continuar o trabalho.
"Em qualquer momento, podem apanhar-nos e matar-nos. A única garantia que temos é que a Guiné Equatorial vai ganhar e os direitos humanos vão prevalecer e será condição, qualquer Governo que venha, respeitá-los", afirmou.
A Guiné Equatorial, que em 2014 aderiu à Comunidade de Países de Língua Portuguesa, é considerado um dos países mais repressivos do mundo pelas organizações de defesa dos direitos humanos.