A televisão estatal iraniana anunciou que os protestos anti-regime que agitam o país desde sexta-feira fizeram pelo menos 17 mortos, entre manifestantes e polícias. Para contrabalançar a oposição, foram marcadas manifestações de apoio ao governo esta sexta-feira.
Um comunicado dos Guardas da Revolução descreve as manifestações
como uma “conspiração” organizada e armada pelo “inimigo”, uma
referência habitual do governo iraniano aos Estados Unidos e a Israel. Os
protestos eclodiram após a morte de uma jovem curda de 22 anos, Mahsa
Amini, sob custódia da "polícia da moralidade". Amini tinha sido detida
por as suas roupas não respeitarem o código islâmico.
Os Guardas apelaram ainda à identificação e julgamento dos que "espalham notícias falsas e rumores".
No seu comunicado, os Guardas expressaram ainda simpatia pela família de Mahsa Amini.
A maioria das manifestações concentrou-se no
Curdistão iraniano no nordeste do país, onde a jovem Mahsa foi presa,
tendo alastrado depois a pelo menos 50 cidades e vilas em todo o país,
incluindo a capital, Teerão, com a polícia a usar da força para
dispersar as multidões.
Há notícia de esquadras atacadas e incendiadas, depois de vídeos
mostrarem polícias, agentes antimotim e membros das milícias paramilitares Basij a
serem atacados por multidões em fúria com mãos nuas e a pontapé.
O comando do Curdistão fala em mais de 100 membros das forças de segurança feridos. Uma organização civil regional fala em 15 mortos entre os manifestantes e mais de 730 feridos. Na província de Mazaran terão ficado feridos quase 80 membros das forças de segurança.
Pelo menos dois membros das Basij terão sido assassinados.EUA impõem novas sanções
Os protestos são a maior contestação social no Irão desde novembro de 2019, quando as autoridades cortaram a internet. Pelo menos 1500 pessoas morreram nessas manifestações, provocadas pela subida do preço dos combustíveis.
Num sinal de que o Governo teme a intensificação dos protestos, voltaram agora a registar-se, na noite passada, em Teerão, problemas no acesso e na rapidez das ligações móveis e de internet. Quarta-feira a rede Instagram, extremamente popular entre os iranianos, foi igualmente restringida, assim como a WhatsApp. A agitação no país está a marcar a viagem do presidente do Irão, Ebrahim Raisi, a Nova Iorque, para a 77ª Assembleia da Nações Unidas.
Os Estados Unidos da América impuseram esta quinta-feira sanções à "polícia da moralidade" iraniana, por ser diretamente responsável pela morte de Mahsa Amini e por abusos e por violência de género contra as mulheres do país, além da violação dos direitos dos manifestantes iranianos pacíficos, anunciou o Departamento do Tesouro.
Outras sanções foram impostas aos líderes das forças armadas terrestres iranianas e da "polícia da moralidade", assim como ao ministro das Informações.
Especialistas das Nações Unidas, incluindo o relator especial para os direitos humanos no Irão, Javaid Rehman, e Mary Lawlor, relatora especial para os defensores dos direitos humanos, exigiram responsabilização pela morte de Mahsa Amini.
Ela "é mais uma vítima da repressão sustentada e discriminação sistemática contra as mulheres e da imposição discriminatória de códigos de vestuário que retiram às mulheres a autonomia física e as liberdades de opinião, de expressão e de fé", afirmaram em comunicado.
Mortos e feridos multiplicam-se
Um responsável da província de Mazandaran confirmou
76 feridos entre as forças de segurança, com o comandante do Curdistão a
mencionar mais de uma centena de feridos entre as suas forças.
Relatos do grupo curdo de defesa de direitos civis Hengaw afirmaram esta quinta-feira que no Curdistão e noutras comunidades curdas, o número de mortos ascendeu a 15, com os feridos a somarem 733.
Imagens dos protestos dos últimos dias, difundidas nas redes sociais, mostraram manifestantes desarmados a atacar nas ruas, sob ameaça de pistolas e de tasers, tanto polícias como agentes antimotim e membros à civil das milícias paramilitares pró-governamentais, as Basij. As milícias à civil são usadas pelos Guardas da Revolução para se infiltrarem e dispersarem protestos públicos recorrendo ao uso de força, filmando e fotografando manifestantes para depois os perseguir e deter.
Quarta-feira, um membro das Basij foi esfaqueado mortalmente na cidade de Mashhad, no nordeste, de acordo com duas agências de notícias semioficiais, a Tasnim e a Fars. Os relatos de ambas foram publicados na rede Telegram, uma vez que nenhum dos sítios internet das agências estava a funcionar esta quinta-feira.
A morte não foi confirmada oficialmente. A Tasnim comunicou o assassínio de um outro membro das Basij, também quarta-feira mas na cidade Qazvin, alvejado a tiro por “gangues e amotinados”.
A Nour News, uma agência noticiosa próxima das forças de segurança, publicou um vídeo de um oficial a confirmar a morte de um soldado durante os distúrbios, elevando a cinco o número de mortos entre aquelas forças às mãos dos manifestantes.
Responsáveis iranianos negam que as forças de segurança sejam responsáveis pelas mortes entre os manifestantes, sugerindo que estes tenham sido abatidos por dissidentes armados.
No nordeste iraniano, multidões armadas com paus e pedras atacaram dois polícias que se deslocavam num motociclo.
Vídeos cuja autenticidade é impossível de verificar mostram as populações a gritar "morreremos mas voltaremos a ter de volta o Irão", antes de atacar uma esquadra que foi depois incendiada, de acordo com publicações da conta Twitter 1500tasvir, que reporta os protestos no país a cerca de 100.000 seguidores.
Em Teerão foi também incendiada uma esquadra.
"Liberdade e igualdade"
A morte da jovem Amini fez explodir a raiva provocada pelas severas restrições das liberdades pessoais no Irão, incluindo do vestuário feminino, e pelas dificuldades económicas.
As unidades da "polícia da moralidade" são extremamente impopulares mas estas são as primeiras manifestações a denunciá-las publicamente.
Os manifestantes também expressaram a sua ira contra o líder supremo, o Ayatollah Ali Khamenei e contra o filho deste, que muitos acreditam venha a suceder-lhe. "Mojtaba, que morras e não te tornes líder supremo", cantaram as multidões. Ali Khamenei discursou num evento em Teerão sem mencionar os protestos no país.
As autoridades religiosas temem a recorrência dos protestos de 2019, os mais sangrentos jamais registados na República Islâmica.
A polícia usou gás lacrimogéneo e fez detenções para dispersar a multidão, revelou também a agência. Há imagens da polícia a abrir fogo contra a multidão na cidade de Shiraz.
Homens e mulheres, muitas da quais tiraram e queimaram o lenço islâmico da cabeça, têm-se juntado em Teerão e outras grandes cidades do país, segundo a mesma fonte.
"Não ao lenço, não ao turbante, sim à liberdade e à igualdade", gritaram os manifestantes num ajuntamento em Teerão, palavras de ordem repetidas em manifestações solidárias no estrangeiro, incluindo em Nova Iorque e Istambul.
Pai de Mahsa Amini denuncia "mentira"
Mahsa Amini, que era curda, foi detida por "vestir roupas inadequadas" em 13 de setembro na região do Curdistão, pela unidade local responsável por fazer cumprir o rígido código de vestuário na república islâmica. Faleceu três dias depois da detenção.
Segundo Amjad Amini a filha tinha "hematomas nos pés". "Não tenho ideia do que lhe fizeram".
"Eles estão a mentir. É tudo mentira. Por muito que eu implorasse, não me deixaram ver a minha filha", afirmou Amjad Amini à BBC.
O governo iraniano prometeu investigar o ocorrido.
Com agências