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Magrebe. O deserto onde morrem desamparados os migrantes africanos

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Deserto argelino. Unsplash - Azzedine Rouichi

Desde o início de julho que milhares de cidadãos da África subsaariana são abandonados à sua sorte, sem água, comida ou assistência e com temperaturas de quase 50 graus, nas fronteiras da Tunísia com a Líbia e a Argélia. Um drama humanitário que é consequência da "parceria estratégica" assinada com a União Europeia.

Depois dos trágicos naufrágios ao largo da Tunísia, no Mar Mediterrâneo, na tentativa de chegar à Europa, centenas de migrantes têm sido abandonados nas últimas semanas no meio do deserto, segundo relatam meios de comunicação social e organizações humanitárias. São pelo menos 1200 os subsarianos expulsos ou deportados à força pelo exército e pela polícia tunisina, de acordo com a organização não-governamental Human Rights Watch. 

Assistiu-se nos últimos anos a um aumento de migrantes subsarianos na Tunísia, em parte devido à insegurança na Líbia, o país vizinho a leste. Os números oficiais apontam para 22 mil, representando cerca de 0,2 por cento da população, já os números oficiosos – partilhados pelas organizações não-governamentais e associações, apontam para três vezes mais. 

A região de Sfax, no litoral oriental da Tunísia, tornou-se no principal centro de partidas para a Europa do país, principalmente de cidadãos oriundos da África subsariana. Sobretudo desde que foram reforçados pela guarda costeira os controlos nas fronteiras da Líbia, graças ao acordo que assinado em 2017 com a União Europeia - o país comprometeu-se a melhorar a gestão de fronteiras e consequentemente reduzir as travessias irregulares para o continente europeu. Nesta cidade portuária tunisina, milhares de migrantes subsarianos esperam poder embarcar para a Europa.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), desde o início do ano que as partidas para a ilha de Lampedusa, em Itália, apenas a 150 quilómetros da costa tunisina, aumentaram cerca de 300 por cento. A rota do Mediterrâneo Central, para entrar irregularmente na União Europeia, a partir do Norte de África e da Turquia é considerada uma das rotas migratórias mais mortíferas do mundo. Cerca de 900 corpos foram recuperados pela Tunísia desde janeiro e milhares continuam desaparecidos. 

A crise migratória tem vindo a evidenciar, desde 2015, as dificuldades das políticas comuns da União Europeia e as divisões entre os Estados-membros, em matéria de migrações e asilo, o que levou a Comissão Europeia a procurar soluções no exterior, em países de trânsito e de origem, com o objetivo de impedir que os migrantes cheguem às costas europeias. No entanto, nos últimos anos, o modus operandi das autoridades líbias e mais recentemente tunisinas têm evoluído e negligenciado as questões dos Direitos Humanos."Solução mágica” da União Europeia
Desde que a União Europeia e a Tunísia assinaram, no mês de julho, um acordo em que o país africano se comprometeu a cooperar com Bruxelas em matéria de migração,
em troca de um pacote de ajuda financeira estimado na totalidade em cerca de 900 milhões de euros, que a Tunísia começou uma campanha de deportações, desencadeando uma vaga de expulsões em massa de migrantes da Tunísia para a Líbia e para a Argélia.


No dia 16 de julho, em Tunes, capital da Tunísia, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e os chefes dos governos italiano, Giorgia Meloni e holandês, Mark Rutte assinaram um “memorando de entendimento” com o presidente tunisino, Kaïs Saïed, fundamentando uma “parceria estratégica e abrangente”, dividida em cinco pilares, entre os quais o apoio à luta contra a imigração ilegal.

Ambas as partes concordaram nos benefícios do acordo para a União Europeia e para a Tunísia. Por um lado, em Itália, a primeira-ministra Giorgia Meloni consegue reduzir a chegadas de migrantes e recuperar o controlo das fronteiras e do outro o presidente Kaïs Saïed reitera a posição da Tunísia de “não ser um país de acolhimento de migrantes em situação irregular”.
A perseguição dos subsarianos na Tunísia
Nos últimos meses, os subsarianos têm enfrentado uma perseguição cada vez maior em território tunisino, num contexto de racismo crescente, desde o discurso violento do chefe de Estado da Tunísia Kaïs Saïed, numa reunião do Conselho de Segurança Nacional, no final de fevereiro, onde acusou as “hordas de migrantes ilegais” de serem uma fonte de “violência, crime e atos inaceitáveis”. Na mesma altura, o Partido Nacionalista Tunisino lançou uma campanha contra os migrantes subsarianos, amplamente difundida nas redes sociais e nos meios de comunicação social.

A tensão no país culminou com a morte de um cidadão tunisino na sequência de uma rixa com três migrantes negros, de origem camaronesa, a 3 de julho, segundo um porta-voz do Ministério Público de Sfax.

Os confrontos violentos exacerbados pelo ódio racial aumentaram e desde então que os migrantes subsarianos, legais ou ilegais, receiam ser alvo de ataques racistas e deportações. Sem escapatória, e impedidos de atravessar o mar em direção à Europa ou de ficar em território tunisino sem sofrer represálias, são detidos e deportados à força da cidade portuária de Sfax para as zonas fronteiriças de Ras Jedir - a zona tampão que separa a Tunísia da Líbia e Hazoua – uma das fronteiras que separa a Tunísia da Argélia.
“Estamos na linha de demarcação entre a Líbia e a Tunísia e vemos todos os dias chegar cada vez mais imigrantes", afirma Ali Wali, porta-voz líbio do Batalhão 19 da Direção do Controlo da Imigração do Saara, em declaração à agência France Presse no terreno.
Acrescenta que, durante as patrulhas diárias efetuadas na região, os soldados recuperam todos os dias “150, 200, 350, por vezes 400/500 clandestinos", questionando "Como é que se espera que eles sobrevivam a isto?”.

Os relatos que nos chegam, através das organizações humanitárias e dos meios de comunicação social no terreno, mostram que sem qualquer controlo por parte de Bruxelas nas operações de resgate e controlo de fronteiras, o objetivo migratório poderá ser alcançado com a redução de chegadas à Europa, mas à custa do retrocesso em matéria de Direitos Humanos.

Face ao drama humanitário que se vive no Magrebe, os dirigentes europeus ainda não se pronunciaram ou agiram, deixando milhares de cidadãos da África subsariana a vaguear até à exaustão em “terra de ninguém” à procura de segurança e com o desejo último de chegar à Europa.

Por deserto ou mar, é certo que as rotas são cada vez mais opacas e perigosas e que, para além das barreiras geográficas, os migrantes, refugiados ou requerentes de asilo têm agora de enfrentar também ataques e perseguições humanas.
 
c/ agências
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