O magnata do jogo de Macau Stanley Ho, que construiu um verdadeiro império na antiga colónia portuguesa e se tornou um dos homens mais ricos da Ásia, morreu esta terça-feira, aos 98 anos. Ho morreu no Hong Kong Sanatorium Hospital, de acordo com a televisão estatal chinesa, que o descreveu como "empreendedor patriótico".
Stanley Ho dominava o negócio dos casinos em Macau desde que, nos anos de 1960, o Governo lhe atribuiu uma licença de monopólio. As empresas do magnata passaram então a deter integralmente o mercado do jogo na ex-colónia portuguesa, até aos anos de 2000, que trouxeram a liberalização e, consequentemente, a concorrência dos norte-americanos, ainda assim longe de lhe roubar a hegemonia. José António Pereira, Marcelo Sá Carvalho - RTP
Conforme a fortuna cresceu, Ho expandiu a sua atividade para além de Macau, construindo edifícios residenciais e escritórios em Hong Kong, operando ainda casinos em países como Portugal ou a Coreia do Norte.
O empresário, que aconselhava os seus entes próximos a evitarem o jogo, chefiou um dos negócios mais lucrativos do mundo através da sua empresa principal, a SJM Holdings, avaliada em cerca de seis mil milhões de dólares. A SJM controla agora 20 casinos em Macau. A fortuna pessoal de Ho foi estimada em 6,4 mil milhões de dólares (5,9 mil milhões de euros), quando se reformou em 2018.
Nascido em Hong Kong em 1921, Stanley Ho teve quatro mulheres e 17 filhos. Em 2012, depois de a sua fortuna ter originado uma batalha em tribunal entre a família, o magnata viu-se forçado a reestruturar o seu negócio.
Após a notícia da sua morte, as ações das empresas do império familiar aumentaram. A SJM subiu 8,5 por cento, a empresa de transporte de passageiros Shun Tak Holdings subiu 17,6 por cento e a gestora de casinos Melco Resorts & Entertainment 4,9 por cento.
Ho era também proprietário da empresa privada Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, (STDM), que possui participações em hotéis de luxo, helicópteros e corridas de cavalos.
O multimilionário era também conhecido por liderar o sistema de VIP junkets de Macau, através do qual intermediários agiam em nome dos casinos para concederem crédito aos jogadores, assumindo a responsabilidade pela cobrança das dívidas. Ho nunca escondeu as origens como filho de um pai que perdeu a fortuna na bolsa e que foi forçado a trocar os estudos pelos negócios devido à Segunda Guerra Mundial, havendo numerosas histórias, nomeadamente sobre alegada ligação ao mundo do crime, incluindo a tríades.
Alguns dos filhos de Ho seguiram as pegadas do pai, tornando-se empresários de sucesso na área do jogo. A filha Pansy é uma das presidentes da unidade de Macau da empresa gestora de hotéis MGM Resorts, enquanto o filho Lawrence gere a Melco Resorts & Entertainment.
Stanley Ho, que chegou a desempenhar funções políticas no processo de transição de Macau e Hong Kong, foi responsável pela transformação de Macau, desde a dragagem dos canais de navegação à construção do Centro Cultural de Macau e do Aeroporto Internacional ou à constituição da companhia aérea Air Macau.
Exemplo de um self-made man, Stanley Ho fica para a história como o magnata dos casinos de Macau, terra que abraçou como sua e cujo desenvolvimento surge indissociavelmente ligado ao seu império do jogo.
Reconhecimento em Portugal
Em 1998, foi dado o seu nome a uma avenida e Stanley Ho tornar-se-ia no primeiro chinês na História de Macau a receber tal honra em vida. Dez anos mais tarde, por ocasião do 50.º aniversário da Estoril Sol, Cascais prestou-lhe igual homenagem, a primeira outorgada em Portugal, e em vida, a um cidadão chinês.
Além das mais altas condecorações em Macau e em Hong Kong, Stanley Ho, de nacionalidade chinesa, britânica e portuguesa, foi agraciado por Portugal, nomeadamente com a Grã-Cruz da Ordem do D. Infante D. Henrique, e em diversos pontos do mundo, como França, Reino Unido ou Japão.
O último governador português em Macau, Rocha Vieira, foi um dos que recordou o trajeto de Stanley Ho, descrevendo-o como um homem “que marcou uma época” e que “gostava dos portugueses”.
Já Jorge Neto Valente, presidente da Associação de Advogados de Macau, disse à TDM-Rádio Macau que o amigo e magnata do jogo Stanley Ho era "mais do que os casinos, o homem que ajudou a mudar" o território.
"É uma notícia muito triste para mim e para todos os amigos que deixa, para a sua família, porque estamos a falar de um homem superior, um homem inteligente, culto, que fez muito por Macau desde os anos 60, responsável por muita da transformação, e que se soube adaptar ao longo da sua longa vida", afirmou Neto Valente.
"A verdade é que foi muito mais do que o homem dos casinos: político, financeiro, comercial, pioneiro em muitas vertentes, sobretudo em Macau, de onde foi muitas vezes ponte entre a administração portuguesa e a China", acrescentou.
Família fala em morte de "figura maior que a vida"
A família do magnata do jogo de Macau Stanley Ho manifestou hoje pesar pela morte de "uma figura maior que a vida".
Em nome das quatro mulheres que partilharam a vida com Ho, Clementina Leitão Ho (já falecida), Lucina Laam King Ying, Ina Chan Un Chan e Angela Leong On Kei, bem como de todos os seus filhos e netos, a família fala numa "profunda tristeza" pelo falecimento do "amado patriarca", numa nota enviada à agência Lusa.
"Cercado por todos os membros da sua família, Dr. Ho faleceu pacificamente" em Hong Kong, "uma figura maior do que a vida, cuja visão sem paralelo, espírito empreendedor, desenvolto e temerário foram amplamente reconhecidos e respeitados", salientou o mesmo texto.
"Para nós, ele foi e sempre será o nosso modelo inspirador. Passou-nos valores importantes. Ensinou-nos a ver possibilidades em territórios novos e desconhecidos, a abraçar desafios com tenacidade e resiliência, a ser compassivo e empático, a retribuir à sociedade, a apreciar nossa herança cultural e, acima de tudo, a sermos patrióticos no nosso país", sublinhou a família.
Entre as "muitas vitórias que conquistou nos 98 anos de vida, o carisma do Dr. Ho, o seu sentido de humor e o amor pela dança estarão entre as muitas qualidades pelas quais os seus pares se lembrarão dele com carinho", referiu.
"Mas para nós, sua família, o seu legado será o amor incondicional que demonstrou. Embora soubéssemos que esse dia chegaria, nenhuma palavra poderia expressar adequadamente a consciência da nossa perda. A sua falta será sentida por todos os membros da família e por todas as vidas que ele tocou", acrescentou.
c/ agências