A concluir uma visita de três dias a Washington, o Presidente francês admitiu, nas últimas horas, ter ficado convencido de que Donald Trump vai mesmo rasgar o acordo nuclear estabelecido em 2015 com Teerão “por razões domésticas”. Já depois de ter condenado, perante o Congresso dos Estados Unidos, “a ilusão do nacionalismo”, Emmanuel Macron descreveu como “louca” a trajetória da atual política externa norte-americana.
Além do acordo com o Irão - ao abrigo do qual a República Islâmica aceitou reduzir as atividades relacionadas com o seu programa nuclear, abdicando do desenvolvimento deste tipo de armamento mediante um recuo nas sanções internacionais -, o Chefe de Estado francês lembrou a decisão da Casa Branca de Trump de sair do acordo de Paris sobre as alterações climáticas.
Na perspetiva de Emmanuel Macron, as constantes mudanças de curso da política externa dos Estados Unidos podem até “funcionar a curto prazo”, mas este será também um comportamento “louco a médio e a longo prazo”.
Em quase 72 horas de estadia na capital norte-americana, onde se desdobrou em operações de charme e exercícios imagéticos junto do anfitrião norte-americano, o Presidente francês chegou a advogar a negociação multilateral de um entendimento complementar ao acordo de 2015 – uma espécie de adenda que incidiria sobre os sensíveis capítulos do armamento balístico iraniano e do papel militar de Teerão no Médio Oriente. Aparentemente, Trump não ficou seduzido.
Estas palavras foram captadas na sequência de uma intervenção de quase uma hora, no Capitólio, durante a qual o convidado francês tratou de assumir a defesa de dossiers torpedeados pelo 45.º Presidente dos Estados Unidos. Em suma, Emmanuel Macron procurou apresentar-se como um campeão do internacionalismo e do comércio global e livre. Por oposição ao bordão cunhado pela campanha presidencial de Donald Trump: “A América primeiro”.
Em inglês, a espaços ovacionado pelas fileiras democratas, Macron clamou ao Congresso ter a “certeza” de que os Estados Unidos acabarão por regressar à letra do acordo de Paris. Sobre o Irão, afiançou que a França não deixará cair o Programa de Ação estabelecido há três anos sob os auspícios da Administração democrata de Barack Obama.
“Este é um momento crítico. Se não agirmos com urgência como uma comunidade global, estou convencido de que as instituições internacionais, incluindo as Nações Unidas e a NATO, deixarão de ser capazes de exercer um mandato e uma influência estabilizadora”, advertiu a dada altura.
“A ilusão do nacionalismo”
Ainda no decurso da intervenção diante dos legisladores, Macron rejeitou “o abandono da liberdade e a ilusão do nacionalismo”. Questionou-se também sobre “o sentido da vida” num planeta ameaçado pela ação do Homem. “Não há um planeta B”, atirou.
“A longo prazo, teremos de enfrentar a mesma realidade, que somo cidadãos do mesmo planeta. Tenho a certeza de que um dia os Estados Unidos vão voltar e juntar-se ao acordo de Paris”, insistiu.
Relativamente às políticas protecionistas abraçadas pelo Presidente norte-americano, o líder francês sustentou que só através da Organização Mundial do Comércio é possível ultrapassar desequilíbrios: “Escrevemos estas regras. Devíamos segui-las”.
Na passagem dedicada ao Irão, Emmanuel Macron voltou à carga com a proposta levada à Casa Branca, afirmando que o acordo de 2015 não dever ser abandonado “sem ter alguma coisa mais substancial em seu lugar”. Numa aparente alusão à invasão do Iraque em 2003, sob o comando da Administração Bush, o Presidente francês faria um aviso contra “a repetição de erros passados”.
Teerão e Moscovo a uma só voz: não
O desabafo agora reportado pelos media internacionais afasta-se do otimismo de um tweet publicado na conta do Presidente francês após o discurso ao Congressso. No texto, Macron dizia ter “decidido” com o homólogo norte-americano “trabalhar num novo acordo abrangente”.
France will not leave the JCPOA, because we signed it. We decided with President @realDonaldTrump to work on a new comprehensive deal.
— Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) 25 de abril de 2018
Na terça-feira, o próprio Donald Trump deixou no ar a possibilidade de reavaliar a promessa de abandonar o Programa de Ação Conjunto Global. Um adeus que, em teoria, poderia concretizar-se já a 12 de maio, data a partir da qual a Casa Branca deveria prolongar o alívio de sanções contra interesses iranianos.
Confrontados com as ideias do Presidente francês, os governos do Irão e da Rússia foram claros, ao colocar de parte, de forma categórica, qualquer acordo suplementar ao Programa de Viena, nascido de duras negociações entre Teerão e os chamados 5+1: Estados Unidos, China, Reino Unido, Alemanha, França e Rússia.
“Juntos, com um líder de um país europeu, eles dizem: queremos decidir sobre um acordo concluído a sete. Porquê fazê-lo? Com que direito? Com este acordo, fizemos cair as acusações e provámos que Estados Unidos e Israel mentem sobre o Irão há décadas”, reagiu o Presidente iraniano.
Hassan Rohani dirigiu-se depois a Donald Trump, avaliando o atual Presidente norte-americano como um “homem de negócios” sem “qualquer experiência em política, nem em matéria de direito ou de acordos internacionais”.
“Como pode ele emitir um julgamento sobre assuntos internacionais”, perguntou.
Do Kremlin saiu uma resposta lacónica: o acordo talhado já três anos “não tem alternativa”.
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