O diretor nacional da agência Erasmus+, Juventude/Desporto e Corpo Europeu de Solidariedade, Luís Alves, foi distinguido pelo Governo da Ucrânia com a Insígnia de Honra pelos serviços que tem prestado ao país, em tempo de guerra.
A condecoração foi atribuída por Matvii Bidnyi, Ministro Ucraniano da Juventude e Desporto.
A entrega da insígnia decorreu no Porto, na presença de educadores e técnicos de juventude ucranianos, no âmbito de uma visita de cooperação bilateral entre a Agência Nacional Erasmus+ e organizações parceiras da Ucrânia.
Em entrevista à Antena 1, Luís Alves confessa que não estava à espera desta condecoração e garante que o Erasmus+ tem sido um instrumento de integração da juventude nas comunidades, tanto na Ucrânia como nos Estados-Membros da União Europeia para os quais tiveram que fugir durante a guerra.
Pergunta: Esta distinção vem na sequência de um trabalho iniciado em 2023 para incluir organizações e jovens da Ucrânia no programa Erasmus+. Uma condecoração do Governo ucraniano é um reconhecimento importante?
Resposta: “Esta distinção foi desde logo uma surpresa porque, objetivamente, não estava à espera e não me tinha sido comunicado que a iria receber.
Mas foi o resultado de uma cooperação que nos últimos dois anos, em conjunto com a Comissão Europeia e as agências Erasmus+, fomos capazes de fazer.
Luís Alves, em representação da rede europeia das
agências Erasmus+ e da Comissão Europeia, tem incentivado à cooperação
entre as instituições ucranianas e a União Europeia através do acesso a
financiamentos europeus e da promoção de programas de apoio a jovens que
beneficiam de proteção temporária em solo europeu.
O que nós quisemos, em parceria com as autoridades ucranianas, foi garantir que a cooperação com a Ucrânia podia acontecer também no domínio da juventude, usando um programa muitas vezes associado à mobilidade. Nós sabemos que a mobilidade está por definição muito comprometida num país em guerra, mas nós quisemos demonstrar que o Erasmus+ podia ser um instrumento importante de cooperação.
As autoridades ucranianas consideraram que o meu papel nesta missão era merecedor deste reconhecimento que me foi presencialmente – no Porto e no quadro de mais uma atividade de cooperação com a Ucrânia – pelo Ministro Adjunto da Juventude e do Desporto do Governo Ucraniano”.
P: Estamos a falar da integração de jovens e de organizações ucranianas em projetos europeus, sendo que a Ucrânia ainda não faz parte da União Europeia e está a lutar pelo futuro depois da invasão russa.
P: Estamos a falar da integração de jovens e de organizações ucranianas em projetos europeus, sendo que a Ucrânia ainda não faz parte da União Europeia e está a lutar pelo futuro depois da invasão russa.
R: “É o contexto que nós conhecemos: uma invasão injustificada e cruel da Federação Rússia à Ucrânia e, nesse contexto, todos fomos interpelados – a sociedade europeia e também os governos – para cooperar com a Ucrânia em múltiplos domínios.
É evidente que em contexto de guerra há domínios que parecerão mais óbvios: a dimensão militar, a dimensão económica e financeira e a dimensão humanitária são as que, neste contexto de emergência, nos interpelam de forma mais evidente.
Por isso até parecia, num contexto inicial, inusitado que também nós, no setor da juventude, quiséssemos fazer a nossa parte e quiséssemos usar o Erasmus+ como um instrumento de cooperação. Mas foi isso que me propus fazer, mobilizando a própria Comissão Europeia, mobilizando a rede europeia das agências Erasmus+ e interpelando o próprio Governo Ucraniano no sentido de estudarmos de que forma é que podíamos ser esse instrumento de cooperação.
“O Erasmus+ tem sido um instrumento de integração na comunidade, mas também uma plataforma para que os jovens possam manter os laços de identidade com a Ucrânia através da comunicação com as suas organizações de juventude de origem”.
E assim, mobilizando a Comissão Europeia e a rede europeia das agências Erasmus+, que é hoje muito mais do que apenas um programa de apoio à mobilidade dos jovens, conseguimos que o programa seja um instrumento de cooperação entre organizações para reforçar a capacidade das estruturas, das políticas de juventude e das organizações da sociedade civil.
“O Erasmus+ tem sido um instrumento de integração na comunidade, mas também uma plataforma para que os jovens possam manter os laços de identidade com a Ucrânia através da comunicação com as suas organizações de juventude de origem”.
E assim, mobilizando a Comissão Europeia e a rede europeia das agências Erasmus+, que é hoje muito mais do que apenas um programa de apoio à mobilidade dos jovens, conseguimos que o programa seja um instrumento de cooperação entre organizações para reforçar a capacidade das estruturas, das políticas de juventude e das organizações da sociedade civil.
É nessas dimensões que nós identificamos áreas de cooperação que vão ser muito úteis ao futuro da Ucrânia. Mas não quisemos esperar por esse futuro porque temos que começar a cooperar desde já. E a própria Comissão Europeia tem sido esse instrumento de cooperação e um instrumento de apoio a muitos milhares de jovens ucranianos que estão deslocalizados, um pouco por toda a Europa, depois da invasão da Rússia à Ucrânia.
O Erasmus+ tem sido um instrumento de integração na comunidade, mas também uma plataforma para que os jovens possam manter os laços de identidade com a Ucrânia através da comunicação com as suas organizações de juventude de origem”.
P: Que organizações é que já puderam beneficiar desse apoio? Já se pode fazer um balanço desta cooperação?
P: Que organizações é que já puderam beneficiar desse apoio? Já se pode fazer um balanço desta cooperação?
R: “Nós sabemos que já foram mobilizadas e já beneficiaram de fundos europeus, no quadro deste programa, cerca de 200 organizações ucranianas de juventude e só em Portugal – Portugal tem tido também um papel especialmente ativo nessa matéria e diga-se que a sociedade portuguesa, em geral, tem demonstrado essa solidariedade de forma muito expressa – já financiámos 47 projetos com parceiros ucranianos que envolveram cerca de dois milhões de euros de financiamento.
Mas também as candidaturas centralizadas em Bruxelas já beneficiaram
quatro projetos ucranianos de grande escala, cada um deles com mais de
300 mil euros. Portanto, podemos quantificar desta maneira um impacto
que, manifestamente, é muito significativo, designadamente tendo em
conta aquelas que eram as expectativas iniciais e alguma desconfiança,
devo dizer, relativamente à capacidade de sermos um instrumento de
cooperação”.
Em junho de 2023, o diretor o nacional da agência Erasmus+
Juventude/Desporto e Corpo Europeu de Solidariedade, visitou várias
cidades ucranianas como Kiev, Lviv e Zhytomyr, para se reunir com
autoridades autárquicas, regionais e nacionais, e com várias das
associações que prestam apoio aos jovens ucranianos.
Luís Alves ajudou a preparar o caminho para que apresentassem projetos
elegíveis para financiamento europeu que permitissem a cooperação com
congéneres portuguesas e com as de outros países da União Europeia.
P: Em que consistem estes projetos? Quais as áreas em que são desenvolvidas as atividades do Erasmus+ com a Ucrânia?
P: Em que consistem estes projetos? Quais as áreas em que são desenvolvidas as atividades do Erasmus+ com a Ucrânia?
R: “Nós temos projetos de formação e de capacitação de educadores em áreas especialmente importantes no contexto da guerra que a Ucrânia atravessa, designadamente usando as ferramentas digitais.
Ainda há poucos dias esteve uma delegação de professores ucranianos no Porto, numa visita de estudo a organizações da região, e percebemos que muitos professores ucranianos estão a dar aulas digitais aos seus alunos na Ucrânia – há alunos que estão noutros países, mas também há alunos que estão em territórios ocupados e que assistem a aulas ucranianas em regime de alguma clandestinidade, por razões que se compreendem – e, portanto, cooperamos em projetos de parceria entre estruturas de juventude que permitem às organizações ucranianas constituir-se com base numa estrutura que lhes possibilita dar respostas às necessidades dos jovens.
E na Ucrânia, em concreto e de forma ainda mais evidente, essas necessidades passam pela área da saúde mental, das dificuldades psicológicas dos jovens, rapazes e raparigas, num contexto que é de grande stress e de grande imprevisibilidade relativamente ao presente e ao futuro próximo.
Mas também temos projetos que permitiram estabelecer relações de contacto e atividades de parceria em países que neste momento acolhem jovens ucranianos que se viram obrigados a fugir de territórios que estão em guerra.
Há muitos exemplos desses projetos na Ucrânia que integram jovens ucranianos que estão deslocados na Alemanha, na Polónia, na República Checa, em Portugal, etc., mas que também lhes permitem dar um contributo à comunidade onde neste momento residem e estudam”.
P: Quando esteve na Ucrânia – e pelos contatos praticamente diários que tem com parceiros e organizações na Ucrânia – conseguiu perceber que há jovens com mais dificuldades nas zonas mais atingidas pela guerra, mas também muito esforço por manter a normalidade possível com escolas a funcionar, com competições desportivas para jovens a decorrer, com o conservatório de música a ter aulas e concertos, por exemplo…
P: Quando esteve na Ucrânia – e pelos contatos praticamente diários que tem com parceiros e organizações na Ucrânia – conseguiu perceber que há jovens com mais dificuldades nas zonas mais atingidas pela guerra, mas também muito esforço por manter a normalidade possível com escolas a funcionar, com competições desportivas para jovens a decorrer, com o conservatório de música a ter aulas e concertos, por exemplo…
R: “Sim, esse foi um dos fatores de que eu, confesso, não estava à espera. Eu fui – não lhe vou chamar aventura porque a aventura tem um certo romantismo, que eu acho que não se aplica a um cenário de guerra que é dramático e que é trágico por natureza – mas fui, em 2023, à Ucrânia desconhecendo a realidade concreta que ia encontrar e descobri uma sociedade ucraniana que resiste de múltiplas formas.
A Ucrânia ainda não faz parte da União Europeia, mas já prepara a
integração na rede de agências Erasmus+. Luís Alves tem criado as pontes
entre a União e a Ucrânia no que se refere aos programas europeus no
domínio da juventude e desporto, o que justifica, para o governo
ucraniano, a distinção com a Insígnia de Honra.
A forma mais evidente, a que nós assistimos nos noticiários, é a da resistência militar, da resistência à invasão agressiva que o seu território está a sofrer.
Mas há uma resistência de toda a sociedade ucraniana que garante que o país funciona, que a economia funciona, que os estabelecimentos de ensino – de forma adaptada – funcionam, que há respostas às necessidades e aos problemas dos jovens.
E há até um cuidado especial em garantir que, por exemplo, os jardins dos centros das cidades estejam tratados, floridos. E isso foi para mim muito inspirador e julgo que constitui também uma mensagem muito forte, muito poderosa, de esperança e de confiança no futuro do país.
P: E que futuro será esse, sobretudo para a juventude? O que se pode esperar?
R: “Eu tenho muita esperança que a guerra na Ucrânia acabe o mais rapidamente possível e com um país independente e soberano, capaz de decidir os seus destinos, e com uma Ucrânia livre e democrática que partilhe os valores europeus e faça com que nós consideremos, independentemente das decisões institucionais, que a Ucrânia é parte da Europa e parte da Família Europeia. Mas sei bem, também pelo que vi, que no dia em que a paz for conquistada haverá muito a reconstruir.
Isso vai exigir muito de todos nós, vai exigir apoio e solidariedade para com a Ucrânia.
Mas, novamente, vai exigir também muito das políticas públicas de juventude e vai ser igualmente importante que a Ucrânia tenha capacidade de dar resposta aos problemas dos jovens, e tenha organizações de juventude e da sociedade civil capazes de assumir um papel importante na sua comunidade.
Não basta haver eleições, não basta haver liberdade de expressão. É preciso também uma sociedade civil forte, capaz de mobilizar e envolver os cidadãos e capaz de contribuir para uma Ucrânia democrática. A democracia também só se consegue em circunstância de paz.
P: E os jovens? Estão motivados? Acreditam que podem fazer a diferença?
P: E os jovens? Estão motivados? Acreditam que podem fazer a diferença?
R: "Eu tive conversas muito inspiradoras com muitos grupos de jovens, em muitas cidades da Ucrânia. Eu não estive apenas em Kiev – estive em Kiev, mas também em Zhytomyr, uma plataforma logística da Ucrânia que era especialmente atingida naquele contexto, ainda esta noite foi atingida, e ainda em Lviv – e estive perante uma juventude que veio de uma pandemia que foi também muito disruptiva para as novas gerações ucranianas, que afetou os seus percursos educativos e a sua interação social.
Esta juventude lida agora com uma guerra muito comprometedora da sua vida, da sua capacidade de frequentar a escola, de vivenciar e de se projetar no futuro.
Nós sabemos que aquilo que é mais desestabilizador na juventude é a dificuldade em se projetar no futuro, e naquele contexto o futuro é mesmo muito imprevisível e muito ameaçador.
Mas eu vi uma juventude muito comprometida, desde logo, com a sua identidade, comprometida com a sua comunidade e muito esperançosa em poder contribuir para o futuro do seu país.
Muitos dos jovens com quem contactei eram já voluntários para o serviço militar, outros contribuíam já nesse contexto.
Eu julgo que não falei com nenhum jovem ou com nenhuma família ou com nenhum responsável político que não tivesse sido diretamente afetado pela guerra – ou porque um familiar tinha sido atingido, ou porque tinha saído do país, ou porque já estava mesmo na frente de combate – e isso foi muito impressionante, muito inspirador.
Eu senti muito esse depósito de esperança e de confiança e vim com esse peso enorme em cima dos meus ombros. Por isso tentei, na medida do possível – mobilizando todas as agências europeias – corresponder a essa expectativa que se depositou, designadamente no programa Erasmus+, que também para os ucranianos, numa primeira instância, parecia inviável como instrumento de reforço da sua qualidade de vida no presente e de projeção de qualidade de vida no futuro”.