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Lixo da pesca produz efeitos severos nas aves marinhas

por Nuno Patrício - RTP
Foto: Martin Gray - Reuters

A atividade piscatória continua a deixar uma pegada ecológica muito negativa. A regulamentação da exploração dos recursos marinhos não produz a eficácia desejável. O lixo marinho, principalmente o material descartado ou perdido com origem nesta atividade, tem consequências severas para a conservação das aves marinhas.

Os alertas surgem de vários cantos do planeta e Portugal não é exceção. Por cá, o aviso surge, desta vez, por parte de um grupo académico de biólogos da Universidade de Aveiro (UA) que, durante dez anos, estudou as causas que levaram milhares de aves feridas ou mortas até ao centro de reabilitação de animais marinhos que atua na costa centro.

Entre 2008 e 2018 foram analisadas as 2918 aves marinhas de 32 espécies, que deram entrada no Centro de Reabilitação de Animais Marinhos do ECOMARE. Entre as causas de admissão das aves – entre elas, captura acidental, trauma, emaciação, doença ou intoxicação – quase 6,9 por cento (201 aves) traziam sinais de emaranhamento e, entre estas, 82 por cento dos casos referem-se a materiais relacionados com a pesca como anzóis, linhas e redes.

"Nós somos do fim da linha, digamos assim. E não é só o lixo e os plásticos. E também os metais pesados, muitos tipos de poluição e se calhar muitas das doenças que por vezes encontramos agora no mundo atual têm por base estes problemas. Mas é importante a gente ter consciência do que está a fazer e se calhar cada um nós em pequenas ações poderá fazer o mundo melhor", refere a bióloga Rute Costa, da ECOMARE - UAveiro.

Créditos: Governor of Svalbard/DR

Rute Costa é uma das biólogas que faz parte da equipa da UA e refere à RTP que, "na verdade, foi preciso alguns anos de estudo para conseguirmos chegar a conclusões mais acertadas". "O que encontrámos realmente foi que muito deste material que estudamos, com as aves marinhas, é material relacionado com a pesca".

"É claro que isto é um pequeno ponto de todos os outros que podemos alertar. Um problema que com alguma fiscalização, ou muita consciencialização das pessoas que pescam, e não estou a falar só pesca profissional, falo também muito da pesca desportiva e lúdica, se houver uma grande consciencialização das pessoas que fazem pesca, de recolher todo o material que utilizam ao que estraga por alguma razão. Se o recolherem e colocarem nos lugares certos, muitas destas coisas, se calhar, não aconteciam", sublinha.

Estudos revelam um problema global
Também em 2018  um outro estudo, desta feita realizado pelo Instituto Polar Norueguês, revelava a escala de contaminação nos mares da Noruega e de Barents, ao norte da Escandinávia, mostrando que nenhum canto da Terra está imune ao flagelo da poluição do plástico.

Havia sinais de que a quantidade de plástico estava a aumentar de forma preocupante, com a produção global de plástico a chegar a 322 milhões de toneladas em 2015 e com previsão de crescimento de cerca de quatro por cento ao ano.

O relatório alertava ainda que os detritos oceânicos representavam uma ameaça aos organismos marinhos por meio de emaranhamento, ingestão ou como vetor para espécies exóticas.

Créditos: sas.org.uk

E em nenhum lugar o impacto do lixo plástico é mais doloroso do que na vida selvagem do Ártico, de peixes e pequenos invertebrados a aves marinhas, focas e até renas, referem os autores do estudo.

Bo Eide, consultor ambiental do Conselho de Tromso na Noruega, explica que "a parte principal em termos de peso ecológico é o equipamento da pesca. Muitos e muitos pedaços de corda. Alguns estão cortados. Alguns estão obviamente rasgados. A frota pesqueira internacional está operar de forma offshore. E claramente encontramos sinais de que eles contribuem para isto. Mas além deste lixo proveniente desta atividade encontramos também lixo de toda a Europa e até mesmo do outro lado do Atlântico".

Créditos: Reuters
Dez anos de estudos são inconclusivos
Os números estão muito aquém da realidade, refere Rute Costa. "Como só conseguimos contabilizar os animais emaranhados que conseguiram dar à costa ou sobreviveram o tempo suficiente para chegar à costa, o problema está consideravelmente subestimado", aponta a bióloga do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, uma das unidades de investigação da UA.

"Com estes dados que nós temos, com os animais que conseguimos e chegaram ao Centro, existe um grande número que está afetado por este problema. Razão pela qual não nos é possível quantificar o número exato de aves enredadas na região centro, muito menos no total da costa nacional, mas podemos dizer que será certamente muito superior aos 6,9 por cento (201 aves) apresentado no estudo", garante a coordenadora da investigação.

O cenário, garantem os investigadores, é "preocupante". Rute Costa aponta que "os valores apresentados neste estudo mostram claramente o impacto deste tipo de lixo nas aves marinhas e a importância para que o cenário encontrado seja modificado".


Para diminuir o número de aves afetadas, nomeadamente pelos materiais usados pelos pescadores, a bióloga do Centro de Reabilitação de Animais Marinhos do ECOMARE diz ser necessária mais fiscalização e mais esforços na consciencialização de pescadores, "principalmente para que os materiais particularmente perigosos, como resíduos de equipamentos de pesca, sejam eliminados de forma segura”.
Poluição afeta aves, animais, peixes e humanos
No dia-a-dia, olhamos um pouco para o lado no que diz respeito a pequenos gestos que podem fazer toda a diferença. Continuamos a consumir desmesuradamente e a pensar que, após lançar o lixo para os contentores, o problema deixa de ser nosso.

O problema não pára aí. Muito do lixo que é mal acondicionado, inadvertidamente ou por incúria, fica ao abandono. Com a chuva, pode mesmo acabar no mar.

Créditos: Reuters

Os consumidores não estão sensibilizados e a economia não ajuda a mudar mentalidades, como refere a bióloga Rute Costa.

"Nós somos do fim da linha, digamos assim. E não é só o lixo e os plásticos. É também os metais pesados, muitos tipos de poluição e se calhar muitas das doenças que por vezes encontramos agora no mundo atual têm por base estes problemas. Mas é importante a gente ter consciência do que está a fazer e se calhar cada um nós em pequenas ações poderá fazer o mundo melhor".
“Se pensarmos um bocadinho e desde o pôr o lixo no sítio certo, desde a reciclagem deste à consciencialização na utilização de materiais mais indicados para várias coisas, são pequenos passos para atingir grandes objetivos”, remata.
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