Desde o início da invasão russa da Ucrânia, Moscovo tem alertado o Ocidente para "linhas vermelhas" que não poderiam ser ultrapassadas no seu apoio a Kiev, sob ameaça da escalada militar e de um conflito global com a NATO.
O caso mais recente foi a aprovação na terça-feira pelo líder do Kremlin, Vladimir Putin, de um decreto que alarga a possibilidade de utilização de armas nucleares, depois de os Estados Unidos terem autorizado Kiev a atacar solo russo com mísseis norte-americanos de longo alcance.
As ameaças de Moscovo remontam, porém, à década que antecedeu a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, a propósito de uma alegada ingerência ocidental para depor o regime ucraniano pró-russo na revolução Euromaidan em 2014, do apoio militar desde então às autoridades de Kiev e, sobretudo, da sua aspiração de aderir à NATO.
Ameaça à Rússia e sanções
No dia da invasão ucraniana, que cumpriu mil dias na terça-feira, Vladimir Putin argumentou que a sua "operação militar especial" resultava de uma "ameaça real aos interesses e à existência do Estado [russo] e da sua soberania".
O líder mencionou na ocasião que se tratava de uma "linha vermelha" há muito apontada e que tinha sido ultrapassada, numa referência concreta à expansão da NATO no leste europeu.
Alguns dias depois, o Presidente russo mandou colocar em alerta máximo as forças de dissuasão do seu Exército, que podiam incluir a componente nuclear, devido a "declarações agressivas" do Ocidente e ao anúncio de sanções contra Moscovo, que na altura comparou a "uma declaração de guerra".
Tanques modernos
Após o envio pelos aliados de Kiev de equipamento militar da era soviética, os parceiros ocidentais acabaram por ultrapassar as suas hesitações e autorizar no início de 2023 o envio de tanques modernos, que incluíram o alemão Leopard 2, o britânico Challenger 2 e o norte-americano Abrams.
Reagindo à "luz verde" de Berlim, a Embaixada russa na capital alemã advertiu que se tratava de uma medida "extremamente perigosa" e que levava o conflito para "um novo nível de confronto".
No mesmo mês, o antigo Presidente russo e número dois do Conselho de Defesa Nacional, Dmitri Medvedev, alertava que o patrocínio do Ocidente a Kiev e uma derrota da Rússia poderia transformar uma guerra convencional num conflito nuclear, numa das suas várias declarações catastrofistas e que começaram a ser pouco consideradas.
Adesão da Finlândia e Suécia à NATO
O Kremlin avisou em abril de 2023 que tomaria "contramedidas" após a adesão da Finlândia à NATO, considerando o alargamento da Aliança Atlântica como "um atentado à segurança" da Rússia e retomaria o mesmo discurso no seguimento da posterior integração da Suécia, após décadas de neutralidade de Estocolmo.
A par desta retórica, Moscovo começou a abandonar os tratados internacionais que regulam os arsenais nucleares desde a Guerra Fria, enquanto transferia armas nucleares táticas para a Bielorrússia, que faz fronteira com a Lituânia, Estónia e Polónia, três membros da NATO, além da Ucrânia.
Caças F-16
Solicitados por Kiev desde o início do conflito, os caças norte-americanos F-16 começaram a sobrevoar os céus da Ucrânia no último verão, após a formação em tempo recorde de pilotos e pessoal de terra da Força Aérea ucraniana, no âmbito de uma coligação internacional liderada por Países Baixos e Dinamarca e também integrada por Portugal.
No seguimento da "luz verde" de Washington, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo declarou que o uso dos F-16 aumentaria o risco de um confronto militar direto entre Moscovo e a NATO e estes caças modernos passariam a ser um alvo militar legítimo para a Rússia, "onde quer que voem".
Ataques à Rússia
Ao fim de mais de dois anos de guerra, os Estados Unidos deram em maio um aval excecional para o uso defensivo do seu armamento num raio limitado do solo russo, em consequência da invasão russa de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia.
O acordo de Washington para salvar a segunda maior cidade ucraniana - a que se juntou também a Alemanha e o Reino Unido - levou Putin a dizer que os países ocidentais estavam "a brincar com o fogo", numa ameaça reiterada após sucessivas transferências de armamento de ataque e antiaéreo dos aliados da NATO, mas de utilização exclusiva no seu território.
Mísseis ATACMS
Num mês marcado pela eleição do republicano Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, levantando dúvidas sobre a continuação do apoio militar de Washington a Kiev, o Presidente cessante, Joe Biden, autorizou no domingo o uso de mísseis de longo alcance contra a Rússia.
O Kremlin já tinha considerado anteriormente que este aval era uma das suas principais "linhas vermelhas" e suscetível de uma crise nuclear.
Em reação ao anúncio norte-americano de domingo e à primeira utilização das forças ucranianas de mísseis norte-americanos de longo alcance ATACMS na região russa de Bryansk, o chefe da diplomacia de Moscovo, Serguei Lavrov, ameaçou com uma "resposta apropriada" e a uma "nova fase" da guerra.
O seu Ministério já tinha associado um eventual ataque com armas norte-americanas em território russo a uma "participação direta dos Estados Unidos e dos seus satélites", que significaria uma "mudança radical na essência e na própria natureza do conflito".
Depois do acordo de Washington, o Reino Unido e a França confrontam-se com a mesma decisão, sendo que a Alemanha já declarou que não autoriza o uso dos seus mísseis Taurus, com uma capacidade de penetração superior no dobro dos cerca de 300 quilómetros dos ATACMS.
Mas esta posição poderá mudar se o atual chanceler, Olaf Scholz, perder para a oposição as próximas legislativas, em fevereiro.