Líderes da União procuram autonomia da defesa europeia após reeleição de Trump
Horas depois de declarada a vitória de Donald Trump para a Presidência norte-americana, as forças russas lançaram um novo ataque contra a capital ucraniana e um hospital em Zaporizhia. O futuro da Ucrânia após a reeleição do republicano para a Casa Branca tem sido, aliás, tema de debate entre os líderes europeus, que receiam que o apoio militar dos Estados Unidos a Kiev seja reduzido ou eliminado.
“Ataque maciço em Zaporizhia. O inimigo efetuou cinco ataques” atingindo “edifícios residenciais e um hospital de oncologia”, denunciou o governador Ivan Fedorov nas redes sociais, segundo a agência francesa AFP.
Confirmando os ataques, o presidente ucraniano apelou mais uma vez aos aliados ocidentais da Ucrânia para que forneçam sistemas de defesa antiaérea para combater os bombardeamentos russos.
Rússia avisa Ocidente
Os bombardeamentos aconteceram no mesmo dia em que o secretário do Conselho de Segurança da Rússia, Sergei Shoigu, disse que o Ocidente tinha de aceitar que a Rússia estava a vencer a guerra na Ucrânia e promover as negociações de paz a fim de evitar a “destruição do povo ucraniano”.
"Agora que a situação não é favorável ao regime de Kiev, o Ocidente tem uma escolha: continuar o financiamento [à Ucrânia] e a destruição do povo ucraniano ou admitir as realidades existentes e começar a negociar", disse Shoigu, numa reunião de oficiais de segurança dos países vizinhos da Rússia.
Em Kiev surgem receios sobre o apoio de Washington com a nova Administração de Donald Trump. Também na União Europeia se teme que o presidente reeleito obrigue Kiev a negociar com Moscovo em condições muito desfavoráveis.
O futuro do apoio dos aliados à Ucrânia e a possibilidade de negociações com a Rússia foram tema, aliás, nos últimos dias. Recorde-se que Donald Trump já afirmou várias vezes que conseguia pôr fim à guerra em 24 horas, criticando a dimensão da ajuda dada a Kiev para resistir à invasão russa e deixando elogios a Vladimir Putin.
As autoridades ucranianas têm expressado otimismo quanto ao apoio contínuo de uma Casa Branca governada por Trump. Mas os aliados ocidentais receiam o presidente eleito reduza ou acabe com o apoio militar norte-americano a Kiev.
Volodymyr Zelensky divulgou, nas redes sociais, que contactou Trump na quarta-feira à noite para o felicitar pela “vitória histórica e decisiva”.
“Concordamos em manter um diálogo próximo e fortalecer a nossa cooperação. A liderança forte e inabalável dos EUA é essencial para o mundo e para uma paz justa”, escreveu na rede social X, o presidente norte-americano.
Os líderes europeus têm tentado apelar à união, pedindo a Donald Trump que mantenha o apoio dos EUA à Ucrânia e evite uma guerra comercial quando regressar à Casa Branca. Reunidos em Budapeste para dois dias de negociações, promovidos pelo primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, os 27 chefes de Estado e de governo da UE foram acompanhados na quinta-feira por outros 20 líderes da Comunidade Política Europeia, incluindo o presidente da Ucrânia.
O regresso do ex-presidente à Casa Branca traz receios como a interrupção do apoio dos EUA à Ucrânia, alimenta dúvidas sobre o futuro comprometimento de Washington com a aliança da NATO e pode anunciar tarifas economicamente desastrosas para as exportações europeias.
Nesse sentido, o presidente do Conselho Europeu defendeu uma União Europeia “dona do seu destino” com competitividade económica face aos Estados Unidos. Falando aos jornalistas à chegada a estas reuniões de alto nível na capital húngara, Charles Michel defendeu que a UE deve “aprofundar os laços com os Estados Unidos”, mas, apesar de ter “muito em comum” com Washington, Bruxelas deve ser mais autónoma.
“Queremos ser mais influentes, queremos reforçar a nossa base económica e queremos agir de forma a sermos parceiros respeitosos e respeitados. Este é o princípio básico e estou certo de que […] iremos convergir”, acrescentou. “Queremos desenvolver as nossas capacidades de defesa e queremos envolver-nos mais com o resto do mundo, com os nossos aliados, os Estados Unidos”.
Já sobre a Ucrânia, Charles Michel vincou que, se o ocidente “for fraco com regimes autoritários como a Rússia, quando a ordem internacional torna-se vulnerável para o resto do mundo”.
A presidente da Comissão Europeia considerou, por sua vez, que o bloco europeu deve manter a unidade.
“Mostramos que a Europa pode assumir a responsabilidade ao permanecer unida – mostramos isso durante a pandemia e a crise energética”, disse Ursula von der Leyen, acrescentando que estava ansiosa para trabalhar com Trump novamente “de uma boa maneira (…) para fortalecer o vínculo transatlântico”.
O presidente francês, Emmanuel Macron, pediu que a União Europeia “não delegue” a sua segurança aos Estados Unidos, quando espera que o novo presidente norte-americano se foque “nos interesses” do país.
“Não podemos delegar a nossa segurança nos norte-americanos e é importante enviar a mensagem de que somos fornecedores de soluções de segurança, agora, à volta desta mesa. Quer se lembrem da União Europeia ou não, nós produzimos, temos de assegurar a preferência europeia em torno da produção industrial”, disse Emmanuel Macron.
“Não nos podemos dar ao luxo de desaparecer geopoliticamente, não podemos ser um mercado que segue outras potências económicas, potências económicas comerciais e, por isso, temos de decidir defender os nossos interesses nacionais e europeus, acreditar na nossa autonomia estratégica como soberania, porque não queremos ser tributários, não queremos ser um mercado que é delegado a outros”.
Macron falou com Trump, após a reeleição e admitiu que acredita que o novo presidente “defenderá os interesses americanos e é legítimo”.
Dirigindo-se aos homólogos da Europa, o responsável exortou: “Nós temos de estar preparados para defender os interesses dos europeus. Essa é a nossa questão e essa deve ser a nossa prioridade”.
“Não queremos que outros afetem as nossas escolhas técnicas e geopolíticas”, adiantou o chefe de Estado francês.
Um total de 48 participantes – incluindo responsáveis de quatro instituições e de 44 países – juntaram-se em Budapeste para a quinta cimeira da Comunidade Política Europeia. Entre os líderes das instituições estão as presidentes da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, bem como o líder do Conselho Europeu, Charles Michel e o secretário-geral da NATO, Mark Rutte. A esta lista acresce o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.