O ayatollah Ali Khamenei considerou esta quarta-feira que as palavras do Presidente norte-americano são “tontas e superficiais”. Depois de Trump ter retirado os Estados Unidos do acordo nuclear, o Líder Supremo do Irão diz que “não confia” nos países europeus que estão a tentar segurar o entendimento assinado em 2015. O Presidente iraniano Hassan Rouhani já disse que está disposto a manter-se no acordo caso os restantes signatários do acordo correspondam às expetativas de Teerão.
“O comportamento superficial e absurdo do Presidente norte-americano não é inesperado. O mesmo tipo de comportamento foi seguido por outros antigos Presidentes norte-americanos. Mas ainda assim, a nação iraniana é persistente. Enquanto antigos Presidentes norte-americanos morrem e a República Islâmica do Irão mantem-se firme”, sublinhou o Líder Supermo.
“O corpo deste homem será comida para cobras e formigas e a República Islâmica manter-se-á forte”, escreveu ainda Ali Khamenei.
O Líder do Supremo do Irão considera ainda que a visão negativa de Teerão por parte dos Estados Unidos se deve à perda do “domínio completo” que Washington detinha sobre os recursos e território iraniano, numa referência ao período pré-revolução.
“Disse várias vezes desde o primeiro dia: não confiem na América”, pode ler-se numa nota publicada na sua página oficial, citada pela agência Reuters.
“O problema dos Estados Unidos com o Irão não é sobre energia nuclear. Isso é só uma desculpa. Nós aceitamos o JCPOA, mas as animosidades para com a República Islâmica nunca cessaram”, sublinha o ayatollah.
“Se concordássemos com ele na questão da nossa influência na região e sobre os nossos mísseis, o problema dos Estados Unidos com o Irão não estaria resolvido. Eles criariam um novo problema”, referiu ainda o Líder Supremo, ao apontar dois pontos concretos que foram apresentados por Donald Trump como algumas das principais “falhas” do acordo nuclear.
"Não confio nestes três países”
Nas últimas semanas, a União Europeia tentou convencer Donald Trump a não rasgar o acordo nuclear, tentando negociar com o Presidente norte-americano a manutenção dos Estados Unidos como país signatário.
Na terça-feira, após o anúncio da Casa Branca, a Europa, particularmente a França, o Reino Unido e a Alemanha, criticaram de forma uníssona os Estados Unidos e garantiram fazer todos os esforços para que o acordo se mantenha em vigor mesmo sem a participação de Washington.
O próprio Presidente iraniano, Hassan Rouhani, assegurou que o país pretende manter-se no acordo nuclear caso os “objetivos” de Teerão sejam assegurados pelos restantes membros signatários.
Esta tarde, o Presidente francês Emmanuel Macron falou por telefone com o homólogo iraniano. Segundo um comunicado da Presidência francesa, os dois líderes “acordaram prosseguir o trabalho comum com todos os Estados interessados, com vista à aplicação contínua do acordo nuclear e à preservação da estabilidade regional”.
No entanto, praticamente em simultâneo, o ayatollah Ali Khamenei escrevia no Twitter: “Também não confio nestes três países da União Europeia. Se o Governo quer manter este contrato, então deve pedir garantidas, ou então todos farão exatamente o que os Estados Unidos fizeram. Sem garantias definitivas, o JCPOA não pode continuar”, enfatizou numa mensagem publicada na rede social em várias línguas (persa, inglês, francês e castelhano).
I don't trust these three EU countries either. If the govt. wants to make a contract, they should ask for a guarantee, or else they will all do just as the U.S. did. If there's not definite guarantee, the #JCPOA cannot continue. pic.twitter.com/UEl86lpcwT
— Khamenei.ir (@khamenei_ir) 9 de maio de 2018
O acordo nuclear com o Irão foi assinado em Viena em 2015, ao fim de vários meses de intensas negociações entre o Irão e o grupo P5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas - Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia – e Alemanha). A União Europeia também esteve envolvida nos esforços diplomáticos, com a participação de Federica Mogherini, a representante da UE para a Política Externa.
Nos termos deste entendimento, o Irão aceitou limitar de forma significativa o enriquecimento de urânio, o que impede a produção de armas nucleares.
Em troca, os outros países aceitaram o levantamento de várias sanções económicas e embargos à venda de petróleo e gás natural, duas das principais exportações iranianas.
Por via deste acordo, Teerão autorizou ainda inspeções regulares às suas instalações nucleares pelos peritos da Agência Internacional da Energia Atómica. Nos últimos três anos, os especialistas da agência confirmaram em oito ocasiões que o Irão continua a cumprir com os termos estabelecidos pelo entendimento multilateral.
Donald Trump anunciou esta terça-feira que os Estados Unidos vão abandonar o acordo firmado em julho de 2015 também conhecido como Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA), sobre o programa nuclear iraniano, voltando dessa forma a impor as sanções económicas que desde então haviam sido levantadas.
Uma carta fora do baralho
Eleito no ano passado para um segundo mandato, Hassan Rouhani poderá assumir cada vez mais um papel decorativo na Presidência iraniana. Rouhani foi um dos principais impulsionadores das negociações com os Estados Unidos e com os restantes países, conhecido pelos apoiantes como o “sheik” da diplomacia.
Eleito pela primeira vez em junho de 2013, o Presidente iraniano prometeu negociar com as restantes potências um acordo nuclear que levantasse as sanções económicas que estrangularam a economia de Teerão durante vários anos. Muitas destas sanções foram novamente impostas pelo decreto presidencial assinado na terça-feira por Donald Trump.
Com a deterioração crescente do acordo, danifica-se igualmente a imagem e poder de um Presidente visto como moderado para os padrões iranianos.
Em 2015, ano em que o acordo foi negociado, Hassan Rouhani e o Governo de Teerão foram alvo de críticas ferozes por parte dos responsáveis mais radicais. A ala conservadora da política iraniana teme qualquer tipo de abertura ou aproximação ao Ocidente, potenciais desestabilizadores do regime instituído pela revolução de 1979.
A saída dos Estados Unidos do acordo nuclear pode precipitar uma perda de relevância política ainda mais significativa para Rouhani. No Irão, o Presidente responde perante o Líder Supremo, verdadeira autoridade política e religiosa do país há quase 30 anos, mas também perante o Parlamento (Majlis) e o Conselho dos Guardiães.
Além disso, Khamenei e aliados controlam o poder judiciário, as forças de segurança, televisões e rádios, e grande parte da economia nacional. Com a decisão de Donald Trump e a debilidade do acordo cada vez mais exposta, o Presidente iraniano só conseguirá continuar a ser politicamente relevante na política do país se obtiver os progressos económicos prometidos aos apoiantes nas campanhas de 2013 e 2017.
“Em termos históricos, os presidentes iranianos estão sempre mais fracos nos segundos mandatos. Agora, com o colapso do acordo, Rouhani estará ainda mais fraco. Khamenei prefere um presidente mais fraco e Rouhani vai completar o último mandato como uma carta fora do baralho”, referiu um diplomata iraniano sob anonimato, em declarações à agência Reuters.
Em 2003, Hassan Rouhani ajudou o Governo iraniano a negociar com o grupo E3 (Reino Unido, França e Alemanha), aceitando a suspensão temporária do enriquecimento de urânio durante o período de negociações, em troca de futuros ganhos comerciais e diplomáticos.
Na altura, a desconfiança mútua e a ascensão de um Presidente conservador, Mahmoud Ahmadinejad, em 2005, levaram ao colapso do primeiro acordo entre o Irão e os vários países europeus. Quando Rouhani chegou ao poder em 2013, o reconhecimento dos esforços diplomáticos feitos dez anos antes foram decisivos para preparar o acordo nuclear, assinado em 2015.
Agora, sem a participação dos Estados Unidos no acordo, o Presidente iraniano precisa mais do que nunca da perseverança das potências europeias perante a pressão da administração norte-americana.