Liberdade para Assange. Quais os contornos do acordo com os EUA?

por Joana Raposo Santos - RTP
O fundador do Wikileaks deverá comparecer num tribunal norte-americano nas Ilhas Marianas do Norte já na quarta-feira para assinar o acordo. Foto: Reuters

Após anos de reclusão e detenção, a liberdade chegou esta terça-feira para o fundador do portal Wikileaks, Julian Assange. O australiano de 52 anos pode agora regressar à terra natal, depois de se ter comprometido a assinar um acordo no qual se declarará culpado, mas que não o fará passar mais tempo na prisão. Quais os detalhes desta negociação?

Julian Assange chegou a acordo com as autoridades norte-americanas para se declarar culpado de violação da Lei da Espionagem, admitindo ter conspirado para obter e divulgar ilegalmente informações confidenciais de defesa nacional.

O fundador do Wikileaks deverá comparecer num tribunal norte-americano nas Ilhas Marianas do Norte já na quarta-feira para assinar o acordo.

Inicialmente, os procuradores dos Estados Unidos pretendiam julgar Assange por 18 acusações, na sua maioria ao abrigo da Lei da Espionagem, devido à divulgação de registos militares confidenciais dos EUA relacionados com as guerras no Iraque e no Afeganistão.

Em 2019, numa declaração que enumerava essas 18 acusações, Washington acusou o fundador do WikiLeaks de conspirar para invadir as bases de dados militares dos EUA de modo a obter informações sensíveis.
Assange tem vindo a negar essas acusações, argumentando que as fugas de informação foram um ato de jornalismo.
Na quarta-feira, Assange só vai responder por uma acusação e não por essas 18. Segundo a CBS News, os procuradores do Departamento de Justiça recomendaram uma pena de prisão de 62 meses na sequência da confissão de culpa.

No entanto, Assange não vai cumprir tempo numa prisão americana porque, nos termos do acordo, ser-lhe-ão creditados os cerca de cinco anos que passou preso no Reino Unido. Assim sendo, deverá ficar absolutamente livre logo após a audição.

A assinatura do acordo acontece nas Ilhas Marianas porque Assange se opõe a viajar até ao território continental dos Estados Unidos, assim como pela proximidade das ilhas em relação à Austrália, para onde se deverá dirigir no final.

O acordo terá ainda de ser aprovado por um juiz, o que também se prevê que aconteça.

De acordo com os seus advogados, se Assange tivesse sido condenado pelos 18 crimes originais poderia enfrentar até 175 anos de prisão, embora o Governo dos EUA tivesse referido que uma sentença de quatro a seis anos era mais provável.
Porquê agora?
Em entrevista à BBC, a mulher de Julian Assange confessou que nem ela nem o marido estavam “absolutamente certos” de que o acordo iria acontecer até às últimas 24 horas.

"É um turbilhão de emoções, estou simplesmente eufórica, francamente, é simplesmente incrível. Parece que não é real", afirmou à rádio BBC.

Nos últimos cinco anos, Assange tem estado detido numa prisão de alta segurança no sul de Londres, onde lhe tem sido negada fiança por ser considerado que existia risco de fuga. Ao longo deste tempo, a sua família e apoiantes têm vindo a afirmar que a sua saúde física e mental estava a deteriorar-se.

“A prioridade é que ele volte a ficar saudável. Tem estado numa condição terrível nos últimos cinco anos”, frisou a sua mulher, Stella Assange, esta terça-feira.

Em 2021, um tribunal britânico tinha declarado que Assange podia ser extraditado para os Estados Unidos. No início deste ano, porém, o australiano ganhou o direito de recorrer dessa decisão. Assange nunca quis ser extraditado, por receio das consequências de um julgamento nos EUA.

Em fevereiro, o Parlamento australiano aprovou uma moção que instava os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido a permitirem o regresso de Assange ao seu país natal. Em abril, o presidente Joe Biden disse estar a considerar um pedido da Austrália para retirar a acusação contra Assange.

A família de Assange afirmou esta terça-feira que o fim do seu "calvário" se deveu a uma "diplomacia tranquila". O seu pai agradeceu ao primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese.

O que estava em causa?
Foi em 2006 que Julian Assange fundou o portal WikiLeaks, onde divulgava informação sensível. Em 2010 tornou-se popular a nível global depois de divulgar uma série de fugas de informação vindas de Chelsea Manning, antiga militar dos EUA.

Entre os ficheiros estava um vídeo de 2007 no qual se via um ataque de helicóptero das forças norte-americanas em Bagdade que matou 11 pessoas, incluindo dois jornalistas da agência Reuters.

Também em 2010, o WikiLeaks divulgou mais de 250 mil telegramas diplomáticos americanos.

Mais tarde, em 2016, surgiu outras das fugas de informação mais conhecidas: e-mails comprometedores do Partido Democrático foram divulgados no período que antecedeu as eleições presidenciais, que culminaram na derrota da democrata Hillary Clinton e na vitória do republicano Donald Trump.

Os procuradores norte-americanos afirmaram então que os e-mails foram roubados pelos serviços secretos russos e faziam parte de uma operação para interferir nas eleições em nome de Trump.
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