Líbano pode ser arrastado para guerra pelo Hezbollah se Irão decidir, dizem analistas
O Líbano está sob ameaça de ser arrastado para uma guerra com Israel, pelas milícias do Hezbollah manipuladas pelo Irão, que poderá decidir ser do seu interesse atacar as forças israelitas, segundo analistas libaneses ouvidos pela Lusa.
Hanin Ghajar, membro sénior no Programa Tony Ruban sobre Políticas Árabes do The Washington Institute, disse à Lusa que a resposta sobre uma possível ofensiva contra Israel, numa altura em que os as forças israelitas se preparam para entrar em Gaza em resposta ao ataque do Hamas no passado sábado, está no Irão.
"Esta decisão não é feita em Beirute. É feita dentro do Hezbollah", explicou. "O que temos que considerar, quando envolvemos o Irão, é se o envolvimento do Hezbollah [na guerra] iria ajudar o Irão a ganhar ou perder mais com isto".
Hanin Ghajar considera que o Irão tem mais a perder do que a ganhar com uma possível entrada de Hezbollah no conflito a sul.
"O Hezbollah é a carta mais forte que o Irão tem na região. Se o Hezbollah entrar em guerra, só vai perder [porque] Israel vai responder de forma muito forte e o Hezbollah não vai ter espaço ou orçamento para reconstruir e recarregar [armamento], e o Irão irá perder a sua carta mais forte", diz Ghajar à Lusa.
"Portanto eles não querem fazer isso. A prioridade do Irão é o que o Irão pode ganhar em dinâmicas regionais internacionais e não precisam de mais, e eles já estão a ter ganhos [com a situação em Gaza] portanto não precisam de fazer mais nada", Ghajar explica.
A analista diz que até agora o Irão tem conseguido cumprir os seus objetivos sem envolvimento direto no conflito, como é o caso da suspensão dos acordos económicos e normalização de relações entre a Arábia Saudita e Israel, que tinha vindo a desenvolver-se nos últimos tempos.
Com a suspensão do acordo, diz Ghajar, o Irão voltou a "ganhar a sua vantagem nas dinâmicas do Médio Oriente, renovou as ameaças a Israel e fortaleceu a narrativa da resistência e apoio a Gaza e ao Hamas pelo mundo árabe".
No entanto o envolvimento do Hezbollah ainda não está fora da mesa. O Ministro dos Negócios Estrangeiros Iraniano, Hossein Amir Abdollahin, reuniu-se hoje em Beirute com o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah para discutir "posições e possíveis consequências".
As ofensivas de dissuasão iniciadas pelo Hezbollah no domingo foram parte da resposta da operação "Al-Aqsa" levada a cabo pelo Hamas, disse em comunicado o grupo xiita libanês.
Hanin Ghajar reconhece que a situação pode mudar e que o Irão poderá usar o Hezbollah "se perceber que esta guerra é uma oportunidade para ganhar ainda mais".
Desde o início do conflito entre o grupo palestiniano Hamas e Israel, têm-se registado confrontos na fronteira norte de Israel com o Líbano, de onde Hezbollah e grupos militantes palestinianos têm lançado foguetes e mísseis. Israel tem respondido com ataques aéreos que já mataram três membros do grupo xiita.
No entanto, as operações no sul do Líbano são até agora consideradas apenas parte das manobras de dissuasão que têm acontecido ao longo dos anos e que "não escalaram para um conflito". A situação na área "continua estável mas volátil", de acordo com comunicado da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (FINUL).
Firas Maksad, membro sénior do Middle East Institute, diz que o Hezbollah está a "brincar com o fogo... a molestar Israel para tentar impedi-lo de destruir o Hamas em Gaza".
Este analista libanês defende que o Hezbollah e o Irão não terão opção senão atacar Israel caso as forças israelitas invadam Gaza.
Nessa eventualidade, o Hezbollah terá um preço a pagar dentro do Líbano, onde, à medida que os dias passam, aumenta o medo de uma nova guerra, principalmente no sul do Líbano, onde a população maioritariamente xiita é o coração dos eleitores do partido.
Desde o início das hostilidades na fronteira, as autoridades já registaram mais de 900 residentes retirados das zonas fronteiriças e alojados em abrigos temporários. Estima-se que muitos mais deixaram as suas casas e até o país.
Muitos libaneses consideram que o Hezbollah é a única proteção que o Líbano tem contra Israel. Outros acham que o Hezbollah é um barril de pólvora que pode explodir a qualquer altura num conflito onde o sangue derramado será libanês.
"O Líbano nunca quis ou procurou uma guerra", disse hoje o ministro dos negócios estrangeiros libanês, Abdallah Bou Habib, após um encontro com o seu homólogo Iraniano, Hossein Amir Abdollahian.
"Avisamos que a escalada contínua de violência vai incendiar a região e ameaçar a segurança e paz local", disse Bou Habib.
O primeiro-ministro libanês Najib Mikati disse, num discurso ao país na quinta-feira, que o Líbano está "no olho da tempestade".
No entanto o poder do governo Libanês sobre o Hezbollah é mínimo, diz Ghajar: "Nós não temos um governo, não temos um Estado. Os responsáveis libaneses estão no país das fantasias, é um coma", diz.
O primeiro-ministro Najib Mikati e o seu governo foram eleitos com o apoio do Hezbollah. Nabih Berri, o porta-voz do parlamento, uma posição poderosa no sistema libanês, é do partido xiita Amal, aliado do Hezbollah. O partido apoiado pelo Irão, com os seus aliados, tem praticamente a maioria do parlamento, é conhecido por enfrentar os seus opositores com assassinatos e ameaças.
Estima-se ainda que o poderio militar do Hezbollah ultrapasse o exército libanês em grande escala. O grupo xiita diz que dispõe de mais de 100,000 soldados prontos para o combate. Em Maio deste ano, o partido convidou centenas de jornalistas libaneses e estrangeiros para uma demonstração das suas forças. Dezenas de homens de cara tapada e farda militar mostraram mísseis de longo-alcance, drones, tanques, metralhadores, AK-47s enquanto outros militares disparavam a alvos ou exemplificavam manobras de infiltração e vigilância.
"O Hezbollah é chamado o "Estado dentro de um Estado", mas hoje eu acho que o Líbano é que se tornou um pequeno Estado dentro do Estado do Hezbollah. O Líbano, hoje, rendeu as decisões, especialmente as decisões de guerra ou paz, ao Irão", diz Ghajar, ela própria libanesa xiita do sul do Líbano.
Num país onde o equilíbrio entre os vários setores religiosos se mantém numa paz frágil desde o fim da sangrenta guerra civil (1975-1990), a questão Hezbollah não representa só um risco de conflito externo, mas também de instabilidade interna.