Kiev fecha torneira do gás russo, Eslováquia ameaça cortar apoio a ucranianos

por Cristina Sambado - RTP
Natalia Kolesnikova - AFP

O primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, ameaçou cortar o apoio financeiro a mais de 130 mil refugiados ucranianos, numa altura em que se agrava o diferendo com a Ucrânia sobre o fornecimento de gás russo. O corte no abastecimento obrigou já ao encerramento de todas as empresas industriais, com exceção das alimentares, na região separatista da Transnístria, na Moldova.

Numa mensagem de vídeo publicada na rede social Facebook, Fico afirmou que o seu partido, o Smer, irá considerar a possibilidade de cortar o fornecimento de eletricidade à Ucrânia, reduzir a ajuda aos refugiados ucranianos e exigir a renovação do trânsito de gás ou uma compensação pelas perdas que, segundo o próprio, a Eslováquia sofreu devido ao fim do fluxo de gás russo.



A Eslováquia era o principal ponto de entrada e o país está agora a perder milhões de euros em taxas de trânsito.A agência da ONU para os refugiados (ACNUR) calculou, no mês passado, que havia 130.530 refugiados ucranianos na Eslováquia, num total de 6.813.900 refugiados em todo o mundo.

Fico, que em dezembro fez uma visita surpresa a Moscovo para conversações com o presidente russo Vladimir Putin, descreveu a iniciativa de Kiev como “sabotagem”.

O primeiro-ministro do país-membro da União Europeia afirmou que iria propor a suspensão das exportações de eletricidade para a Ucrânia e também “reduzir drasticamente” o apoio financeiro aos ucranianos que encontraram abrigo na Eslováquia.

Além disso, Robert Fico revelou que uma delegação eslovaca iria discutir a situação em Bruxelas na próxima terça-feira e que depois a sua coligação governamental iria discutir a retaliação. A 1 de janeiro, Kiev fechou um gasoduto que durante décadas serviu para abastecer a Europa Central com gás natural russo.Robert Fico afirmou ainda que não existe o risco de a Eslováquia vir a sofrer uma escassez de gás, uma vez que já tomou medidas alternativas.

Segundo Fico, a decisão do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de fechar as torneiras iria privar a Eslováquia de 500 milhões de euros em taxas de trânsito de outros países.

O partido de Fico (Smer-SSD) está disposto a debater a “suspensão do fornecimento de eletricidade” e a “redução significativa do apoio aos cidadãos ucranianos na Eslováquia”.

“A única alternativa para uma Eslováquia soberana é a renovação do trânsito ou a exigência de mecanismos de compensação que substituam a perda nas finanças públicas”, acrescentou.

No mês passado, o presidente ucraniano acusou o primeiro-ministro eslovaco de ajudar Putin a “financiar a guerra e a enfraquecer a Ucrânia”.

“Fico está a arrastar a Eslováquia para as tentativas da Rússia de causar mais sofrimento aos ucranianos”, afirmou Volodymyr Zelensky.

A Polónia ofereceu-se para apoiar Kiev no caso de a Eslováquia cortar as suas exportações de eletricidade - fornecimentos que são cruciais para a Ucrânia, cujas centrais elétricas são regularmente atacadas pela Rússia.

O Governo polaco classificou o corte do fornecimento de gás russo pela Ucrânia como “mais uma vitória” contra Moscovo, enquanto a Comissão Europeia afirmou que a União Europeia se tinha preparado para a mudança e que a maioria dos Estados estava em condições de lidar com a situação.
Corte paralisa indústria na Transnístria
A Moldova, que não faz parte da União Europeia, já está a sofrer de escassez de gás russo. A Transnístria, região pró-Moscovo, é fortemente afetada pelo fim do acordo de trânsito com a Ucrânia, o que obrigou ao encerramento de todas as empresas industriais, com exceção dos produtores alimentares.O território de língua russa, com cerca de 450 mil habitantes, que se separou da Moldova na década de 1990, com o colapso da União Soviética, sofreu um golpe doloroso e imediato com o corte, na quarta-feira, do fornecimento de gás russo à Europa Central e Oriental através da Ucrânia.

Todas as empresas industriais estão paradas, com exceção das que se dedicam à produção de alimentos - ou seja, que garantem diretamente a segurança alimentar da Transnístria”, avançou Sergei Obolonik, primeiro vice-primeiro-ministro da região, a um canal de notícias local.

Para Sergei Obolonik, “é demasiado cedo para avaliar a evolução da situação. O problema é tão extenso que, se não for resolvido durante muito tempo, já teremos mudanças irreversíveis - ou seja, as empresas perderão a sua capacidade de arrancar”.

A Rússia ainda pode enviar gás para a Hungria, Turquia e Sérvia através do gasoduto TurkStream, que atravessa o Mar Negro.

A Ucrânia tinha permitido que a Rússia continuasse a bombear gás através do seu território, apesar de quase três anos de guerra, e estava a ganhar até mil milhões de dólares por ano em taxas de trânsito. Mas Kiev recusou-se a renovar um acordo de cinco anos que expirou na quarta-feira.

Os compradores europeus de gás, como a Eslováquia e a Áustria, tinham-se preparado para o corte, assegurando fornecimentos alternativos. Mas a Transnístria, apesar dos seus laços com Moscovo e da presença de 1.500 soldados russos no local, ficou paralisada.A empresa local de energia cortou o aquecimento e a água quente das casas na quarta-feira e instou as famílias a manterem-se quentes, reunindo-se numa única divisão, cobrindo as janelas com cortinas ou cobertores e utilizando aquecedores elétricos.

O líder pró-russo da Transnístria, Vadim Krasnoselsky, disse que a região tinha reservas de gás que podiam durar dez dias de utilização limitada nas zonas do norte e o dobro do tempo no sul.

A principal central elétrica passou de gás para carvão e deverá estar em condições de fornecer eletricidade aos residentes em janeiro e fevereiro.

A Rússia tem estado a bombear cerca de dois mil milhões de metros cúbicos de gás por ano para a Transnístria - incluindo a central elétrica que também fornece energia a toda a Moldávia, um país de 2,5 milhões de habitantes que quer aderir à União Europeia.

A Moldova tem um longo historial de disputas sobre o pagamento do gás e de relações tensas com a Rússia.
A ex-república soviética está a tentar reduzir o consumo de energia em pelo menos um terço e importa mais de 60 por cento das suas necessidades da vizinha Roménia.

O diretor da companhia nacional Moldovagaz, Vadim Ceban, revelou que a sua empresa tinha dito à de distribuição de gás do enclave separatista, Tiraspoltransgaz, que estava disposta a ajudar a comprar gás aos países europeus para atenuar a escassez.

No entanto, qualquer fornecimento de gás à região teria de ser pago a preços de mercado, afirmou ao canal televisivo TV8.Há vários anos que a Transnístria não paga pelos fornecimentos do gigante russo do gás Gazprom, ao abrigo de um acordo tácito com Moscovo.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, descreveu o fim do trânsito de gás russo como “uma das maiores derrotas de Moscovo” e instou os EUA a fornecerem mais gás à Europa.

Desde a invasão total da Ucrânia por Moscovo, a Europa reduziu a sua dependência da energia russa e aumentou as importações de outras fontes, incluindo o gás canalizado da Noruega e o gás natural liquefeito dos EUA e do Catar.

A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, afirmou que a perda de gás estava a prejudicar economicamente a Europa e que os EUA eram os beneficiários.

“A responsabilidade pela cessação do fornecimento de gás russo cabe inteiramente aos Estados Unidos, ao regime fantoche de Kiev, bem como às autoridades dos Estados europeus que sacrificaram o bem-estar dos seus cidadãos para apoiar financeiramente a economia americana”, afirmou.

c/ agências
PUB