Ainda que fortemente descredibilizados, os referendos realizados nas quatro regiões devem antecipar a integração destes territórios na Federação Russa. A comunidade internacional não reconhece a legitimidade destes plebiscitos, já que foram agendados com poucos dias de antecedência, na sequência da recuperação de várias localidades por parte do exército ucraniano desde o início de setembro.
Para além disso, há também acusações de vigilância apertada e coerção por parte de soldados russos, fortemente armados nos locais onde foi possível recolher votos. Os críticos lembram ainda o grande êxodo de população nestas regiões que têm sido o palco central dos combates e da invasão russa ao longo dos últimos meses.
Nos resultados que são apresentados pelas administrações locais pró-russas, 98,2 por cento da população da autoproclamada república de Lugansk votou a favor da integração daquele território na Rússia. Em Donetsk, foram 99,23 por cento os que apoiam a anexação e em Zaporizhia 93,1 por cento manifestaram apoio aos pró-russos. Em Kherson, de acordo com as administrações pró-russas, a votação foi de 87,05 por cento a favor da anexação.
Em comunicado divulgado esta manhã, o Ministério ucraniano dos Negócios Estrangeiros denuncia os referendos como “mais um crime” cometido pelos russos que terá credibilidade e reconhecimento nulos.
“Forçar a população nestes territórios a preencher alguns papéis junto ao cano de uma arma é mais um crime russo no contexto da agressão contra a Ucrânia”, refere o MNE ucraniano, considerando que os referendos “violam gravemente a Constituição e as leis da Ucrânia, bem como as normas do Direito Internacional”.
O voto “não tem nada que ver com a expressão da vontade” do povo e não terá implicações “para o sistema administrativo-territorial“ da Ucrânia ou nas “fronteiras internacionalmente reconhecidas”. Os referendos são considerados “nulos e sem valor”.
“As regiões de Lugansk, Donetsk, Zaporizhia e Kherson, assim como a Crimeia ucraniana, continuam a ser territórios soberanos da Ucrânia. A Ucrânia tem todo o direito a restaurar a sua integridade territorial por meios militares e diplomáticos, e continuará a libertar os territórios temporariamente ocupados”, refere ainda o Ministério ucraniano dos Negócios Estrangeiros.
Kiev conclui o comunicado afirmando que não irá ceder a “nenhum ultimato” russo e pede “à União Europeia, NATO e ao G7 que aumentem imediata e significativamente a pressão sobre a Rússia”, com mais sanções e um aumento significativo da ajuda militar à Ucrânia.
Resultados “manipulados”
Por sua vez, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, denunciou esta quarta-feira os referendos “ilegais” de anexação com resultados “manipulados”.
“Esta é mais uma violação da soberania e integridade territorial da Ucrânia, no contexto de violações sistemáticas dos Direitos Humanos. Saudamos a coragem dos ucranianos que continuam a opor-se e a resistir à invasão russa”, acrescentou.
Também o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, disse que os resultados destes referendos são “fictícios” e que a União Europeia não os reconhece. Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, denunciou os “simulacros de referendos” que representam “uma nova escalada da guerra de Putin”.
No mesmo sentido, os Estados Unidos falam em “referendos falsos”. A embaixadora norte-americana junto das Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, confirmou na terça-feira que vai apresentar uma resolução no Conselho de Segurança em que irá apelar aos seus membros – Rússia incluída - para que não reconheçam a integração destes territórios na Federação Russa.
Esta resolução preparada pelos Estados Unidos – condenada à partida pela oposição de Moscovo, que é membro permanente e tem direito de veto – insta a Rússia a retirar as suas tropas da Ucrânia.
Os próximos passos
Na sequência dos referendos em que Moscovo irá obter os resultados pretendidos, seguir-se-á a anexação das regiões, incluindo território que já não está, de momento, sob controlo das tropas russas.
Ainda assim, a anexação dos territórios ucranianos poderá levar o Kremlin a interpretar qualquer ataque nestes territórios como um ataque à própria Rússia, o que aumenta o risco de uma escalada no conflito, já que Kiev garante que não irá abdicar daquelas regiões.
Há exatamente uma semana, o presidente russo Vladimir Putin anunciava a
mobilização militar parcial de cidadãos russos na reserva para reforçar os contingentes destacados na Ucrânia e garantiu que Moscovo iria responder às ameaças territoriais com todos os meios à sua disposição.
"Se a integridade territorial do nosso país for ameaçada, vamos usar todos os meios disponíveis para proteger o nosso povo - isto não é um bluff", vincou.
A anexação territorial após os ditos referendos deverá assim avançar já nos próximos dias. Desta forma, o Kremlin pretende travar as perdas dos últimos meses, ao estorvar os avanços ucranianos com ameaças até que a “mobilização parcial” traga frutos.
Inicialmente, previa-se que Vladimir Putin se dirigisse ao Conselho da Federação – a câmara alta da Assembleia Federal russa - na próxima sexta-feira, dia 30 de setembro, para anunciar a decisão de anexar formalmente os territórios. Segundo a lei russa, a anexação formal tem de ser apresentada ao Conselho da Federação e de seguida ao Presidente russo.
Mas de acordo com o jornal The Guardian, o Conselho da Federação não irá afinal realizar nenhuma sessão extraordinária na próxima sexta-feira, pelo que a próxima sessão deverá ocorrer a 4 de outubro.