Juíza polaca do Supremo Tribunal desafia lei polémica do Governo

por Andreia Martins - RTP
Malgorzata Gersdorf, juíza de 65 anos, é presidente do Supremo Tribunal polaco desde 2014 Reuters

A juíza Malgorzata Gersdorf apresentou-se esta quarta-feira ao trabalho, em gesto de reprovação da nova reforma judicial na Polónia, levada a cabo pelo Governo conservador do partido Justiça e Liberdade (PiS), A nova lei, em vigor há 24 horas, força a aposentação antecipada de vários juízes com mais de 65 anos, obrigando à substituição de mais de um terço dos magistrados do Supremo Tribunal. Entretanto, a Comissão Europeia já abriu um procedimento de infração contra o país. Nos últimos dias, várias cidades polacas viram irromper fortes protestos contra o Executivo.

Contra uma “purga” e para proteger “o Estado de Direito”. Foi assim que Malgorzata Gersdorf, juíza de 65 anos que ocupa a presidência do Supremo Tribunal polaco desde 2014, descreveu a ato de desobediência perante as ordens decretadas pelo Governo de Varsóvia.  

A medida judicial prevê a antecipação da reforma dos magistrados do Supremo Tribunal, que antes era aos 70 anos, e agora acontece aos 65 anos. Com esta alteração, 27 juízes de um total de 73 que trabalham no Supremo Tribunal deverão ser afetados.  

Enquanto o Governo defende que a medida tem por objetivo combater a corrupção e retirar os juízes que ocupam os cargos desde a era comunista, os críticos veem nesta lei uma ameaça ao sistema judicial e à própria separação de poderes, uma vez que os novos juízes deverão ser nomeados pelo Conselho Nacional de Magistratura, sob controlo do partido Justiça e Liberdade (PiS) e do Parlamento, onde este detém maioria nas duas câmaras.  

De forma a assegurar esse mesmo controlo, o Governo prevê também que o número de juízes no Supremo Tribunal aumente para 120, aumentando o número de magistrados “apontados” indiretamente pelo executivo.  

“A minha presença aqui não é política. Estou aqui para proteger o Estado de Direito”, disse esta quarta-feira a juíza Malgozata Gersdoerf, ao chegar ao Supremo Tribunal polaco, acompanhada por apoiantes.
Na Polónia, o Supremo Tribunal é a mais alta instância de recurso para os casos criminais e civis. É também o órgão responsável por validar resultados eleitorais. 

Na terça-feira à noite, mais de cinco mil pessoas protestaram junto ao edifício onde funciona este órgão, com as palavras de ordem sonantes como "tribunais livres" ou "abaixo a ditadura".

As manifestações repercutiram-se noutras cidades, incluindo Cracóvia, Lodz, Katowice e Wroclaw.

Gersdoerf foi a primeira mulher escolhida para o cargo de presidente do Supremo Tribunal na história polaca e agora recusa-se a sair. “A Constituição confere-me um mandato de seis anos”, referiu a juíza.  

Segundo a lei polaca, os magistrados podem pedir ao Presidente para que prolongue os seus mandatos, mas estes podem ser aceites ou negados sem qualquer justificação. Pelo menos 16 juízes já fizeram esse pedido a Andrzej Duda, que não terá de se justificar publicamente pela sua decisão. Onze magistrados, entre os quais a juíza Gersdoerf, recusaram-se a apresentar esse pedido.

De acordo com Pawel Mucha, conselheiro do Presidente polaco, Malgorzata Gersdorf vai deixar de exercer funções no Supremo Tribunal “de acordo com a lei” e que o órgão passa agora a ser liderado por Józef Iwulski, um juiz de 66 anos apontado pelo chefe de Estado.

Por sua vez, a magistrada destituída refere apenas que vai estar de férias “em breve” e que foi ela quem nomeou um substituto temporário, o mesmo juiz Józef Iwulski. 

Entre os principais opositores a estas alterações está o antigo presidente polaco e Nobel da Paz, Lech Wałęsa. O ex-dirigente do Solidariedade considera que o atual Governo é ainda mais "pérfido" que o regime comunista, vigente até 1989, que o próprio ajudou a derrubar. 
Bruxelas tenta travar lei
Na segunda-feira a Comissão Europeia lançou uma ação legal contra o Governo polaco, acusando-o de minar a independência da justiça do país. Este procedimento por infração sugere que o país não está a cumprir ou aplicar a legislação europeia. 
Duarte Valente, Pedro Escoto - RTP

Varsóvia terá agora um mês para responder à notificação de Bruxelas antes de um possível recurso ao Tribunal Europeu de Justiça. Em Varsóvia, este processo é visto como uma intromissão de Bruxelas nos assuntos internos do país.

Jacek Czaputowicz, ministro polaco dos Negócios Estrangeiros, refere mesmo que esta ação por parte da Bruxelas é “inapropriada” e que o tribunal em causa serve para resolver disputas entre Estados-membros e questões diretamente em que está em causa a legislação europeia.  

“Uma reforma judicial está no âmbito das competências individuais dos Estados-membros”, refere o responsável.  
Em dezembro, a Comissão Europeia ativou pela primeira vez o Artigo 7 dos tratados europeus. Este artigo prevê a retirada do direito de voto ao país visado durante as reuniões europeias. Uma medida que não teve até agora consequências concretas.  
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