Juiz do fracassado caso de pedofilia de Outreau explica-se perante país
O juiz de instrução francês que esteve na origem do fiasco do caso de pedofilia de Outreau, Fabrice Burgaud, tentou hoje explicar-se sobre a catástrofe judicial que abalou França, numa audição excepcionalmente transmitida pela televisão.
Apontado pelos absolvidos como o principal responsável pelo seu pesadelo, Burgaud foi ouvido por uma comissão de inquérito parlamentar encarregada de fazer luz sobre as falhas que levaram à detenção, em alguns casos durante três anos, de inocentes cujas vidas ficaram destruídas.
"Hoje, talvez mais que qualquer outro, posso sentir o seu sofrimento, aperceber-me do que eles viveram: o encarceramento, a separação dos seus entes queridos, dos seus filhos, também a sua honestidade, que foi posta em causa", afirmou, com uma voz hesitante, o magistrado de 34 anos, ladeado dos seus advogados.
"Sei que isso chocou e pode ainda chocar, mas disse-o e volto a dizê-lo, considero que efectuei honestamente o meu trabalho, sem ideias preconcebidas de qualquer espécie", prosseguiu perante alguns dos absolvidos presentes na audição.
Burgaud reconheceu ter "talvez" cometido "erros de apreciação".
"Não pretendo fugir à minha responsabilidade. Sinto-me totalmente responsável pela instrução", disse.
Mas insistiu igualmente na gravidade dos factos sobre os quais incidia o inquérito, crianças violadas que tinham sido "submetidas a sevícias horrorosas".
"Era realmente terrível", explicou, a propósito dos testemunhos das crianças vítimas que originaram o processo.
O juiz sublinhou ainda que nenhum membro da sua hierarquia lhe disse que ele "ia pelo caminho errado na altura da instrução".
O caso de Outreau saldou-se pela absolvição de 13 dos 17 acusados iniciais após dois julgamentos no tribunal criminal. Um outro acusado, que se declarava inocente, morreu na prisão, em Junho de 2002, de uma overdose de medicamentos.
Após o veredicto, emitido em recurso a 01 de Dezembro do ano passado, o Presidente francês, Jacques Chirac, apresentou, em nome da França, um pedido de desculpas aos absolvidos.
Um deles, Alain Marécaux, um antigo oficial de diligências, tentou suicidar-se no final de Janeiro.
O juiz Burgaud, que tem, desde sábado, protecção policial depois de ter recebido ameaças, foi acusado por todos os absolvidos de estar decidido a fazer deles culpados, apesar dos elementos que os inocentavam. Mas as suas opções foram, em seguida, validadas pelos seus superiores.
Os absolvidos neste caso foram autorizados a assistir à audição do juiz, sem poder intervir, tendo, no entanto, alguns deles, decidido não estar presentes.
Perto de dois terços (65 por cento) dos franceses afirmam que actualmente "teriam medo da justiça" se tivessem de enfrentá-la, segundo uma sondagem recente.
O caso de Outreau surgiu no norte da França em Dezembro de 2000, após o "caso Dutroux", na vizinha Bélgica.