Um tribunal de Hong Kong condenou esta quinta-feira dois jornalistas do site de notícias Stand News por "sedição". Trata-se a primeira condenação deste tipo no âmbito da repressão do movimento pró-democracia de 2019.
Os antigos chefes de redação do jornal Stand News tinham sido detidos em 2021 e foram considerados culpados de conspiração. O juiz Kwok Wai-kin considerou dois antigos redatores do Stand News, Chung Pui-kuen e Patrick Lam, culpados de “conspiração para publicar e reproduzir conteúdos sediciosos”. Os dois jornalistas foram libertados sob fiança enquanto aguardam o veredito final de 26 de setembro. A lei de 1938 prevê uma pena máxima de dois anos de prisão.
“A linha adotada (pelo Stand News) consistia em apoiar e promover a autonomia local de Hong Kong”, escreveu Kwok no seu veredito.
“Tornou-se mesmo um instrumento para difamar e denegrir as autoridades centrais e o governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong”, acrescentou.
O Stand News, um popular portal de notícias fundado em 2014 que cobriu o movimento pró-democracia de 2019 em grande detalhe e muitas vezes de forma favorável, encerrou em 2021 após uma busca policial às suas instalações, a detenção dos seus executivos e o congelamento dos seus bens. A operação envolveu mais de 200 agentes de autoridade e teve por base um mandado de apreensão de material jornalístico relevante.
Dias depois do encerramento do Stand News, o canal de notícias independente Citizen News também anunciou que iria cessar as suas atividades, invocando a deterioração do ambiente mediático e os riscos potenciais para o seu pessoal.O crime de “sedição”, que remonta à era colonial e que tinha caído em desuso, está a ser cada vez mais utilizado pelo sistema judicial de Hong Kong para reprimir a dissidência.
Durante o julgamento, que durou quase 60 dias, a acusação citou como provas 17 artigos e três vídeos publicados no Stand News, incluindo entrevistas com ativistas pró-democracia.
Entre os 17 artigos, alguns sobre os ex-legisladores pró-democracia Nathan Law e Ted Hui, que fazem parte de um grupo de ativistas sediado no estrangeiro que são alvo de recompensas por parte da polícia de Hong Kong; entrevistas com três participantes numa eleição primária organizada pelo campo pró-democracia em 2020; e comentários de Law e dos jornalistas veteranos Allan Au e Chan Pui-man. Chan é também a mulher de Chung.
A decisão surge numa altura em que a antiga colónia britânica caiu do 18.º para o 135.º lugar no índice de liberdade de imprensa publicado pelos Repórteres Sem Fronteiras (RSF) no espaço de 20 anos.
Em 2002, ano em que a classificação foi publicada pela primeira vez, o território era considerado um paraíso para a liberdade de expressão na Ásia.
A autocensura também se tornou mais proeminente durante a repressão política à dissidência. Em março, o governo da cidade promulgou outra nova lei de segurança que muitos jornalistas temem que possa restringir ainda mais a liberdade de imprensa.
O governo de Hong Kong insiste que a cidade ainda goza de liberdade de imprensa, conforme garantido pela sua miniconstituição.
Ataque generalizado à imprensa
Este caso é “sem dúvida um marco na repressão da liberdade de imprensa”, disse um ex-jornalista, falando sob condição de anonimato.
Já Beh Lih Yi, do Comité para a Proteção dos Jornalistas, a utilização desta “legislação arcaica (...) faz com que o sistema judicial pareça ridículo”.
“A decisão de hoje é a prova de que Hong Kong se está a afundar cada vez mais no autoritarismo e que não seguir a linha oficial pode levar qualquer pessoa à prisão”, afirmou.
A audiência contou com a presença de representantes de vários consulados, incluindo os dos Estados Unidos, Reino Unido, França e Austrália.
“Esta decisão corre o risco de prejudicar o intercâmbio pluralista de ideias e o livre fluxo de informações, dois pilares do sucesso económico de Hong Kong”, declarou a União Europeia.
Em comunicado, a porta-voz do Serviço de Ação Externa da União Europeia, Nabila Massarali, considera que “esta condenação é mais um sinal do enfraquecimento da liberdade de imprensa, um direito fundamental que está inscrito na Lei Fundamental de Hong Kong”
Hong Kong: the District Court found Chung Pui-kuen and Lam Shiu-tung of #StandNews guilty of conspiring to publish and reproduce ‘seditious’ material.
— Nabila Massrali (@NabilaEUspox) August 29, 2024
This latest conviction is yet another sign of the dwindling space for press freedom.
Full statement👇 https://t.co/mMglpGDeHV
“A UE apela às autoridades de Hong Kong que reponham a liberdade de imprensa no território e que parem de perseguir jornalistas. A preservação dos media livres, independentes e pluralistas é vital para sociedades resilientes e saudáveis”, completou.
Também o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Matthew Miller, criticou a “condenação dos editores do Stand News por sedição é um ataque direto à liberdade dos meios de comunicação social e mina a reputação internacional de abertura de que Hong Kong já gozou”.
“Apelamos a Pequim e às autoridades de Hong Kong para que restabeleçam e defendam os direitos garantidos pela Lei Básica”, acrescentou Matthew Miller no X.The conviction of Stand News editors for sedition is a direct attack on media freedom and undermines Hong Kong’s once-proud international reputation for openness. We urge Beijing and Hong Kong authorities to restore and uphold rights guaranteed in the Basic Law.
— Matthew Miller (@StateDeptSpox) August 29, 2024