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Jornalistas de Hong Kong condenados por "sedição"

por Cristina Sambado - RTP

Um tribunal de Hong Kong condenou esta quinta-feira dois jornalistas do site de notícias Stand News por "sedição". Trata-se a primeira condenação deste tipo no âmbito da repressão do movimento pró-democracia de 2019.

“Considero os arguidos culpados”, declarou o juiz do tribunal distrital de Wan Chai, Kwok Wai-kin. Esta é a primeira condenação por “sedição” desde que a antiga colónia britânica foi devolvida à China em 1997.

Os antigos chefes de redação do jornal Stand News tinham sido detidos em 2021 e foram considerados culpados de conspiração. O juiz Kwok Wai-kin considerou dois antigos redatores do Stand News, Chung Pui-kuen e Patrick Lam, culpados de “conspiração para publicar e reproduzir conteúdos sediciosos”. Os dois jornalistas foram libertados sob fiança enquanto aguardam o veredito final de 26 de setembro. A lei de 1938 prevê uma pena máxima de dois anos de prisão.

“A linha adotada (pelo Stand News) consistia em apoiar e promover a autonomia local de Hong Kong”, escreveu Kwok no seu veredito.

“Tornou-se mesmo um instrumento para difamar e denegrir as autoridades centrais e o governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong”, acrescentou.

O Stand News, um popular portal de notícias fundado em 2014 que cobriu o movimento pró-democracia de 2019 em grande detalhe e muitas vezes de forma favorável, encerrou em 2021 após uma busca policial às suas instalações, a detenção dos seus executivos e o congelamento dos seus bens. A operação envolveu mais de 200 agentes de autoridade e teve por base um mandado de apreensão de material jornalístico relevante.

Dias depois do encerramento do Stand News, o canal de notícias independente Citizen News também anunciou que iria cessar as suas atividades, invocando a deterioração do ambiente mediático e os riscos potenciais para o seu pessoal.O crime de “sedição”, que remonta à era colonial e que tinha caído em desuso, está a ser cada vez mais utilizado pelo sistema judicial de Hong Kong para reprimir a dissidência.

Durante o julgamento, que durou quase 60 dias, a acusação citou como provas 17 artigos e três vídeos publicados no Stand News, incluindo entrevistas com ativistas pró-democracia.

Entre os 17 artigos, alguns sobre os ex-legisladores pró-democracia Nathan Law e Ted Hui, que fazem parte de um grupo de ativistas sediado no estrangeiro que são alvo de recompensas por parte da polícia de Hong Kong; entrevistas com três participantes numa eleição primária organizada pelo campo pró-democracia em 2020; e comentários de Law e dos jornalistas veteranos Allan Au e Chan Pui-man. Chan é também a mulher de Chung.

A decisão surge numa altura em que a antiga colónia britânica caiu do 18.º para o 135.º lugar no índice de liberdade de imprensa publicado pelos Repórteres Sem Fronteiras (RSF) no espaço de 20 anos.

Em 2002, ano em que a classificação foi publicada pela primeira vez, o território era considerado um paraíso para a liberdade de expressão na Ásia.

A autocensura também se tornou mais proeminente durante a repressão política à dissidência. Em março, o governo da cidade promulgou outra nova lei de segurança que muitos jornalistas temem que possa restringir ainda mais a liberdade de imprensa.


O governo de Hong Kong insiste que a cidade ainda goza de liberdade de imprensa, conforme garantido pela sua miniconstituição.
Ataque generalizado à imprensa

Mais de 100 pessoas, incluindo ativistas estiveram presentes no tribunal durante a leitura da sentença. Lau Yan-hin, antigo colaborador do Stand News, descreveu à AFP o julgamento como um “ataque total” aos meios de comunicação social e frisou que o processo o deixou “confuso sobre o que pode e o que não pode ser dito”.

Este caso é “sem dúvida um marco na repressão da liberdade de imprensa”, disse um ex-jornalista, falando sob condição de anonimato.

Já Beh Lih Yi, do Comité para a Proteção dos Jornalistas, a utilização desta “legislação arcaica (...) faz com que o sistema judicial pareça ridículo”.

“A decisão de hoje é a prova de que Hong Kong se está a afundar cada vez mais no autoritarismo e que não seguir a linha oficial pode levar qualquer pessoa à prisão”, afirmou.

A audiência contou com a presença de representantes de vários consulados, incluindo os dos Estados Unidos, Reino Unido, França e Austrália.

“Esta decisão corre o risco de prejudicar o intercâmbio pluralista de ideias e o livre fluxo de informações, dois pilares do sucesso económico de Hong Kong”, declarou a União Europeia.

Em comunicado, a porta-voz do Serviço de Ação Externa da União Europeia, Nabila Massarali, considera que “esta condenação é mais um sinal do enfraquecimento da liberdade de imprensa, um direito fundamental que está inscrito na Lei Fundamental de Hong Kong”

“A UE apela às autoridades de Hong Kong que reponham a liberdade de imprensa no território e que parem de perseguir jornalistas. A preservação dos media livres, independentes e pluralistas é vital para sociedades resilientes e saudáveis”, completou.

Também o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Matthew Miller, criticou a “condenação dos editores do Stand News por sedição é um ataque direto à liberdade dos meios de comunicação social e mina a reputação internacional de abertura de que Hong Kong já gozou”.
“Apelamos a Pequim e às autoridades de Hong Kong para que restabeleçam e defendam os direitos garantidos pela Lei Básica”, acrescentou Matthew Miller no X.

c/agências
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