No entanto, o comentário do Departamento de Estado não responsabilizava o Exército israelita pela morte da jornalista palestino-americana, e em breve um outro comentário viria acrescentar que os EUA confiam numa investigação que Israel venha a realizar sobre o facto.
Por outro lado, a prontidão do Departamento de Estado em exonerar Israel de responsabilidades e em passar um certificado de isenção às suas famigeradas investigações militares surpreende também por ocorrer num contexto de relativa tensão entre a diplomacia norte-americana e os planos, largamente publicitados, do Governo israelita para autorizar a construção de milhares de fogos em colonatos ilegais.
Nas redes sociais, esta prontidão exculpatória imediatamente desencadeou reacções muito críticas, principalmente num momento em que a invasão russa da Ucrânia exacerba a sensibilidade aos crimes de guerra.
Alguns dos comentários não hesitaram em lembrar ao Departamento de Estado a sua habitual retórica sobre a defesa de cidadãos norte-americanos que sejam vítimas de crimes no estrangeiro.
Abu Akleh era jornalista da Al Jazeera, cidadã palestiniana residente em Jerusalém Leste e considerada habitualmente uma das vozes mais críticas contra a ocupação israelita. O primeiro-ministro palestiniano Mohammed Shtayyeh lembrou que "Abu Akleh contribuiu para forrmar a memória de toda uma geração e para contar ao mundo a história palestiniana. Shireen foi morta pela ocupação israelita quando documentava os seus crimes horríveis contra o nosso povo".
A homenagem que uma multidão palestiniana quis hoje prestar a Shireen Abu Akleh foi interrompida por forças de segurança israelitas, que carregaram violentamente sobre o cortejo em que era transportado o caixão.
Na mesma linha do Departamento de Estado norte-americano, a União Europeia e a ONU apelaram a uma investigação independente sobre os disparos que vitimaram a jornalista palestiniana, mas sem responsabilizarem pelo crime as forças israelitas que levaram a cabo o ataque contra Jenin.
Uma declaração da União Europeia afirma nomeadamente: "É inaceitável alvejar jornalistas que fazem o seu trabalho. Jornalistas que cobrem situações de conflito devem gozar de segurança e protecção permanentes. Escassos dias antes do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a União Europeia recorda o papel crucial desempenhado por jornalistas, trabalhadores da imprensa e pelos meios de comunicação social livres e independentes".
Os ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros de Israel, respectivamente Benny Gantz e Yair Lapid, insinuaram, por seu lado, que poderiam ter sido disparos palestinianos a vitimarem a jornalista, embora a Al Jazeera tenha desmentido que existissem na área do crime quaisquer outros atiradores em actividade para além dos snipers israelitas.
Para boa parte dos comentários surgidos nas redes sociais, a eliminação da jornalista é apenas mais um episódio da ocupação que sofre o povo palestiniano, independentemente das suas crenças religiosas, e neste caso recaindo sobre uma palestiniana que não era muçulmana e sim cristã.
Israel pediu, por outro lado, à Autoridade Palestiniana que lhe facultasse acesso ao cadáver da jornalista, para poder participar na autópsia a realizar pelos serviços palestinianos. A Autoridade Palestiniana (AP) recusou o pedido e o primeiro-ministro israelita Naftali Benett acusou-a de impedir desse modo uma "investigação séria".
O ministro Hussein al-Sheikh, da Autoridade Palestiniana, explicou a recusa, afirmando: "Consideramos o Governo de ocupação responsável pelo assassínio da jornalista Shireen Abu Akleh. Desmentimos o que o primeiro ministro do Governo de ocupação anunciou, que se tenha dirigido à AP para conjuntamente levarem a cabo uma investigação sobre o assassínio dela". E acrescentou ainda que a AP tencionava apresentar o caso ao Tribunal Penal Internacional.
No parlamento israelita, o deputado da Lista Conjunta Osama Saadi criticou a versão oficial, dizendo: "Há sete testemunhos de repórteres no terreno; em vez de dizerem que condenam e de apresentarem desculpas pelo assassínio, vocês chamam a isto uma cabala [contra Israel]. Isto não é apenas uma morte, é o assassínio e a execução de uma destacada jornalista".
Por seu lado, o deputado Ahmad Tibi, também da Lista Conjunta, escreveu no Twitter: "Não há justificação nenhuma no mundo para disparos mortais contra ela ou contra jornalistas, estejam eles onde estiverem. Mais uma vez, os soldados do Exército estão a atingir jornalistas e o seu importante trabalho, e a sua presença no terreno não é tomada em conta. A habitual declaração de que 'o Exército está a investigar o incidente' é provocatória, falsa e especialmente revoltante nesta manhã difícil. Disparar, mentir e encobrir - já todos conhecemos demasiado bem este mecanismo".