Jorge Carapinha é o primeiro português homenageado no Jardim dos Heróis da luta timorense

por Lusa

 Os restos mortais do português Jorge Carapinha - vítima fatal da tortura que sofreu às mãos das forças ocupantes indonésias em Timor-Leste - foram hoje sepultados no Jardim dos Heróis da Pátria, a leste de Díli.

"Não há dúvida! Este cidadão português é tão timorense como nós, porque optou por abraçar o nosso sonho da Independência, por juntar-se ao nosso sofrimento e por morrer ao nosso lado, num país que também ele amava profundamente", recordou hoje o Presidente, Francisco Guterres Lu-Olo.

Conhecido pelo nome de código Mau-Lelo, Carapinha nasceu a 13 de setembro de 1925, morreu a 03 de novembro de 1981 na Comarca de Balide e está registado na Base de Dados dos Combatentes da Libertação Nacional de Timor-Leste.

Hoje, tornou-se no primeiro estrangeiro -- ainda que os timorenses não o considerem como tal -- a ser sepultado no principal espaço de homenagem aos heróis da luta pela libertação de Timor-Leste.

"Este cidadão português, de nome Jorge Tomás Godinho Carapinha, com o nome de código Mau Lelo, decidiu ser cidadão timorense logo em 1974. Jorge Carapinha deu uma grande lição a todos nós, timorenses, e à comunidade internacional", disse.

Carapinha foi um dos 61 homens e mulheres considerados heróis da luta pela libertação de Timor-Leste, cujos restos mortais foram sepultados em Metinaro, no dia em que se cumprem 44 anos da invasão indonésia de Timor-Leste.

São homens e mulheres que morreram em vários pontos de Timor-Leste no período entre 1975 e 1995, entre eles Jorge Carapinha, um ex-membro do Comité Central da Fretilin (CCF) que morreu em Díli depois de um longo período de detenção e tortura às mãos dos ocupantes indonésios.

"Foi membro ativo do Comité Central da Fretilin até ser capturado pelos militares indonésios em Díli, em dezembro de 1975. Devido à sua opção política de abraçar o sonho dos timorenses, os militares indonésios torturaram-no na prisão", lembrou o chefe de Estado.

"A doença apoderou-se dele na sequência das torturas de que foi vítima e acabou por falecer", recordou Lu-Olo, afirmando que "o amor entre pessoas não tem fronteiras" e comparando Carapinha a Che Guevara, que também "foi preso e torturado até à morte" e que "morreu num país que não era o dele". 

"O sangue derramado deste cidadão português contribuiu para que esta terra amada pudesse ser livre e independente", acrescentou, saudando o filho do homenageado, Rui Carapinha.

"O seu sangue fundiu-se com o de outros timorenses e estrangeiros que tombaram na nossa luta de 24 anos. O nome de alguns destes cidadãos já é conhecido, o de outros ainda não", afirmou na cerimónia que contou com a presença dos principais líderes timorenses.

Os restos mortais foram sepultados em campas individuais e coletivas no espaço que honra os "combatentes da libertação nacional na luta pela independência nacional".

Dia da Memória, o 07 de dezembro é feriado nacional de Timor-Leste em memória de todas as pessoas que resistiram à ocupação da Indonésia e que lutaram pela libertação do povo timorense.

Homens e mulheres que "deram a sua vida pelo sonho coletivo da independência", que "morreram por esta terra, morreram por um único ideal", disse Lu-Olo, recordando que morreram baleados, vítimas de doenças depois de tortura ou por falta de comida e cuidados de saúde. 

"Neste dia, consagrado na lei como o Dia da Memória, enterramos nesta admirável encosta os restos mortais de 61 mártires de diversos graus, incluindo membros do Comité Central da Fretilin e outros quadros superiores da componente armada, as Falintil", disse.

Civis e militares que foram "servidores do povo, incansáveis em dedicação e sacrifícios, sem nunca pedirem nada em troca", ajudando a alimentar "a luta pela libertação com as suas próprias forças, cada um com a sua história", assinalou.

Os "heróis nacionais" que deram a vida pela libertação e independência de Timor-Leste e que deixaram um legado de amor ao povo e à pátria que deve servir de inspiração aos mais jovens, a quem importa, sublinhou Lu-Olo, ao recordar o passado de sofrimento.

O chefe de Estado relembrou o trauma que dividiu famílias e que ainda hoje afeta sobreviventes, muitos dos quais vivem com grandes carências.

"Com a invasão e a ocupação durante 24 anos, as famílias foram divididas e sofreram perdas sucessivas de entes queridos. Em alguns casos, a angústia apoderou-se das famílias por não saberem se os seus familiares e amigos estavam vivos ou mortos", disse.

"A falta de um corpo -- de um filho, de uma pessoa amada ou de um amigo -- trouxe inquietação. Muitas famílias foram praticamente dizimadas", recordou.

A pensar nos que continuam traumatizados, Lu-Olo disse que há, entre os heróis ainda vivos, muitos que "não querem lembrar o seu passado marcado pelo sofrimento e tortura que deixaram marcas físicas e psicológicas".

Hoje ainda "vivem em situações de trauma, com consequências ainda desconhecidas" e que merecem do Estado apoio e assistência, criando um "espaço especializado para estes nossos cidadãos", afirmou.

E, para que o legado de quem lutou fique vivo, o Presidente considera essencial criar em Metinaro um Centro de Informação que "disponibilize panfletos e projete filmes sobre a história deste lugar, que informe sobre cada um dos heróis nacionais e sobre a história de coragem do povo de Timor-Leste".

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