Javier Milei. O "louco" que ascendeu à presidência para mudar o rumo da Argentina

por Graça Andrade Ramos - RTP
Javier Milei, presidente eleito da Argentina após a vitória à segunda volta em novembro de 2023 Juan Ignacio Roncoroni - EPA

Com palavras de ordem contra a "casta política parasitária e ladra", como lhe chamou, Javier Milei conseguiu convencer mais de 55 por cento do eleitorado argentino a mudar o rumo do país. Foi eleito presidente este domingo, dia 19 de novembro de 2023, com um resultado histórico, a comprovar o êxito das suas mensagens e promessas polémicas junto dos eleitores.

Ultraliberal, Javier Milei é conhecido pela sua franqueza, espontaneidade e irascibilidade, que dominaram a agenda mediática desde que, em 2015, deu os primeiros passos como comentador em fóruns televisivos sobre economia. As suas mensagens provaram ser igualmente explosivas e convincentes.

Nativo de Buenos Aires, onde nasceu em 1970, Javier Milás jogou futebol na juventude e foi vocalista de uma banda de covers dos Rolling Stones. Estudou Economia na Universidade de Belgrano e obteve pós-graduações pelo Instituto de Desarrollo Económico y Social (IDES) e pela Universidad Torcuato di Tella.

Em dezembro de 2022 recebeu um doutoramento "honoris causa" do Instituto Universitario ESEADE, que recebeu das mãos do doutor em Economia e Ciências de gestão, Alberto Benegas Lynch.

Javier Milei é autor publicado de vários livros, tendo sido acusado de plagiar parágrafos inteiros.

No início da década de 2000 começou uma carreira catedrática, lecionando Macroeconomia, Economia do Crescimento, Microeconomia, Teoria Monetária, Economia monetária, Teoria Financeira e Matemática para economistas, em universidades argentinas e estrangeiras.
O "louco" e "alienado"
Javier Milei fica já para a história mundial como um dos mais claros fenómenos de ascenção mediática populista.

Aos 53 anos, o seu discurso incendiário, a par da sua figura agitada sob um cabelo abundante e muitas vezes desgrenhado, valeram-lhe mimos como 'louco' e 'alienado'

A título de exemplo, de acordo com a biografia não autorizada do jornalista Juan Luis Gonzalez, Milei não reconheceu a morte do seu cão, Conan, referindo-se-lhe como um dos "cinco" cães/filhos que o acompanham.

Os seus quatro cães são aliás clones de Conan, encomendados por Milei nos Estados Unidos. Chamam-se Milton, Murray, Robert e Lucas, "em honra dos economistas Milton Fredman, Murray Rothbard e Robert Lucas", explicou o próprio na sua página web, JavierMilei.com. Diz-se que Milei usa uma alegada medium especializada em 'comunicação interespécies' para comunicar com os animais, vivos e morto.

Solteiro, sem filhos e com poucas amizades, o novo presidente apresentou recentemente num programa televisivo a atriz e humorista Fátima Flórez como sua namorada.

Durante a campanha, Milei respondeu aos seus detratores em jeito de desafio. 'Sabem qual a diferença entre um génio e um louco? O sucesso' lançou. O eleitorado deu-lhe razão e pode dizer-se que o presidente eleito da Argentina encarnou esta segunda-feira o provérbio de 'o último a rir é quem ri melhor'.
Um senhor "indignado" e polémico
Parte do seu crédito pode advir do facto de Milei ser um recém-chegado à política. É o que acredita a maioria dos analistas, para quem Javier Milei soube canalizar a raiva sentida por muitos argentinos, desiludidos com o peronismo, a corrente política que tem dominado a vida política do país desde a década de 1940, quando foi criada pelo militar populista Juan Domingo Perón.

"As pessoas começaram a escutar um senhor indignado e a pensar 'finalmente alguém fala como eu' porque tem a franqueza de dizer as coisas", sublinhou Belén Amadeo, politóloga da Universidad de Buenos Aires, à agência France Press.

Até 2021, o novo presidente trabalhava no setor privado, apesar de já ser conhecido como comentador televisivo e de se ter inscrito do partido La Libertad Avanza em 2019. As suas opiniões, transmitidas num estilo furioso, há anos que dominavam as redes sociais espalhando-se pela juventude argentina, para quem resumiam ideias novas e rebeldes.

Milei foi eleito deputado pelo Libertad Avanza, que passou a liderar, dando início à mudança do panorama político da Argentina, gerando reações à esquerda e à direita.

Matias Esoukourian, estudante de Economia de 19 anos, explicou a razão de seguir Milei. "Não tem experiência e isso nota-se amiúde", afirmou. "Mas, quando o ouves a falar sobre Economia, vê-se que por trás do que diz há paixão e conhecimento".

Em campanha, Milei prometeu substituir o peso argentino pelo dólar americano, encerrar o Banco Central do país, reduzir o peso do Estado para somente oito Ministérios e cortar nos gastos públicos.

Sob a sua influência, questões até então periféricas entraram igualmente na agenda. O presidente eleito nega que exista diferença salarial entre homens e mulheres, considera o aborto um assassínio e diz que "as políticas que culpam as alterações climáticas são falsas".

Contrariando números estabelecidos por organizações defensoras de direitos humanos, o novo líder argentino mantém também que o último período de ditadura vivido pelo país, entre 1976 e 1983, causou menos de 10.000 desaparecidos, menos de um terço dos 30.000 historicamente aceites.

Num país fortemente orgulhoso de ser a pátria do Papa Francisco, Javier Milei causou ainda ondas de choque em setembro último, ao chamar ao atual pontífice um "representante do maligno na Terra", levando numerosos sacerdotes a repudiarem o candidato e a celebrarem uma missa de desagravo, em Buenos Aires.
Soam alarmes
Propostas e opiniões que fazem dele um "líder de uma relevância pública inusitada para a direita mais radical na Argentina" considerou, à agência France Presse, Gabriel Vommaro, politólogo da Universidade de San Martín.

Milei teve contudo de conter o seu estilo incendiário e combativo, após conseguir 30 por cento dos votos na primeira volta das eleições presidenciais, de forma a conseguir apoios entre os conservadores liderados pela sua anterior rival, Patricia Bullrich.

Obteve ainda, desse modo, o apadrinhamento do ex-presidente liberal Maurício Macri, que liderou a Argentina entre 2015 e 2019. Milei "acabou por representar muitos cidadãos de pé que se cansaram", disse Macri ao centro de estudos Wilson, de Washington.

As ideias de Milei fizeram soar alarmes não só na Argentina. A 11 dias da segunda volta das presidenciais e perante cenários que o davam como novo presidente, mais de 100 economistas, incluindo Thomas Piketty, Jayati Ghosh y Branko Milanovic, assinaram uma carta aberta extremamente crítica do argentino, advertindo que, se levar avante as suas promessas, irá causar "mais devastação económica e caos social" no país.

"Uma grande redução dos gastos estatais iria agravar os altos níveis de pobreza e de desigualdade e poderia resultar num incremento da tensão social e do conflito", referiu o texto.

"A dolarização e a austeridade fiscal das propostas de Javier Milei passam ao lado da complexidade das economias modernas, ignoram as lições das crises históricas e abrem a porta à acentuação as já graves desigualdades", acrescenta.

"Ou seja, apesar das soluções aparentemente simples poderem ser atrativas, é provável que causem maior devastação no mundo real a curto prazo, enquanto reduzem drasticamente o espaço político a longo prazo", criticaram ainda os economistas.
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