Itália. Autarca pró-refugiados pode enfrentar 13 anos de prisão por alegado auxílio à imigração ilegal

por Joana Raposo Santos - RTP
Na semana passada, os advogados de Mimmo Lucano solicitaram um último recurso. A data do veredito final continua a ser incerta. Marco Costantino - EPA

Domenico Lucano, ex-presidente da Câmara da cidade italiana de Riace, está prestes a saber se terá de cumprir uma pena de prisão de 13 anos por alegado auxílio à imigração ilegal e irregularidades na gestão de pedidos de asilo. O antigo autarca é responsável por um modelo de combate ao despovoamento através da imigração que foi elogiado internacionalmente. Nega agora todas as acusações, garantindo não ter quaisquer posses e que apenas agiu a favor da "igualdade social e fraternidade".

O antigo autarca da pequena cidade de Riace, no sul da Itália, foi colocado em prisão domiciliária em 2018 por suspeitas de peculato, fraude e auxílio à imigração ilegal.

De acordo com os magistrados italianos, Domenico Lucano (mais conhecido por “Mimmo”) violou um processo de concurso público ao adjudicar contratos de recolha de lixo a duas cooperativas criadas para ajudar migrantes que procuravam emprego.

A sua detenção aconteceu apenas uma semana depois de o então ministro do Interior, Matteo Salvini, ter anunciado uma série de medidas anti-imigração, incluindo o corte de fundos destinados à receção e integração de migrantes.

Lucano foi também acusado de organizar “casamentos de conveniência” depois de, alegadamente, ter ajudado à realização de um casamento entre uma mulher nigeriana e um homem italiano para que a mulher, que tinha sido forçada a prostituir-se em Nápoles, pudesse viver e trabalhar legalmente na Itália. Esta acusação foi, porém, anulada pelo Supremo Tribunal.
“Não recebi dinheiro, não tenho contas nem propriedades”
Em setembro de 2021, foi condenado a 13 anos e dois meses de prisão, quase o dobro do período de sete anos e 11 meses que tinha sido então solicitado pelos procuradores. A decisão foi recebida com surpresa por toda a Itália.

Na semana passada, os advogados de Mimmo Lucano solicitaram um último recurso. A data do veredito final continua a ser incerta, podendo este ser anunciado a qualquer momento. Caso o recurso seja recusado, Lucano enfrentará mesmo mais de 13 anos de prisão.

O ex-autarca nega todas as acusações, garantindo que nenhuma lei foi quebrada e que não obteve qualquer ganho pessoal através dos seus programas de apoio a migrantes.

“O mais estranho é que a sentença mais pesada contra mim diz respeito ao crime de peculato, apesar de as transcrições fornecidas pela Guarda de Finanças [polícia especial de Itália subordinada ao Ministério da Economia e das Finanças] dizerem que não recebi dinheiro, não possuo contas nem propriedades, não tenho nada”, lamentou o acusado.

“As escutas mostram que o meu único interesse era o de seguir um ideal de acolhimento de refugiados”, acrescentou.
Autarca foi eleito um dos 50 maiores líderes do mundo
Durante o seu mandato enquanto presidente da Câmara, Lucano – que já foi também professor – tornou a cidade de Riace famosa pelo seu modelo de integração que pretendia combater o despovoamento.

Em 2016, o ex-autarca foi eleito pela revista Fortune como um dos 50 maiores líderes do mundo, depois de ter integrado mais de 500 refugiados em Riace – uma cidade de apenas 1.800 habitantes – e impedido, assim, o encerramento de uma escola local.

O caso de Riace assemelha-se ao de várias outras cidades rurais italianas em declínio demográfico devido à emigração e às quedas acentuadas dos nascimentos. Esta cidade, na região de Calábria, começou a receber refugiados curdos em 1998.

“Nessa altura falei com o bispo, que falou numa intuição profética”, contou Lucano numa entrevista à organização Progressiva Internacional. “Percebi que eu e o bispo partilhávamos uma visão e crenças em termos de igualdade social e fraternidade”.

Foi assim que a pequena cidade italiana continuou a fornecer habitação, cuidados de saúde e oportunidades a pessoas que procuravam asilo. Lucano acabou por ser eleito presidente da Câmara três vezes.

As acusações de que Mimmo Lucano é alvo constituem mais uma batalha na longa luta da direita italiana contra migrantes e refugiados. A polémica tem-se tornado ainda mais relevante na última semana, desde que a Itália começou a receber crianças ucranianas fugidas da guerra no país de origem.
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