O Presidente norte-americano anunciou esta terça-feira que os Estados Unidos vão voltar a impor sanções económicas que o acordo nuclear tinha congelado desde 2015, confirmando que o país vai abandonar o acordo nuclear firmado há três anos por várias potências internacionais.
"Anuncio hoje que os Estados Unidos se retiram do acordo nuclear com o Irão. Daqui a pouco, vou assinar um memorando presidencial para repor as sanções económicas norte-americanas sobre o regime iraniano", anunciou o Presidente norte-americano.
Márcia Rodrigues - RTP
Donald Trump tinha prometido o anúncio de uma decisão sobre o acordo nuclear para esta terça-feira, ainda que a decisão oficial só fosse esperada no dia 12 de maio, a data limite concedida aos parceiros para “corrigir” o acordo.
"Vamos instituir o nível mais elevado de sanções económicas. Qualquer nação que ajude o Irão na sua busca de armamento nuclear pode igualmente ser alvo de fortes sanções pelos Estados Unidos. A América não vai ser refém de chantagem nuclear", disse ainda o Presidente norte-americano.
Promessa iraniana "era uma mentira"
A decisão não é inesperada. Durante a tarde de terça-feira, poucas horas antes do anúncio de Trump, o jornal New York Times revelava que o Presidente já tinha anunciado ao homólogo francês, Emmanuel Macron, a intenção de abandonar o acordo.
Para além disso, desde há muito que era conhecida a oposição do Presidente norte-americano ao acordo nuclear. Muitas vezes definido como “horrível” ou “o pior acordo de sempre”, Donald Trump indicou em várias ocasiões que o acordo deveria ser alterado.
As principais objeções de Donald Trump ao acordo versam sobre os limites temporais do programa nuclear, uma vez que o acordo prevê o levantamento progressivo do controlo das atividades nucleares iranianas após 2025, mas também a não-inclusão de questões que ultrapassam o programa nuclear, desde logo a intervenção e envolvimento do Irão em conflitos regionais – com destaque para a Síria e o Iémen – ou ainda o programa de mísseis balísticos.
Durante a intervenção desta terça-feira, o Presidente norte-americano não se esqueceu de referir esses mesmos fatores, lembrando que o acordo não impõe limites sobre "outras condutas malignas", designadamente o programa de mísseis e as ligações de Teerão a "movimentos terroristas" como o Hezbollah.
No entendimento do chefe de Estado norte-americano, nem sequer a questão nuclear é resolvida com o acordo. "O acordo supostamente protege os Estados Unidos e os nossos aliados da loucura de um Irão com uma bomba nuclear. (...) No entanto, este acordo permitiu ao Irão continuar a enriquecer urânio durante todo este tempo e ficar mais próximo de obter armamento nuclear. Hoje, temos a prova definitiva de que a promessa iraninana era uma mentira", frisou.
Um acordo "defeituoso"
Durante a comunicação desta terça-feira, Donald Trump denunciou que o regime iraniano não deixou de procurar o desenvolvimento de armas nucleares ao longo da sua história recente. Na visão do Presidente norte-americano, o acordo nuclear assinado em julho de 2015 é um "grande embaraço" para Washington e para todos os cidadãos norte-americanos, um entendimento "defeituoso até à sua essência".
"Se permitisse que este acordo se mantivesse, em breve teríamos uma corrida ao armamento nuclear no Médio Oriente. Todos quereriam ter uma arma nuclear a postos caso o Irão tivesse a sua", acrescentou.
A decisão de Donald Trump surge no mesmo mês em que o Presidente norte-americano prepara uma cimeira histórica com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, também com o dossier da desnuclearização em cima da mesa.
"Se o acordo nuclear não pode ser corrigido, os Estados Unidos não podem continuar a fazer parte dele", assinalou Donald Trump. O Presidente norte-americano frisou ainda que Washington "nunca faz ameaças vazias". "Quando faço promessas, eu cumpro", disse ainda.
Quais são os termos do acordo?
O acordo nuclear histórico, designado por Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA) foi assinado a 14 de julho de 2015 em Viena, na Áustria, ao fim de quase 12 anos de tentativas falhadas de negociação.
Na altura, o entendimento foi celebrado entre Teerão e o grupo P5+1, que juntava os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido) e a Alemanha.
Nas negociações participaram igualmente as instituições europeias, com a intervenção da Alta Representante da União Europeia para a Política Externa, Federica Mogherini.
Em resumo, o acordo nuclear destina-se a evitar que o Irão consiga reunir o material necessário à produção de armas nucleares no período de pelo menos dez anos, reconhecendo ao mesmo tempo o direito dos iranianos a usufruírem um programa nuclear para fins pacíficos.
Esse programa específico foi uma das principais exigências dos iranianos durante as negociações, uma vez que o país é signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), que prevê precisamente o direito ao enriquecimento de urânio dos seus signatários para fins não-militares. O acordo de 2015 foi assinado após quase dois anos de negociações ininterruptas. No entanto, desde 2003 que a Europa tentava chegar a acordo sobre o programa nuclear iraniano.
Mediante os termos do acordo nuclear, é praticamente impossível a Teerão desenvolver armas atómicas. O acordo estabelece limites de armazenamento e produção de urânio enriquecido, bem como uma diminuição significativa das centrifugadoras.
Ainda assim, por via deste acordo, os países envolvidos conseguiram garantir maior abertura e transparência das instalações nucleares iranianas, que permitem a inspeção de locais suspeitos em solo iraniano pela Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA, na sigla em inglês), caso as partes envolvidas desconfiem de atividades ilícitas e que não correspondam com o acordo firmado.
Em troca desta abertura e transparência, o Irão conseguiu negociar o levantamento de sanções económicas diretamente ligadas ao programa nuclear iraniano, desde logo as várias sanções aplicadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, bem como outras sanções multilaterais, aplicadas pela União Europeia e Estados Unidos ao longo dos últimos anos.
O acordo firmado há três anos, ainda durante a administração Obama, estabelecia a vontade dos vários países envolvidos em “construir uma nova relação com o Irão”.
De acordo com a legislação norte-americana, a decisão sobre o levantamento de sanções deve ser renovada a cada 120 dias. Em caso de violação do acordo pelo Irão, bastava aos Estados Unidos a não-confirmação de um novo levantamento de sanções.
No entanto, a Agência Internacional de Energia Atómica, responsável por certificar se o Irão está ou não a cumprir os termos do acordo, confirmou por oito vezes através de rigorosas inspeções que Teerão não está a desrespeitar o entendimento.
Na semana passada, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu expôs em conferência de imprensa um conjunto de documentos confidenciais que alegadamente comprovavam a existência de um programa nuclear secreto.
Mais tarde, a Agência Internacional de Energia Atómica viria a esclarecer que a maioria dos documentos era já antiga e que o conteúdo estava ultrapassado, confirmando, em comunicado, que a entidade não dispõe de qualquer indicação de desenvolvimento de engenhos nucleares “desde 2009”.
Este esclarecimento da agência internacional não deteve Donald Trump de citar o relatório revelado pelos israelitas como elemento que comprova a violação do acordo por parte do Irão.
O futuro do acordo
Ainda que a decisão dos Estados Unidos possa colocar em perigo o acordo, o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, garantiu já esta semana que o país está disposto a continuar a cumprir os termos firmados em 2015.
Na prática, o abandono do acordo por parte dos Estados Unidos significa a reposição das sanções norte-americanas ao petróleo e transações financeiras iranianas. Rouhani reconhece que o Irão pode “enfrentar alguns problemas” durante os próximos meses, na sequência da reposição das sanções, mas garante que as dificuldades serão ultrapassadas.
"Se conseguirmos o que queremos com um acordo sem os Estados Unidos, então manteremos o nosso compromisso com o acordo. O que o Irão quer é que os seus interesses sejam garantidos pelos signatários não-americanos", esclareceu Rouhani.
Todos os países signatários defendem a manutenção do compromisso assumido em 2015, uma vez que Teerão tem cumprido a palavra, como é confirmado pelas inspeções regulares da Agência Internacional da Energia Atómica.
Com os Estados Unidos de fora do acordo, é difícil prever o futuro deste acordo. Tal como aconteceu quando Washington abandonou o Acordo de Paris, os restantes signatários tentam garantir que o entendimento entre os restantes signatários mantém-se intacto.
Esta terça-feira, vários responsáveis europeus estiveram reunidos em Bruxelas com Abbas Araghci, vice-ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros. Numa declaração conjunta, confirmaram que a decisão dos Estados Unidos pode ser “uma oportunidade para reiterar o apoio à implementação total e efetiva do acordo por todas as partes”.