Irão desafia taliban a terem uma governação inclusiva

por RTP
"A República Islâmica do Irão acredita que a autoridade resultante da vontade do povo oprimido do Afeganistão é a fonte de segurança e estabilidade", disse Raisi Reuters

O presidente do Irão, Ebrahim Raisi, afirmou que o “falhanço” dos Estados Unidos no Afeganistão constitui uma oportunidade para construir a paz duradoura no país e defende um governo afegão inclusivo, que represente todos os grupos étnicos e confissões religiosas.

"A derrota militar dos Estados Unidos e a sua retirada devem tornar-se numa oportunidade para restaurar a vida, a segurança e uma paz duradoura no Afeganistão", declarou Ebrahim Raisi, que entrou em funções no início de agosto, em comunicado oficial. "O Irão apoia os esforços para restaurar a estabilidade no Afeganistão e, como nação vizinha e irmã, convida todos os grupos no Afeganistão a chegarem a um acordo nacional", acrescentou. No entanto, conseguir esta pretensão será mais complexo do que parece.
Diferentes etnias
Ebrahim Raisi aludia às diferentes correntes muçulmanas que dominam o Irão e o Afeganistão, fonte de fricção há décadas.

O Irão - que tradicionalmente tenta proteger os xiitas no Médio Oriente, tanto para lhes dar mais poder como para exportar a revolução – via os taliban sunitas como um inimigo. Mas a república islâmica do Irão tem aliados fundamentalistas de outras etnias, como o movimento islâmico Hamas, na Palestina, porque o seu objetivo primordial   “é trabalhar com elementos anti-ocidentais, anti-Israel e outros em toda a região”, nota o correspondente para o Médio Oriente do jornal The Jerusalem Post.

A política do Irão para o Afeganistão “é complexa”, escreve Seth Franzen. A repressão dos xiitas afegãos da minoria étnica Hazara e o facto de o Afeganistão albergar uma base da Al Qaeda que tinha como alvo o Irão, estiveram na origem de tensões profundas entre os taliban e o país vizinho na década de 1990.

Os jihadistas sunitas de Osama bin Laden combatiam os xiitas da minoria Hazzara, no extremo oposto do espectro jihadista, porque os viam como infiéis indignos.

O cenário alterou-se quando os Estados Unidos invadiram o Afeganistão na sequência do 11 de setembro de 2001. Teerão terá mesmo recebido e albergado elementos da Al Qaeda. Os Estados Unidos chegaram a acusar Teerão de apoiar secretamente os combatentes taliban contra os seus militares. Uma acusação sempre rejeitada pelos taliban.

Nos últimos anos, Irão e Afeganistão têm vindo a abrir uma linha de diálogo. Em julho, Teerão acolheu uma reunião entre os representantes do governo afegão e um grupo de negociadores taliban.
Diferentes objetivos políticosCompletamente alinhados na “necessidade de tirar os EUA do Afeganistão”, os dois regimes discordam sobre “como os taliban podem tratar as minorias”, escreve Seth Franzen, no Jerusalem Post. Já o novo presidente iraniano fez saber que está a acompanhar de perto a evolução dos acontecimentos no Afeganistão e deu conta da vontade em “ter boas relações” com o país vizinho.

"A República Islâmica do Irão acredita que a autoridade resultante da vontade do povo oprimido do Afeganistão é fonte de segurança e estabilidade", acrescentou Ebrahim Raisi, no final de um encontro com o ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros cessante, mas sem mencionar diretamente os taliban.

No artigo publicado no Jerusalem Post, Seth Franzen sublinha o facto de, ao empregar a expressão “vontade do povo”, o presidente do Irão se referir a “uma nova era de desenvolvimentos políticos, sociais e de segurança no vizinho de Leste”.

No entanto, Teerão permanece com um pé atrás, pois “o rosto dos taliban está associado à violência e ao extremismo aos olhos da maior parte das pessoas deste país e também da opinião pública mundial, e a história da governação deste grupo no Afeganistão não deixou boa memória”.
República Islâmica preocupada com formação de Emirado Islâmico?O presidente iraniano questiona ainda se os taliban estão a levar a cabo uma campanha de relações públicas ou se têm claramente vontade de mudar as suas políticas.

Embora os taliban continuem a insistir na formação de um ‘Emirado Islâmico’, durante este tempo sublinharam repetidamente a necessidade de interação, diálogo e tolerância”, estando a “aumentar o seu ‘soft power’”, referiu Ebrahim Raisi.

O Irão quer conservar as ligações já criadas com determinado grupos no Afeganistão, como os xiitas recrutados para combater na Síria.

Teerão reduziu de forma significativa o número de pessoal diplomático na embaixada de Cabul, que no entanto continua “totalmente aberta e ativa”.
Onda de refugiados
Por seu lado, o ministro cessante encontrou-se com o enviado especial chinês para o Afeganistão, tendo abordado a possibilidade da chegada de uma vaga de refugiados afegãos.

País produtor de petróleo e destino frequente de afegãos que procuram trabalho ou fogem da guerra, o Irão anunciou ter preparado acomodações para acolher temporariamente afegãos em fuga. Contudo, com a economia fragilizada pelas sanções dos EUA, o mesmo Irão encorajou os dois milhões de ilegais e mais de 800.000 refugiados afegãos registados a voltarem ao seu país.

Os meios iranianos de comunicação social ainda não deram conta de qualquer fluxo de chegada de refugiados.
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