Fernando Peixeiro, da Agência Lusa
Cidade da Praia, 18 Dez (Lusa) - Uma equipa de investigadores está a tentar, em Cabo Verde, identificar os genes que estão na origem da cor da pele e dos olhos, entre outras características, e se conseguir será a primeira vez que acontece no mundo.
A equipa, chefiada pela bióloga portuguesa Sandra Beleza, escolheu Cabo Verde por a sua população ter das mais altas percentagens de mestiçagem que se conhece, como disse a investigadora à Agência Lusa.
A procura dos genes da pigmentação e da cor dos olhos também está a ser feita nos Estados Unidos, em populações afro-americanas, onde a mistura de raças é muito mais baixa do que em Cabo Verde.
Essas populações são, segundo Sandra Beleza, 80 por cento de africanos e 20 por cento de europeus, ao contrário de Cabo Verde, onde a percentagem de genes europeus é muito mais elevada. Ou seja, segundo a responsável, os cabo-verdianos são provavelmente entre os povos de raça negra os mais brancos do mundo.
"Em Abril do ano passado viemos fazer uma amostra piloto com 128 alunos e estudamos 50 marcadores genéticos de ancestralidade, que marcam as diferenças entre as populações europeias e africanas. Determinámos que os 128 alunos tinham 60 por cento de africano e 40 por cento de europeu", esclareceu.
"Estrutura genética de Cabo Verde e suas implicações para o estudo de características complexas: vantagens para a investigação biomédica e antropológica", é o título do projecto, que está a ser desenvolvido em parceria pela Universidade de Cabo Verde e pela Universidade do Porto (através de um instituto a ela agregado).
Nesta primeira fase, serão recolhidos dados e amostras de sangue de 2.000 pessoas, para depois tentar determinar as causas hereditárias da obesidade, da hipertensão, da cor da pele e dos olhos e as características faciais dos cabo-verdianos.
Cada um dos entrevistados é medido e pesado, é-lhe feita a leitura da tensão arterial, medido o perímetro da cintura e identificada a cor dos olhos e da pele, terminando com a extracção de uma gota de sangue.
Com o projecto pretende-se "mapear genes de características que diferem entre populações europeias e africanas e as principais têm a ver com a cor da pele e dos olhos, mas também a obesidade e a hipertensão", disse Sandra Beleza.
Segundo a investigadora, as populações africanas têm muito mais tendência para a obesidade e para a hipertensão do que os europeus, naturalmente "porque haverá um património genético que os torna mais sensíveis às condições ambientais, ao excesso de alimentação e ao sedentarismo".
Sandra Beleza explica que estas diferenças têm a ver com a história, no caso da obesidade, e com a geografia.
Na Europa, a agricultura apareceu há 10 mil anos e em África apenas cinco mil, por isso os europeus tiveram mais tempo para se adaptarem, explica Sandra Beleza, adiantando que a hipertensão decorre do facto de se transpirar muito em África, devido ao calor, e não se ter acesso ao sal.
"Por isso as populações desenvolveram mecanismos para reter o sal, e assim quando têm acesso a esse sal ficam com hipertensão".
A forma mais fácil de descobrir estas características é, diz Sandra Beleza, nas populações miscigenadas, e dentro destas a cabo-verdiana é a ideal.
"Como têm as duas cargas genéticas, no genoma vamos apenas à componente africana, é uma forma de encontrar os genes de características complexas".
E através desse estudo pode até conhecer-se a história do povoamento das ilhas de Cabo Verde, saber se foram povoadas a partir da principal, Santiago, ou se do continente africano.
É por isso que a equipa vai recolher dados de cabo-verdianos nas ilhas de Santiago, Fogo, S. Vicente, Santo Antão, S. Nicolau e Boa Vista.
Até Maio, Sandra Beleza que ter as 2.000 entrevistas feitas, todas as medições, todas as amostras de sangue, todas as fotografias dos olhos (para inferir o índice de melanina) .
Será feito depois, com as amostras de sangue, um árduo trabalho com o apoio de uma Universidade norte-americana, que é o de estudar 400 mil marcadores genéticos ao longo de cada genoma.
Sandra Beleza diz que uma vez conhecidos os genes responsáveis pela obesidade e pela hipertensão podem desenvolver-se medicamentos para combater esses males, tanto mais que a maior parte dos medicamentos para baixar a tensão "funciona com os europeus mas com os africanos não".
O estudo ficará completo com amostragens idênticas feitas em Portugal, nas zonas de arrozais para onde terão sido levados escravos, que depois se misturaram. É que, conta a bióloga do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), doutorada em genética humana pela Universidade de Santiago de Compostela, nos vales do Tejo, Sado e Guadiana foram encontrados os genes de um tipo de anemia que apresenta o mesmo padrão das populações africanas.
E identificar os genes da cor da pele, um estudo que tem sido tabu, seria o corolário de toda a investigação, tanto mais que tal identificação nunca foi feita no mundo.