Investigadora diz que regime de Obiang não sairá enfraquecido

por Lusa
Reuters

A socióloga e investigadora Ana Lúcia Sá disse hoje que as consequências das explosões num quartel militar em Bata não enfraquecerão o regime da Guiné Equatorial, apesar de terem provocado a morte a mais de 100 pessoas.

As explosões, que ocorreram durante a tarde de domingo no quartel militar Unidade de Intervenção Rápida de Nkuatama, na cidade continental de Bata, destruíram completamente as instalações militares e centenas de casas num raio de quilómetros, causando a morte a mais de 100 pessoas e ferimentos em mais de 600.

A especialista em regimes autoritários em África, nomeadamente o da Guiné Equatorial, assinalou, neste contexto, o discurso político imediato de desresponsabilização da cadeia de comando das Forças Armadas por parte do Presidente da República, Teodoro Obiang.

"Há uma desresponsabilização completa das estruturas que deviam ter a responsabilidade" sobre as infraestruturas militares e os materiais que explodiram, disse Ana Lúcia Sá.

As explosões foram consideradas acidentais pelo chefe de Estado, que disse terem sido causadas "pela negligência e descuido" da unidade responsável pela proteção dos depósitos de dinamite e explosivos anexos ao paiol de munições do quartel de Nkuatama.

Os tais depósitos de dinamite ter-se-ão incendiado devido a queimadas que estariam a ser realizadas por agricultores em quintas nas proximidades e que provocaram a explosão.

"Os militares e o Exército da Guiné Equatorial estão muito dependentes do vice-presidente [`Teodorin` Obiang Ngema]. O vice-presidente capacitou-os de meios humanos e armados e o Exército da Guiné Equatorial pode continuar a ser uma base de apoio", disse a também coordenadora e professora do mestrado em Estudos Africanos do ISCTE-IUL.

"Não creio que uma desresponsabilização da negligência dos militares - que historicamente são dos grupos que mais golpes organizam no continente - possa supor um perigo para o regime", acrescentou.

A investigadora assinalou, por outro lado, que apesar de os militares terem "um papel importante em toda a estrutura repressiva do regime", não têm uma "profissionalização muito grande", num país em que a "cadeia de comando está muito bem definida".

"O vice-presidente é quem detém a chave de controle do Exército e é também o responsável pela segurança do país, portanto institucionalmente tem funções bastante reforçadas", disse.

"Por isso, não creio que venha daí [das consequências das explosões] qualquer mácula para o regime ou uma maior estrutura repressiva porque ela não será necessária também", acrescentou.

Ana Lúcia Sá assinalou, por outro lado, que as explosões são "um sinal" do grande investimento em material bélico para defesa no país.

"Sempre houve um bom orçamento militar e é muito visível em anos com tentativas de golpe de Estado, notícias ou rumores de tentativas de golpe de Estado que são neutralizados. O setor da defesa no país nunca foi negligenciado porque o regime precisa de se defender, mas também de mostrar aos cidadãos que está bem defendido", afirmou.

Apesar disso do dinheiro gasto no exército, a defesa das altas figuras do Estado é assegurada por seguranças privados de Marrocos ou Israel, assinalou.

De acordo com o The World Factbook, da Central Intelligence Agency (CIA) dos Estados Unidos, em 2019, as Forças Armadas da Guiné Equatorial (FAGE) tinham cerca de 1.400 efetivos (1.100 no exército, 200 na marinha e 200 na força aérea.

As FAGE estão equipadas principalmente com armas em segunda mão provenientes da Rússia e da era soviética.

A Ucrânia é o principal fornecedor de equipamento desde 2010, seguida de Israel, de acordo com a mesma fonte.

O Governo gasta cerca de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) com as forças armadas, segundo dados de 2018.

Desde a sua independência de Espanha em 1968, a Guiné Equatorial, um dos principais produtores de petróleo de África, é considerado pelos grupos de direitos humanos como um dos países mais repressivos do mundo, devido a acusações de detenções e torturas de dissidentes e alegações de fraude eleitoral, bem como de corrupção e desvio de fundos públicos pelas elites política e governamental.

O chefe de Estado de 78 anos, Teodoro Obiang, governa o país com mão de ferro desde 1979, quando derrubou o seu tio Francisco Macias num golpe de Estado, e é o Presidente com o mandato mais longo do mundo.

A Guiné Equatorial foi admitida na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) em 2014, num processo controverso e mediante o comprimento de um roteiro que previa a abolição da pena de morte, a adoção do português como língua oficial entre outras condições.

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