Iniciativa Liberal quer menos intervenção do Estado e quintuplicar representação no Parlamento

A Iniciativa Liberal avança para as segundas eleições legislativas da sua história com o objetivo de eleger cinco deputados. Para o efeito, tem vindo a cativar os votos da direita (CDS-PP) e do centro direita (PSD), o que lhe motiva críticas e suscita cuidados adicionais em partidos de quem poderia ser aliada.

Para divulgar o seu programa político, a Iniciativa Liberal adotou uma estratégia: concorrer com listas próprias a todas as eleições. Aproveitou todas as eleições desde 2019: Parlamento Europeu (26 de Maio 2019), legislativas da Madeira (22 de Setembro 2019) e legislativas nacionais (6 de Outubro 2019).
 
Nesta estreia, o partido elegeu um deputado à Assembleia da República, o então independente João Cotrim Figueiredo nas listas de Lisboa. Classificando de “um dia histórico” aquele em que o primeiro deputado entrava no Parlamento, o líder da Iniciativa Liberal Carlos Guimarães Pinto anunciou a retirada do cargo, por considerar que a missão como presidente estava cumprida.

Mas a estratégia estava lançada e o partido elegeu, nas eleições regionais dos Açores, em 2020, o primeiro deputado numa região autónoma. A Iniciativa Liberal continuou a ir a votos sempre que no ano passado houve ocasião eleitoral: em janeiro, apoiou a candidatura de Tiago Mayan Gonçalves às eleições presidenciais, e em setembro, elegeu 89 autarcas em todo o país, ficando às portas de eleger um dos fundadores, Bruno Horta Soares, para a Câmara Municipal de Lisboa.

A Carlos Guimarães Pinto sucedeu João Cotrim Figueiredo, que a 12 de Dezembro passado foi eleito para um novo mandato à frente da Iniciativa Liberal.

De um jantar de Natal a “menos Estado e mais Liberdade”
Tudo começou à mesa, num almoço de Natal a 23 de dezembro de 2015, que decorreu no restaurante "Cisterna", em Lisboa. Neste encontro, Alexandre Krauss, Rodrigo Saraiva, e Bruno Horta Soares convidaram um grupo de pessoas a juntarem-se ao novo projeto político.

A Associação Iniciativa Liberal foi constituída em setembro do ano seguinte e apenas procurava “explorar a viabilidade de um partido liberal em Portugal”. Uma delegação participou no Congresso da Aliança dos Liberais e Democratas na Europa (ALDE), que decorreu em dezembro de 2016, em Varsóvia.

Desenvolvido o Manifesto Portugal Mais Liberal, rapidamente avançou para a recolha de assinatura. Os órgãos dirigentes foram eleitos na Convenção fundadora, que decorreu no Porto, a 26 de novembro de 2017. É presidente da Comissão Executiva Miguel Ferreira da Silva.

Treze dias antes de ser reconhecido como partido em Portugal formalizou a adesão à família europeia ALDE, à qual pertencem figuras como os primeiros-ministros do Luxemburgo, Holanda, Estónia, Bélgica e Irlanda. O atual presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, os comissários europeus para a Concorrência, Justiça, Gestão de Crise, Energia e Valores e Transparência também fazem parte desta família.

A Iniciativa Liberal foi reconhecida como partido político português a 13 de Dezembro de 2017, momento ao qual se seguiu a elaboração do programa político Menos Estado, Mais Liberdade, em que são definidas as ideias fundamentais do partido.
Mudanças estruturais na Saúde e Habitação, menos impostos e redução da ação do Estado
Com a “prioridade política máxima” de pôr o “Portugal a crescer”, a Iniciativa Liberal defende que tal se faz através de reformas estruturais, que passam pela simplificação e descida de impostos, pelo combate à corrupção e pela privatização “das empresas públicas ineficientes”, como a TAP, RTP e Caixa Geral de Depósitos (CGD).
  Versão completa do programa eleitoral para as eleições legislativas de 30 de janeiro de 2022
Sumário do programa eleitoral da Iniciativa Liberal.

Aquando da apresentação do programa eleitoral, em Guimarães, o presidente do partido traçou um retrato do crescimento "medíocre" de Portugal nos últimos 20 anos e defendeu que o "ciclo de estagnação e dependência do Estado tem de acabar para que os portugueses possam mostrar aquilo que podem ser" e "para isso o Estado tem que sair da frente", acrescenta.

"Só o crescimento económico permitirá dar mais oportunidades aos portugueses e permitir finalmente que haja salários dignos em Portugal, só o crescimento económico poderá dar recursos aos serviços públicos que tanto deles precisam", é o argumento que João Cotrim Figueiredo não perde ocasião para repetir.


O programa da Iniciativa Liberal está articulado em torno de oito eixos (30 na versão alargada):

- Saúde: Para acabar com as listas de espera nas consultas e cirurgias, a Iniciativa Liberal propõe-se reformar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que deverá passar a ter um sistema de financiamento público, mas com a prestação de serviço médico feita por entidades públicas e privadas. A proposta liberal assenta na “criação de subsistemas públicos de saúde de adesão obrigatória, em que existe liberdade de escolha do prestador, conforme existe na ADSE”, lê-se na página 229 da versão integral do programa.

Ainda no capítulo da Saúde, a Iniciativa Liberal quer “clarificar o plano do SNS para a criação de Parcerias Público-Privadas (PPPs)” em 2022-2025 e, ainda, “avaliar “o impacto das reversões das PPPs de sucesso nos hospitais de Braga, Vila Franca de Xira e Loures”.

A Iniciativa Liberal propõe-se ainda "ressuscitar Unidades de Saúde Familiar tipo B e tipo C, que os socialistas e parceiros condenaram ao caixote do lixo", anunciou João Cotrim Figueiredo aquando da sessão de apresentação do programa, dia 8 de janeiro, em Guimarães, bem como apostar na educação para a saúde mental e valorizar os enfermeiros especializados.

- Crescimento:
Com o mote “+ salários e – impostos”, a Iniciativa Liberal quer simplificar e reduzir o IRS com a introdução da “taxa única de 15 por cento, começando de forma gradual com duas taxas de 15 e 28 por cento, de forma a aumentar imediatamente os salários líquidos”.

O partido propõe ainda reduzir o IRC para 15 por cento, eliminar a derrama estadual, alterar o IMI e o IMT. Além de reformar o sistema de pensões, a Iniciativa Liberal quer criar entidades reguladoras “verdadeiramente independentes” cujos membros são selecionados através de concurso.

Ainda com o crescimento na mira, a Iniciativa Liberal quer mudar a "lógica de investimento público baseada em amiguismos e compadrios sem qualquer lógica de retorno". Em Guimarães, João Cotrim Figueiredo defendeu a "exigência de análise custo/benefício" para cada investimento público, o que na sua opinião teria inviabilizado a entrada de “um único euro” para a TAP.

Tendo como objetivo final “privatizar aquilo onde o Estado não tem qualquer lógica de permanecer”, o partido promete “não colocar nem mais um euro na TAP. Privatização da TAP, CGD e RTP”.

- Estado e Justiça: Para combater a corrupção, é proposta a reforma da organização das magistraturas, com a fusão do Conselho Superior da Magistratura, dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do Ministério Público, que ainda devem contar com independentes.
 
É ainda proposto o “alargamento do apoio judiciário” para esbater as desigualdades entre ricos e pobres no acesso à justiça, bem como a “promoção de meios alternativos de resolução de litígios”.

- Política: A Iniciativa Liberal defende a “descentralização político-administrativa”, mas garantindo que esta não implique maior despesa pública nem a duplicação de estruturas, serviços ou cargos.

A Iniciativa Liberal pugna pela mudança do sistema eleitoral da Assembleia da República, “passando a ter círculos uninominais com círculo nacional de compensação”. Quanto ao financiamento dos partidos políticos, é defendido que se acabe “com os benefícios fiscais dos mesmos e reduzindo as subvenções”, uma vez que, no entender do seu presidente "não há nenhum motivo para os partidos serem tratados de uma forma mais favorável".

- Ambiente, Sustentabilidade e Transportes: O partido aponta uma lacuna que quer colmatar: “A falta de uma política efetiva e completa na gestão do ciclo de água”. Para isso, propugna pela “promoção de regadio e incentivos à eficiência energética”, assim como pela “redução das perdas de água na distribuição municipal e introdução da reutilização da água nas áreas de stress hídrico”.
 
No capítulo dos transportes, o partido quer “promover a concorrência”, o que passa por “remover barreiras à entrada de novos operadores ferroviários que pretendam oferecer serviços em linhas operadas por entidades públicas”, refere o partido na página 158 do programa. A Iniciativa Liberal visa ainda “acabar com a subsidiação pública exclusivamente a serviços prestados em regime monopolista”.

Desenhar e adotar um plano ferroviário nacional, a 15 anos, que ligue todas as capitais de distrito a Lisboa e Porto e de modo a que cada cidade fique, no máximo, a duas horas de distância, é outra das propostas para a área.

- Social: Melhorar a resposta do Estado em situações de violência doméstica, através de uma estratégia multidisciplinar, combater os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e consagrar a natureza pública dos crimes de violação, coação sexual e abuso sexual de pessoa incapaz de resistência são algumas das propostas.

Com a passagem destes crimes a natureza pública, “por um lado, qualquer pessoa poderá denunciar o crime, e o processo correrá independentemente da vontade da vítima e, por outro lado, o prazo para queixa – atualmente de 6 meses – deixará de existir”.

O programa da Iniciativa Liberal avança com a ideia de “criar o Provedor da Criança, entidade independente que funcionará junto da Provedoria da Justiça”, para defender os direitos das crianças.

- Habitação: Aumentar a oferta para promover a baixa de preços é a medida que encabeça o capítulo dedicado a esta área. Para a sua concretização, a Iniciativa Liberal propõe: a “colocação de dezenas de imóveis públicos inutilizados no mercado”, a redução do IVA na construção imobiliária (de 23 para 6 por cento) e acabar com o AIMI (Adicional ao Imposto Municipal de Imóveis), com o IMT na compra de habitação própria permanente e com o Imposto de Selo nas transações imobiliárias.

Outra das medidas assenta na redução para 15 por cento da taxa aplicada ao arrendamento em sede de IRS, bem como isentar de Imposto de Selo os contratos de locação. Acelerar os licenciamentos da habitação, simplificar os procedimentos administrativos e criar um portal nacional de licenciamento são outras propostas dos liberais.

- Educação: A reforma nesta área passa por mudar “o financiamento do Estado para o financiamento do Aluno” e tem o objetivo de permitir às famílias escolherem as escolas da sua preferência, “sejam públicas, privadas ou sociais, sabendo que são igualmente comparticipadas pelo Estado”. Propugnam por um novo modelo de financiamento das creches e educação pré-escolar e por alterações na admissão dos estudantes ao ensino superior, no sentido de serem as instituições a definir os critérios de entrada.

Os liberais querem aumentar a autonomia das escolas públicas, conferindo-lhes autonomia administrativa, financeira e pedagógica, de modo a que possam definir os seus projetos educativos.

Quanto à Segurança Social, a Iniciativa Liberal propõe "uma reforma estrutural", com "a introdução de um pilar de recapitalização baseado na eliminação da Taxa Social Única para os empregadores que reverte diretamente, e de uma forma gradual, para o salário das pessoas".
Eleger cinco deputados em Lisboa, Porto e se possível Setúbal, Braga e Aveiro
Ao contrário de outros partidos, João Cotrim Figueiredo assume o objetivo: eleger cinco deputados. "Pela natureza do nosso eleitorado, que é um eleitorado que muitas vezes vota pela primeira vez (…) entre três e sete, nenhum deles muito me surpreenderia”, refere em entrevista à RTP. Este propósito está em linha com as opiniões recolhidas pela Universidade Católica para a RTP, uma sondagem que aponta para cinco por cento das intenções de voto na Iniciativa Liberal.

Para tal, e como já aconteceu em 2019, quando se estreou nas eleições legislativas, a Iniciativa Liberal tem candidatos em todos os círculos eleitorais.

O presidente do partido, João Cotrim Figueiredo, é de novo cabeça de lista pelo círculo de Lisboa, seguido de Carla Castro, 43 anos, economista e doutorada em gestão que coordena o Gabinete de Estudos da Iniciativa Liberal, e ainda de Rodrigo Saraiva, 45 anos, consultor de comunicação, atualmente chefe de gabinete no Parlamento.

O anterior líder da Iniciativa Liberal Carlos Guimarães Pinto também repete a candidatura pelo círculo do Porto. Havia sido candidato em 2019, mas falhou a eleição. Faz parte da lista do Porto Patrícia Gilvaz, de 24 anos, licenciada em Direito e antiga presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, e o professor universitário Vicente Ferreira da Silva.

Joana Cordeiro, de 36 anos, gestora de Marketing, é a cabeça de lista por Setúbal; Rui Rocha, de 51 anos, gestor de Recursos Humanos, lidera a lista por Braga, e Cristiano Santos, de 36 anos, enfermeiro especialista em saúde mental e psiquiatria, encabeça a lista por Aveiro. Estes são os três distritos que os liberais assumiram como apostas e para os quais querem eleger um representante parlamentar.

O independente Nuno Garoupa, professor universitário e ex-presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, representa aposta do partido no círculo Fora da Europa.
Iniciativa Liberal disponível para solução aritmética eleitoral de direita
Com cinco por cento das intenções de voto, segundo a sondagem da Universidade Católica para a RTP, a Iniciativa Liberal poderá ser tida em conta para um eventual cenário de coligação de partidos de direita. João Cotrim Figueiredo admite ter "negociações, conversas construtivas, com o PSD e com o CDS", excluindo todos os outros partidos de "acordos pré ou pós eleitorais de qualquer natureza".

Apesar desta disponibilidade do presidente da Iniciativa Liberal para fazer parte da “construção alternativaao Partido Socialista, o partido no Governo lidera com 38 por cento das intenções de voto e os partidos de esquerda, PCP e BE incluídos, registam 53 por cento das intenções.

Além disso, o cenário de um governo apoiado pelo PS e pelos partidos à esquerda é o preferido dos inquiridos, mas o de um governo apoiado pelo PS e pelo PSD também recolhe muitas opiniões favoráveis. A hipótese de um governo liderado pelo PSD com o apoio dos partidos de direita, Iniciativa Liberal incluída, é a que recolhe menor preferência - apenas 44 por cento dos inquiridos quer uma solução com PSD, Iniciativa Liberal, Chega e CDS-PP.

No frente a frente com Rui Rio, cujo PSD reúne 32 por cento das intenções de voto, ambos reconheceram pontos de convergência – a economia tem de crescer -, mas também de divergência – o método e o ritmo das reformas -, o que no futuro pode trazer “problemas”.

O PSD defende “o Estado como um elemento fundamental, regulador da sociedade, mas a Iniciativa Liberal vai querer ainda menos Estado”, apontava o presidente do PSD durante o debate na SIC.

 


João Cotrim Figueiredo recusou responder se estaria disponível para ser o "número dois" de Rui Rio, sublinhando apenas que não faz questão de ter lugares "ao contrário de outros".

A Iniciativa Liberal admite integrar um governo do qual o CDS-PP faça parte, apesar de discordarem, por exemplo, quanto ao aumento do salário mínimo para 900 euros: os liberais são contra e argumentam que a "medida não é razoável em função da atual situação”, enquanto os democratas-cristãos sustentam que é uma decisão que tem de ser tomada em sede de concertação social.

Num aguerrido debate na RTP3 em que foi desafiado a apontar diferenças com este quase recém-chegado que lhe poderá retirar eleitorado, o líder do CDS-PP classificou a Iniciativa Liberal como "um partido que, tirando a economia, é exatamente igual à esquerda e defende exatamente a mesma agenda fraturante".

Também as privatizações da RTP e da CGD dividem CDS-PP e Iniciativa Liberal, apelidada pelo dirigente democrata-cristão de “primo moderninho” e "Ruth Marlene da política, que ora pisca à esquerda, ora pisca à direita", além de ter acusado os liberais de "copiar muitas das bandeiras do CDS".

A estes soundbites, a Iniciativa Liberal rebate que Francisco Rodrigues dos Santos é "o mais novo dos líderes que tem a cabeça mais velha de todos" e alega que o CDS não respeita a liberdade dos outros partidos.

Por seu lado, Francisco Rodrigues dos Santos pode estar “disponível” para se entender com João Cotrim de Figueiredo, caso a Iniciativa Liberal “deixe de fazer concessões à extrema-esquerda em matérias como a eutanásia, o aborto, a prostituição, as drogas leves, a ideologia de género nas escolas e as proibições à tauromaquia”.

A Iniciativa Liberal admite até participar de um Governo que integre o PAN, desde que este partido se liberte de algumas “bizarrias” do seu programa. Num debate marcado pela proteção do ambiente e pelo crescimento, o PAN responde que a preservação das espécies não é uma bizarria.

No entanto, estas situações podem se apenas consideradas caso a direita atinja os 116 deputados no escrutínio do último domingo de janeiro.

Por várias vezes, João Cotrim Figueiredo afastou a possibilidade de participar numa solução que envolva o Chega, alegando que esta é “a linha vermelha” da Iniciativa Liberal. No debate frente a André Ventura, João Cotrim Figueiredo explica o motivo da decisão: “o Chega não é confiável” porque “diz tudo e o seu contrário”.