"Independência espiritual". Ucrânia aprova proibição da Igreja Ortodoxa Russa no país

por Graça Andrade ramos - RTP
O Mosteiro das Cavernas de Kiev já foi sede da Igreja Ortodoxa Ucraniana, dependente do patriarcado de Moscovo Sergei Supinsky - AFP

O Parlamento da Ucrânia aprovou um decreto-lei a banir quaisquer atividades da Igreja Ortodoxa Russa em território ucraniano. O texto foi votado favoravelmente esta terça-feira por 265 deputados. O mínimo requerido era 226.

O documento necessita ainda da assinatura de Volodymyr Zelensky, que não deverá tardar, uma vez que foi o próprio presidente da Ucrânia a propor a legislação. 

"Foi adotada uma lei sobre a nossa independência espiritual", regozijou-se Zelensky nas redes sociais.

"Não vai existir nenhuma Igreja de Moscovo na Ucrânia", reagiu também, na rede Telegram, o chefe de gabinete do presidente ucraniano, Andriy Yermak.

A deputada da oposição, Iryna Gerashchenko, aplaudiu o resultado. "Decisão histórica! O Parlamento votou um projeto-lei que proibe uma filial do país agressor na Ucrânia", escreveu. "Esta é uma questão de segurança nacional, não de religião", acrescentou no Telegram.

A legislação visa ainda proibir o funcionamento de organizações religiosas com ligações à Igreja Ortodoxa Russa, especificamente a Igreja Ortodoxa Ucraniana, IOU, que depende do patriarcado de Moscovo. 

Kiev considera a IOU, minoritária no país, um centro de influência russo e cúmplice da invasão decidida pelo Kremlin.

Em Moscovo, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, acusou a Ucrânia de tentar "destruir a ortodoxia canónica e verdadeira e colocar em seu lugar uma substituta, uma igreja falsa".

O patriarcado de Moscovo denunciou um "ato ilegal" que viola os "Direitos Humanos".
O fim de três séculos de influência
A Igreja Ortodoxa Ucraniana já foi a mais popular no país, onde a maioria dos habitantes segue o ramo ortodoxo do cristianismo. 

O aprofundar do sentimento nacionalista ucraniano levou à debandada dos fiéis nos anos mais recentes, sobretudo com a criação, em 2018, de uma Igreja Ortodoxa da Ucrânia, independente de Moscovo.

Depois a invasão russa em fevereiro de 2022, abertamente apoiada pelo patriarca russo Kirill, o destino da IOU ficou selado, apesar deste ramo do patriaracado moscovita na Ucrânia ter meses depois repudiado todos os laços.

As autoridades ucranianas nunca acreditaram no desaparecimento da influência russa, tendo multiplicado ações judiciais contra a Igreja. De acordo com os Serviços de Segurança ucranianos, SBU, mais de 100 sacerdotes da IOU foram visados por alegações penais desde 2022, tendo 26 sido condenados em tribunal.

Em 2023, no seguimento de uma série de medidas de distanciamento do legado russo, a Ucrânia passou a celebrar o Natal a 25 de dezembro, em vez de 7 de janeiro tradicional ortodoxo.

A imprensa indica que a IOU mantém cerca de nove mil paróquias na Ucrânia, com a sua rival independente a administrar de oito a nove mil. 
Rezar em tendas
A nova legislação abre a possibilidade das dioceses e paróquias da IOU serem obrigadas a fechar portas, mas deverá levar meses, se não anos, a ser aplicada na prática, uma vez que cada encerramento deve ser decido isoladamente em tribunal.

Os fiéis remanescentes não se conformam. Svetlana, de 56 anos, foi entrevistada pela Agência France Presse enquanto rezava com um grupo frente ao célebre Mosteiro das Cavernas de Kiev, antiga sede da Igreja Ortodoxa Ucraniana.

"Fui batizada e casei-me nesta Igreja", lamentou, inquieta com o seu encerramento. "As pessoas continuarão a rezar nas ruas, iremos instalar tendas".

Igor, um músico de 21 anos, representa outra geração e outra mentalidade. "Apoio totalmente esta proibição", afirmou, acusando a IOU de constituir na verdade "um serviço especial do Kremlin".

Uma sondagem em 2023, do instituto Nacional de sociologia de Kiev, indicou que 66 por cento dos ucranianos são favoráveis à proibição da igreja dependente de Moscovo. 

Já 54 por cento identificavam-se com a Igreja Ortodoxa independente e apenas quatro por cento com a ligada ao patriarcado russo. Em 2022, as percentagens eram de 42 e de 18 por cento, respetivamente.

com agências
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