A impunidade é a principal causa da violência dos agentes policiais no Brasil, avaliou Cesar Munoz, investigador sénior para o Brasil da Human Rights Watch (HRW) durante a apresentação do relatório global da ONG sobre direitos humanos, divulgado hoje.
"A raiz fundamental deste problema crónico que vivemos no Brasil é a impunidade. É um problema muito prejudicial e que tem muitos efeitos colaterais. A violência dos polícias tem um impacto imediato e trágico nas comunidades [favelas] que são onde estão, principalmente, as vítimas [das polícias]. Também temos de recordar que 80% das vítimas da violência policial são pessoas negras, no Brasil", disse Munoz.
"Há também um impacto sobre a segurança pública porque as pessoas não confiam na polícia. Esta confiança da comunidade é fundamental para combater a criminalidade", acrescentou o especialista.
Segundo relatório divulgado hoje pela HRW, em todo o Brasil os assassínios cometidos pela polícia aumentaram 6% no primeiro semestre de 2020.
Já os homicídios registados no país sul-americano, incluindo crimes que não foram praticados por agentes públicos das forças de segurança, cresceram 7% no primeiro semestre de 2020, revertendo dois anos de taxas decrescentes.
"Os números subiram mesmo num momento em que o índice de criminalidade caiu devido à pandemia, já que menos pessoas estavam a circular nas ruas. Ainda assim, houve um aumento da violência e das mortes causadas pela polícia", frisou o pesquisador da HRW.
Munoz contou que em entrevistas que realizou com agentes das polícias brasileiras percebeu que a falta de punição dos infratores dentro das corporações inibe o trabalho dos bons agentes que têm de conviver com profissionais abusivos, que usam a força de forma ilegal, muitas vezes correndo risco de vida.
"Quando há comportamentos abusivos é preciso atuar e não pode haver impunidade porque isto vai criar dentro da polícia uma cultura de impunidade que vai prejudicar toda a gente. Precisamos de mais controlo da polícia [no Brasil]. Quem cometer crimes tem de pagar por eles, mesmo que seja uma pessoa vestida com um uniforme", defendeu o investigador da HRW.
No relatório, a ONG alertou que o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, não tem combatido a violência policial, tendo, por vezes, até mesmo a encorajado atos ilícitos e excessivos.
Questionado sobre projetos apoiados pelo Governo brasileiro para a área de segurança pública, como a aprovação no Congresso de um dispositivo chamado excludente de ilicitude, que na prática poderá impedir que polícias que matam durante o trabalho sejam punidos pela justiça mesmo em caso de excessos comprovados, e sobre outra lei que pretende dar mais autonomia aos comandos das polícias brasileiras, já em debate entre os legisladores brasileiros, Munoz defendeu novamente que a solução é aumentar o controlo e não flexibilizar normas.
"A raiz do problema é a impunidade. É necessário um controlo maior da polícia pela sociedade civil (...) Dar mais autonomia à polícia num momento em há mais de 6 mil mortes provocadas pela polícia por ano não é solução, ao contrário, é preciso ter mais controlo. As propostas deveriam ir no sentido contrário", concluiu.