As eleições legislativas ocorreram há mês e meio, os Jogos Olímpicos já lá vão e a França continua com um Governo demissionário, chefiado por Gabriel Attal. Emmanuel Macron decidiu esta segunda-feira regressar às consultas em busca de solução abrangente, "em nome da estabilidade" e para "não enfraquecer" a França.
O presidente voltou assim a desiludir as pretensões da esquerda, rejeitando nomear um Governo composto "unicamente" pelos quatro partidos que compõem a aliança vencedora das últimas eleições, a Nova Frente Popular.
"O presidente da República constatou que um governo baseado unicamente
no programa e nos partidos propostos pela aliança com mais deputados, a
Nova Frente Popular, seria imediatamente censurado por todos os grupos
representados na Assembleia Nacional", anunciou o Eliseu esta tarde, em
comunicado.
"Um tal Governo iria enfrentar imediatamente uma maioria de mais de 350 deputados contra si, impedindo-o de facto de agir", frisou o texto.
"Um tal Governo iria enfrentar imediatamente uma maioria de mais de 350 deputados contra si, impedindo-o de facto de agir", frisou o texto.
"Tendo em conta a vontade expressa dos
responsáveis políticos consultados, a estabilidade institucional do
nosso país impõe portanto não insistir nesta opção", acrescentou.
A Nova Frente Popular reagiu em fúria e acusou o presidente de "procrastinar".
Comunistas, socialistas, insubmissos e verdes demoraram semanas a encontrar um nome que os representasse. A escolha acabou por recair sobre Lucie Castets, uma burocrata e funcionária pública francesa praticamente desconhecida do grande público.
Castets foi contudo rejeitada pelos restantes grupos políticos, dando argumentos a Macron, após uma ronda de audiências entre os dias 23 e 26 de agosto, para insistir noutra solução.
O gabinete presidencial anunciou assim o início de uma nova ronda de audiências já a partir de terça-feira, 27 de agosto, "com os responsáveis dos partidos e personalidades que se tenham distinguido pela experiência ao serviço do Estado e da República".
O texto do Eliseu deixou também apelos à colaboração, após críticas veladas a comunistas, ecologistas e socialistas, por não terem apresentado até agora "caminhos para cooperar com outras forças políticas". "Cabe-lhes agora fazê-lo", aconselhou.
"O chefe de Estado apela o conjunto dos responsáveis políticos a responder à altura do momento dando provas de sentido de responsabilidade", frisou ainda o texto, antes de dar ´voz´a Macron.
"O presidente da República declara: "a minha responsabilidade é que o país não fique nem bloqueado nem enfraquecido. Os partidos políticos de governo não devem esquecer as circunstâncias excecionais da eleição dos seus deputados na segunda volta das legislativas. Este voto obriga-os", referiu em remate o comunicado do Eliseu.
Braço de ferro
A reação imediata e mais revoltada do partido A França Insubmissa, da esquerda radical, ameaçou o chefe de Estado francês diretamente, voltando a apelar ao seu afastamento.
"A moção de destituição vai ser interposta", prometeu o seu líder, Jean-Luc Mélenchon, denunciando uma situação "de uma gravidade excepcional". "A resposta popular e política deve ser rápida e firme", desafiou ainda no X.
Na mesma rede social, a secretária nacional dos ecologistas rejeitou os argumentos do chefe de Estado. "O comunicado de Emmanuel Macron é uma vergonha", denunciou Marine Tondelier
Numa declaração conjunta, os quatro líderes dos partidos na NFP anunciaram que só voltariam ao Eliseu para discutir um governo de coabitação com a candidata da aliança Lucie Castets como primeira-ministra. "O presidente da República deve agora agir e nomear Lucie Castets", afirmaram.
Jean-Luc Mélenchon e os seus insubmissos da LFI são contudo parte crucial do impasse que se vive em França. A maioria dos restantes partidos receia vê-lo com um cargo no executivo assim como a influência da sua agenda radical nas decisões políticas.
Ciente da dificuldade, Mélenchon já admitiu não ter qualquer cargo governamental mas nem essa proposta surtiu efeito.
Caso o braço de ferro se mantenha, a solução para o impasse poderá passar pela nomeação de um Governo "técnico", de nomeação de ministros sem filiação partidária para gerir os assuntos correntes e implementar algumas reformas consensuais, com apoio dos diferentes blocos partidários na Assembleia, caso a caso. Um modelo seguido amiúde em Itália.
Já o processo de destituição de Macron é uma possibilidade prevista na Constituição francesa ao abrigo do artigo 68, o qual admite esse passo em caso de "falta de cumprimento dos seus deveres de forma manifestamente incompatível com o exercício do seu mandato".
Esta "falta" pode tanto abranger os comportamentos político como privado do chefe de Estado, caso um ou ambos atentem contra a "dignidade da função".
O procedimento deve contudo ser aprovada tanto pela Assembleia como pelo Senado, algo que se afigura improvável dada a constituição política atual das duas câmaras parlamentares em França.