Ilha de Gardi Sugdub prestes a ficar submersa. Centenas de famílias indígenas afetadas

por Carla Quirino - RTP
Vista aérea da ilha Gardi Sugdub, província Guna Yala, na costa das Caraíbas, no Panamá , Indígenas Martin Bernetti - AFP

Cerca de três centenas de famílias residentes em Gardi Sugdub estão a ser realojadas no continente devido à subida do nível da água do mar. A pequena ilha das Caraíbas é a primeira zona do Panamá a ser abandonada devido às alterações climáticas.

“Estamos um pouco tristes, porque vamos deixar para trás as casas que conhecemos durante toda a vida, a relação com o mar, onde pescamos, onde tomamos banho e para onde vêm os turistas. O mar está a afundar a ilha aos poucos”, explica Nadín Morales, de 24 anos. Prepara-se para ser transferida com a mãe, o tio e o namorado.

É um dos muitos relatos dos residentes da ilha de Gardi Sugdub, que está a ser engolida pelo mar.

Gardi Sugdub (ou Carti Sugtupu) é uma das 50 ilhas povoadas do arquipélago San Blas na província de Guna Yala. Tem cerca de 400 metros de comprimento e 150 metros de largura. Vista de cima, tem uma forma oval delimitada por dezenas de pequenos portos onde os moradores amarram seus barcos.

Nos últimos anos, as tempestades têm provocado grandes cheias que tendem a piorar com o nível da água do mar a subir. Por sua vez, a temperatura aquece o oceano e alimenta o sistema climático El Niño.

A população indígena – os gunas - ainda tentou reforçar o perímetro da ilha com pedras e estacas, mas a água do mar não foi travada.
Abandono da ilha
Cerca de 300 famílias indígenas estão, esta semana, a empacotar os pertences, preparando-se para uma mudança dramática. Gerações de gunas, que cresceram em Gardi Sugdub, estão prestes a trocar uma vida dedicada ao mar e ao turismo por terra firme do continente.

“Ultimamente, tenho visto que as alterações climáticas têm tido um grande impacto”, descreve Morales. “Agora a maré chega a um nível nunca antes alcançado e o calor é insuportável”, acrescenta.

Transporte dos bens dos moradores da ilha para o continente | Gabriel Rodriguez - EPA

Evelio López, um professor de 61 anos que vive no local, explicou à NBC que “sair da ilha é um grande desafio, porque mais de 200 anos da nossa cultura vem do mar”. Diz-se apreensivo por ter de "abandonar o mar, as atividades económicas que lá na ilha".

"E agora passarmos para terra firme, na floresta. Vamos ver qual será o resultado no longo prazo".
Realojamento na floresta
Há 20 anos que o governo autónomo dos Guna já tinha abordado a questão de deixar a ilha. Se o primeiro motivo se prendia com a falta de espaço, rapidamente os efeitos das alterações climáticas aceleraram a decisão.

O Governo do Panamá desenvolveu a um custo de 11 milhões de euros novas habitações para receber a população de Gardi Sugdub. As casas de betão organizadas como uma grade de ruas pavimentadas localizam-se na exuberante floresta tropical, a pouco mais de dois quilómetros do porto. A viagem de barco demora oito minutos entre a ilha e a nova urbanização.
38 mil pessoas afetadas
Steven Paton, diretor do programa que faz a monitorização física do Smithsonian Institution no Panamá, argumentou que esta necessidade de retirar as pessoas de Gardi Sugdub “é uma consequência direta das alterações climáticas devido ao aumento do nível do mar”.

“As ilhas estão, em média, apenas meio metro acima do nível do mar e, à medida que esse nível aumenta, mais cedo ou mais tarde, os Gunas terão de abandonar todas as ilhas, quase certamente até ao final do século ou antes”, alerta.

Paton deixa claro que não serão atingidas apenas estas ilhas: “todas as costas do mundo estão a ser afetadas, embora em velocidades diferentes”.


Residente indígena Guna prepara-se para abandonar a ilha | Gabriel Rodriguez - EPA

A corroborar esta tendência, foi apresentado um estudo recente, realizado pela Direção de Alterações Climáticas do Ministério do Ambiente do Panamá, com o apoio de universidades panamianas e espanholas, que estima que o país perderá cerca de 2,01 por cento do território costeiro devido à subida do nível do mar, até 2050.

O Panamá avalia que o realojamento dos cerca de 38 mil habitantes nas zonas costeiras afetadas custará cerca de 1,10 mil milhões de euros, sublinhou Ligia Castro, diretora de alterações climáticas do Ministério do Ambiente.

Apesar das pressões climáticas, alguns residentes optaram por permanecer em Gardi Sugdub até que as circunstâncias se tornem insustentáveis. O Ministério da Habitação do Panamá sublinha que ninguém está a ser coagido a sair contra a sua vontade.


Equipas de emergência ajudam na transferência da população Guna | Presidência do Panamá via Reuters


Porém, Gardi Sugdub prepara-se para se despedir do passado histórico. A situação dos seus residentes serve como um lembrete claro para a necessidade urgente de uma ação concertada globalmente para mitigar os impactos das alterações climáticas.
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