Humanidade aposta em astronomia, esperança e perseverança em Marte

O Planeta Vermelho recebe a partir desta terça-feira mais três sondas espaciais terrestres. A primeira a chegar é a Hope (Esperança), dos Emirados Árabes Unidos. Seguem-se, na quarta-feira, a chinesa Tianwen-1 (Astronomia 1) e, no dia 18, a norte-americana Perserverance (Perseverança). As três sondas, duas das quais levam "rovers" exploratórios, têm missões muito diferentes, mas com um objetivo comum: conhecer melhor o Planeta Vermelho.

Foram lançadas há cerca de sete meses, período em que a distância entre a Terra e Marte era a menor nos próximos dois anos e, agora, o mês de fevereiro é finalmente a altura para as colocar no local para onde foram programadas.

Uma longa etapa em que cada sonda teve de percorrer cerca de 400 milhões de quilómetros entre os dois planetas, não sabendo as equipas que as construíram o desfecho final das criações. Uma das fases mais críticas da missão é precisamente travar as sondas para que não cheguem demasiado depressa ao planeta. O que pode significar a automática destruição no solo vermelho.

Miguel Gonçalves, comentador da RTP para assuntos do Espaço, explica que esta espécie de corrida é a incessante procura de vida em Marte.

“Esta corrida a Marte explica-se pelos mistérios do passado, do presente e muito provavelmente do futuro, que Marte continua a disputar na comunidade científica, que nos leva sempre àquela questão em que os autores de ficção científica estão muito habituados a pegar, que é sempre a questão da astrobiologia, ou seja, da eventual vida em Marte”.

As sondas - muitas já lá estão e outras não conseguiram sobreviver, desde os anos 60 do século passado - procuram desvendar o que se passou geologicamente no planeta árido e vermelho e se ainda há presença de vida no subsolo. “Porque perceber a evolução de um planeta é também perceber a evolução do nosso próprio planeta”, refere Miguel Gonçalves.


O sucesso das missões não pode ser garantido. Mais da metade das viagens de sondas a Marte falharam. Na verdade, apenas os Estados Unidos conseguiram amartar aparelhos, conseguindo esse feito já por oito vezes desde 1976, e alguns com delicados ou pesadíssimos instrumentos, como é o caso dos rovers exploratórios (Sojourner -1997, Spirit and Opportunity - 2004, Curiosity - 2012).
Hope (Emirados Árabes Unidos)
A corrida a Marte abre-se com uma janela de esperança. Pelo menos assim esperam os estreantes espaciais dos Emirados Árabes Unidos. Lançada a partir do Centro Espacial Tanegashima, no Japão, a 19 de julho de 2020, a sonda Hope, da Emirates Mars Mission, é a primeira a alcançar e a tentar orbitar Marte.

A missão desta sonda não tem como objetivo pousar na superfície, mas sim orbitar o planeta por um ano marciano inteiro (687 dias).

A principal missão será monitorizar os ciclos meteorológicos do planeta. Dentro desta pesquisa, a Hope vai procurar dados que possam de alguma forma fornecer informação sobre o porquê de Marte estar a perder hidrogénio e oxigénio para o espaço.

Embora esta não seja a primeira sonda a orbitar Marte, sendo que há já 14 satélites a fazer isso mesmo, a sonda EMM é mais um marco e um símbolo do progresso científico dos Emirados Árabes Unidos neste campo tão particular, sendo a quinta nação a alcançar o planeta, coincidindo com o 50.º aniversário do seu nascimento.

Foto: WAM/DR

“É uma missão muitíssimo interessante”, diz Miguel Gonçalves. “Estamos a falar da primeira nação árabe que chega a um outro corpo do sistema solar. Esta é uma missão que tem uma carga científica modesta e a Hope vai ficar numa orbita muito elevada para conhecer a alta atmosfera de Marte”.

Uma missão espacial que tem ainda uma outra particularidade, a cooperação internacional, pois tem muita tecnologia e engenharia norte-americana e foi lançada por um foguete japonês.

Serve também um propósito de futuro: os lideres árabes querem dar inspiração aos jovens para que estudem esta área promissora, além de preparar o país para uma outra economia.


A sonda dos Emirados está prevista ficar alojada numa órbita elíptica que ronda entre os 1.000 e 49.380 km da superfície de Marte.
Tianwen 1 (China, 10 de fevereiro)
Depois de duas missões com excelente resultado à face oculta da Lua, a China quer agora marcar presença em Marte e logo com um pequeno rover cientifico à imagem e semelhança dos concorrentes e experientes norte-americanos.

Uma prova de que os norte-americanos não são a única superpotência, nem na Terra, nem no espaço.

Lançada a 23 de julho de 2020, a missão chinesa Tianwen-1 tem como objectivo, à semelhança do que fez na lua, colocar um rover na superfície marciana. Mas apesar de a sonda, que transporta o rover, chegar no dia 10 de fevereiro, o módulo de pouso só deverá entrar em Marte em maio, analisando a equipa cientifica chinesa na Terra o melhor local para amartar.

Créditos. CGTN/DR

Embora muitos detalhes sobre a Tianwen estejam ainda envoltos em segredo, os objetivos centrais já foram revelados e incluem a criação de um mapa geológico de Marte e a localização de potenciais depósitos de gelo de água. Uma tarefa que será feita em órbita e que deverá determinar o local para onde o rover de 240 quilos, equipado com seis instrumentos, incluindo duas câmaras e um radar, será enviado.

Para Miguel Gonçalves, apesar do investimento nesta área ser ainda modesto, a China continua a investir significativamente no seu programa de exploração espacial: “Com um orçamento muito poderoso para estas andanças… eu relembro que o orçamento da NASA anda por volta dos 20 biliões (USD). O programa espacial chinês e com dados de 2017 apontava para um orçamento de 11 biliões (USD). Portanto, estamos a ter um investimento cada vez mais crescente por parte da Agência Espacial Chinesa”.

O comentador da RTP relembra que a China, neste momento, “triunfa” muito mais do que os norte-americanos, com a colocação de dois rovers no lado menos conhecido da superfície lunar.
Esta missão chinesa é já a segunda tentativa de chegar a Marte. A primeira realizou-se em 2011, tendo a Yinghuo ficado presa à órbita da Terra após um mau funcionamento.
Rover Perseverance (NASA, 18 de fevereiro)
“Se o formato é vencedor, então usa-o”. Este parece ser o lema da NASA no envio de equipamento científico para Marte.

Depois de os primeiros rovers terem demonstrado a capacidade, a resistência e a eficácia, quer nos resultados, quer nos objetivos mais do que superados na dura superfície marciana, a NASA continua a apostar no envio de mais um “super” todo-o-terreno artilhado com um vasto laboratório ambulante.

Com esta aposta, a somar ao Spirit e à Curiosity, os norte-americanos continuam a procurar vestígios biológicos em Marte. Sem perder a Opportunity, enviaram mais um sofisticado SUV científico.

Para chegar ao seu objetivo, a NASA quer fazer aterrar o novo veículo na cratera de Jezero - um lugar que se estima ter albergado água há cerca de 3,5 mil milhões de anos.

Créditos: NASA/DR

A Perserverance é, de todos os modelos já enviados pela agência norte-americana, o mais pesado (1.050 quilos), mas também o mais bem equipado, com 23 câmaras de media de alta resolução e uma broca para recolher amostras do solo. Mas há mais.
Este carro blindado à prova da exigente meteorologia marciana também vai equipado com microfones, que prometem deliciar os cientistas e todos os interessados neste tipo de missões exploratórias, registando e enviando para a Terra os primeiros sons na superfície de outro planeta.

As surpresas não ficam por aqui, porque este supergadget terrestre ainda transportará um mini helicóptero de 1,8 quilos (Ingenuity), que irá sobrevoar várias zonas de Marte, transmitindo o sinal ao rover, que por sua vez fará chegar os dados e imagens à Terra.

Miguel Gonçalves diz que este novo rover é um feito tecnológico e serve à comunidade científica para estudar a dinâmica de Marte. Apesar de haver uma enorme diferença entre os rovers chinês e norte-americano, o comentador diz-se muito curioso quanto aos resuldados que serão obtidos.

O que Marte tem para oferecer
O ser humano sempre olhou para Marte como um planeta do sistema solar potencialmente capaz de suportar vida. O que não quer dizer que tivesse de ser exatamente como aquela que conhecemos na Terra. Daí a imaginação coletiva que atribuía ao Planeta Cermelho - devido à forte presença de óxido de ferro -  uma outra civilização: os míticos marcianos.

Com o progresso científico, a realidade acabou por substituir a ficção. Várias e cada vez mais sofisticadas sondas deram a conhecer um planeta árido, com violentas empestades de areia, cheio de crateras formadas por impactos de asteróides, apresentando contudo diversas estrias, como se fossem antigos leitos de rios.

Razão pela qual se acredita que, em tempo muito remotos, houve a água em Marte e este planeta tenha sido semelhante ao nosso.

Estudos da NASA, em 2004, vieram a comprovar algumas dessas teorias e confirmaram sinais da existência de água no passado. Atualmente sabe-se, através das sondas que foram sendo enviadas, que Marte possui gelo nos pólos, não de água, mas de gás carbónico - "gelo seco" - abundante na atmosfera.

Se não há água à superfície e o planeta é basicamente pó e pedras, qual o interesse?

Para Miguel Gonçalves, ex-coordenador nacional da Sociedade Planetária, Marte aparenta oferecer condições para um estabelecimento de uma colónia humana, com maior facilidade do que a Lua, isto porque existe, mesmo que ténue, uma atmosfera com oxigénio, dióxido de carbono e hidrogénio. E quem sabe energia geotérmica.

“Enquanto a Lua tem todo um historial de evolução geológica e química e muito diferenciada da de Marte, o Planeta Vermelho tem ali uma possibilidade de se poder utilizar aqueles que são os seus eventuais recursos, de gelo, de ar e de água, eventualmente no subsolo para habitats e sistemas de propulsão in sito (no local)”, refere o comentador.

"O que os dados nos apresentam é que Marte tem muitos mais recursos, ali na atmosfera, no subsolo, que podem permitir uma estadia mais prolongada da humanidade nesse planeta”.


Mas Miguel Gonçalves alerta para a fraca resistência humana às diferenças gravitacionais dos outros planetas. Esse é ainda o maior obstáculo à exploração espacial.

Para já, a evolução tecnológica vai servindo não só para a exploração espacial, mas também para o desenvolvimento de muitas ferramentas que servem a humanidade neste planeta ainda azul.