Várias dezenas de automobilistas e população tentam hoje abastecer num dos poucos postos ainda com combustível na capital moçambicana, com militares a tentar orientar o caos no local, em mais um dia de tensão pós-eleitoral no país.
"Não sei se vou conseguir chegar até lá. Deve acabar antes o combustível na bomba", atirava um automobilista, há mais de uma hora na fila que tomou conta das vias de acesso à praça da Organização da Mulher Moçambicana (OMM), centro de Maputo, enquanto um grupo de militares tentava abrir caminho para, pelo menos, as ambulâncias passarem.
Pela frente tem mais de 20 viaturas, bem como dezenas de populares com garrafões que tentam abastecer diretamente: "Está difícil, está tudo fechado".
Aquele posto de combustível, da Galp, era, ao início da tarde, um dos poucos a funcionar em Maputo já que os poucos que abriram ao início do dia foram fechando, por falta de combustível para venda.
A petrolífera portuguesa foi, de resto, uma das que teve pelo menos uma loja de conveniência saqueada e vandalizada nos últimos dias, nas manifestações pós-eleitorais, nos arredores de Maputo.
Inquieta, praticamente no início da mesma fila na OMM, uma automobilista pedia ao filho para sair e ir a pé tentar encher diretamente gasóleo: "Leva dois garrafões", ordenava, enquanto ficava com o automóvel parado na longa fila, que tornava praticamente intransitável o cruzamento com a avenida Joaquim Chissano.
O centro de Maputo voltou hoje a acordar deserto, sem transportes públicos a funcionar, num clima de tensão social após o anúncio dos resultados das eleições gerais moçambicanas, com enormes filas nos poucos estabelecimentos de portas abertas.
Numa ronda pela cidade foi possível constatar que a generalidade das instituições, bancos, empresas, comércios e restaurantes estão fechados e nos raros pequenos supermercados abertos avolumam-se filas de dezenas de pessoas no exterior, a aguardar vaga para entrar.
Moçambique vive o quarto dia de tensão social na sequência do anúncio dos resultados finais das eleições gerais, marcados nos anteriores por saques, vandalizações e barricadas, nomeadamente em Maputo.
Pelo menos 252 pessoas morreram nas manifestações pós-eleitorais em Moçambique desde 21 de outubro, metade das quais apenas desde o anúncio dos resultados finais, na segunda-feira, segundo novo balanço feito hoje pela plataforma eleitoral Decide.
De acordo com o mais recente balanço daquela Organização Não-Governamental (ONG) moçambicana que monitoriza os processos eleitorais, com dados até às 09:00 (menos duas horas em Lisboa) de hoje, só desde 23 de dezembro já morreram nestas manifestações 125 pessoas, das quais 34 na província de Maputo e 18 na cidade capital, sul do país.
Há ainda registo de 26 mortos na província de Nampula (norte) e 33 em Sofala em menos de três dias.
Ainda desde segunda-feira, aquela ONG contabilizou 224 pessoas baleadas, das quais 59 na cidade de Maputo e 37 na província de Maputo, bem como 43 em Nampula e 65 em Sofala.
Desde 21 de outubro, o registo da plataforma eleitoral Decide contabiliza 569 pessoas baleadas em todo o país, além de 252 mortos e seis desaparecidos.
Somam-se ainda 4.175 detidos desde o início da contestação pós-eleitoral, 137 dos quais desde segunda-feira.
O Conselho Constitucional de Moçambique proclamou na tarde de segunda-feira Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), como vencedor da eleição a Presidente da República, com 65,17% dos votos, sucedendo no cargo a Filipe Nyusi, bem como a vitória da Frelimo, que manteve a maioria parlamentar, nas eleições gerais de 09 de outubro.
Este anúncio provocou o caos em todo o país, com manifestantes pró-Venâncio Mondlane - que segundo o Conselho Constitucional obteve apenas 24% dos votos - nas ruas, barricadas, pilhagens e confrontos com a polícia, que tem vindo a realizar disparos para tentar a desmobilização.