Homicídio de Brian Thompson. CEO da UnitedHealth ensaia "mea culpa" da seguradora

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Andrew Witty, a 1 de maio, quando testemunhou perante um comité do Senado, nos Estados Unidos. Kent Nishimura - Getty Images via AFP

Entre a elegia e o perdão. É assim que Andrew Witty, o diretor executivo (CEO) do grupo UnitedHealth, se dirige aos americanos num artigo de opinião publicado em The New York Times na ressaca da morte de Brian Thompson. O CEO da gigante dos planos de saúde UnitedHealthcare foi assassinado na passada semana à entrada para um hotel na Sexta Avenida, em Nova Iorque, alegadamente por Luigi Mangioni e cujas motivações suscitam ainda todo o tipo de reações, em particular num debate que há vários dias está aceso nas redes sociais.

Apesar da brutalidade do crime que vitimou Brian Thompson, 50 anos e pai de dois filhos adolescentes, um crime documentado pelo circuito de vídeo-vigilância, uma boa parte das reações não é de pesar.

Carrega-se antes no criticismo pela vítima, rapidamente visto como um responsável pelos engulhos do sistema de saúde dos americanos, e no apoio de Mangioni, um ex-aluno da Ivy League – grupo de universidades de elite nos Estados Unidos – de 26 anos e que foi identificado pela polícia como o potencial atirador.

Mangioni, estudante na Universidade da Pensilvânia onde se licenciou em Informática, terá sido mesmo assistente na Universidade de Stanford, vem de uma família abastada do ramo do imobiliário no Estado do Maryland.

Detido num McDonald’s a 500 quilómetros do local do crime, a defesa diz que ainda estão por apresentar as provas de que seja ele o atirador. 

Mas um manifesto endereçado alegadamente pelo próprio à polícia desfaz o véu, de qualquer forma diáfano – a ver pelas reações dos americanos, que esconderia as motivações do crime: “Estes parasitas estavam mesmo a pedi-las”. 

Eles, as seguradoras do ramo da saúde, que muitos responsabilizam pela falta de cuidados a que são votados muitos americanos, levando mesmo à morte, acusam os internautas no debate intenso que as redes têm proporcionado desde a quarta-feira da semana passada, dia do homicídio.

Em suma, Luigi Mangioni é o último justiceiro do folclore popular norte-americano e será uma imagem difícil de destruir. As redes sociais já o veem como o herói que luta contra os gigantes das seguradoras por aqueles que morreram ao serem-lhes negados cuidados de saúde vitais. É a outra face desta moeda que terá levado esta sexta-feira o novo CEO da UnitedHealth às páginas do New York Times.

Andrew Witty inicia com uma elegia que terminará a incensar as qualidades de Brian Thompson, propondo a descrição de um self-made man que subiu da base ao topo assente em fortes e defensáveis valores de uma família de meio rural, um CEO que prezava a humanidade com que encarava os problemas do outro.

Pelo meio, Witty assume os problemas do “sistema de saúde”, que “não funciona tão bem como deveria”, um sistema “como o que temos, que ninguém desenharia”.

Que ninguém desenharia e que “ninguém assim fez”, acrescenta, para admitir que compreende a frustração dos americanos com o setor dos cuidados médicos.

“Sabemos que o sistema de saúde não funciona tão bem como deveria e compreendemos as frustrações das pessoas. Ninguém desenharia um sistema como o que temos. E ninguém o fez. É uma colcha de retalhos construída ao longo de décadas”, escreve Andrew Witty, para dizer de seguida que “a nossa missão é ajudar a fazê-lo funcionar melhor”.

Manifesta, nesse sentido, abertura para trabalhar com os seus parceiros – prestadores de cuidados de saúde, empregadores, doentes, empresas farmacêuticas, governos e outros – para "encontrar formas de prestar cuidados de alta qualidade e reduzir os custos” desses cuidados.

Adam Bettcher - Getty Images via AFP 


O mea culpa do diretor executivo do Grupo UnitedHealth merece contudo uma resposta contundente na caixa de comentários do NYT ao artigo: “Não é complicado! Eu pago o seguro e vocês pagam a conta se eu precisar de cuidados de saúde. Mas, em vez disso, é eu pago e vocês fazem tudo o que podem para evitar pagar”, pode ler-se numa das reações;

“Acho que o Sr. Diretor executivo está a insultar a inteligência dos leitores nesta tentativa de fazer com que esta história desapareça”, refere outro leitor.

São depois muitos os que comentam o artigo que referem que se trata aqui “apenas de palavras”.

Nas redes sociais, é a fórmula adversativa que tem dominado estes últimos dias: eu não concordo com a ideia de matar alguém, mas…



São muitos os posts condenatórios, mas a ideia professada por milhares de que existiu justiça no ato da quarta-feira da semana passada estará já a levar a um debate mais acima, ao nível dos decisores.
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