O primeiro ministro da Saúde de Moçambique, Hélder Martins, histórico membro da Frelimo, apontou hoje a "fraude eleitoral" como principal causa da contestação pós-eleitoral, afirmando que a violência sobre manifestantes expôs um "desprezo abominável pela vida".
"Todos os relatórios independentes de observadores nacionais e internacionais comprovam que nas eleições autárquicas do ano passado e, sobretudo, nas recentes eleições (...) houve irregularidades gravíssimas para beneficiar o partido Frelimo", lê-se na carta de Hélder Martins, dirigida ao presidente da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Filipe Nyusi, e ao seu secretário-geral, Daniel Chapo.
Na referida carta, a que a Lusa teve acesso hoje, Hélder Martins, um dos 300 fundadores - apenas cinco ainda vivos - da Frelimo e ministro da Saúde nos primeiros cinco anos da independência de Moçambique, em 1975, indica que os órgãos de administração eleitoral deviam "velar pela transparência e justeza do processo", mas estão "totalmente descredibilizados" aos olhos dos moçambicanos.
"Em suma: foi consagrada a fraude eleitoral da forma mais vergonhosa, pelo que não pode ser ignorada pelo nosso partido. Esta é, igualmente, uma das causas de muitos votantes, incluindo militantes e simpatizantes, terem deixado de votar no nosso partido", denunciou.
"Essa fraude eleitoral é a causa de toda a instabilidade sociopolítica que se seguiu e se mantém nas principais cidades do país e ela veio expor uma perceção popular, extremamente preocupante, de que a Frelimo abandonou o povo", acrescentou.
Para Hélder Martins, a repressão policial "contra manifestações legítimas", em referência aos protestos convocados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, é um "atentado" à Constituição da República.
"Tais atuações expõem um abominável desprezo pela vida humana, de moçambicanos por outros moçambicanos. A recente ameaça velada de recurso às Forças Armadas para combater manifestações e as declarações autoritárias, próprias de dirigentes fascistas, dos principais responsáveis pela violência policial foram totalmente contraproducentes", apontou.
Na mesma carta, Hélder Martins avisa que "pensar que se pode vencer na política com tirania" é um erro "gravíssimo": "A violência desmedida da repressão policial só pode gerar violência e desordem pelos que foram violentados".
Em face às manifestações que continuam um pouco por todo o país, sobretudo na capital moçambicana, Hélder Martins sugere a realização do que chamou de "Conferência Nacional Abrangente" para análise da situação do país, visando o "consenso nacional alargado".
"Essa Conferência Nacional Abrangente tem um caráter de extrema urgência e não deve esperar pelo veredicto do Conselho Constitucional, que já demonstrou a sua incapacidade para considerar o impacto social, económico e político, das suas decisões, na vida nacional", referiu o ex-governante, avisando que é imperiosa a participação dos candidatos presidenciais na referida conferência, que deverá incluir académicos e membros da sociedade civil.
Venâncio Mondlane anunciou hoje aceitar a reunião pedida pelo Presidente moçambicano com os quatro candidatos presidenciais às eleições de outubro, para resolver o conflito pós-eleitoral que afeta o país há um mês, fazendo depender a sua participação da agenda da reunião.
Venâncio Mondlane contesta a atribuição da vitória a Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), com 70,67% dos votos, segundo os resultados anunciados em 24 de outubro pela CNE.
Sobre estas manifestações, Nyusi afirmou que não obedeceram aos preceitos legais, como a "falta" de informação sobre as "rotas" por quem as pediu, admitindo que a forma de convocação estava concebida para "criar ódio e desejo de vingança" entre moçambicanos, justificando assim a intervenção policial.