Hamas desmente Blinken e nega alterações ao acordo de cessar-fogo com Israel

por Graça Andrade Ramos - RTP
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, à chegada a Doha, Qatar Ibraheem Al Omari - Reuters

O secretário de Estado norte-americano afirmou esta quarta-feira no Catar que o grupo palestiniano propôs diversas alterações à mais recente proposta, apoiada pelos EUA e votada favoravelmente pelo Conselho de Segurança da ONU, para um cessar-fogo com Israel em Gaza.

Sem detalhar as alterações avançadas pelo Hamas, Antony Blinken afirmou que "umas podem ser trabalhadas, outras não" e que os mediadores estão determinados a resolver as questões.

O secretário de Estado dos EUA apontou o dedo ao grupo palestiniano, pela demora na resposta à proposta e por estar a tentar renegociar pontos que já antes tinha aceite.

Osama Hamdan, um dos dirigentes do Hamas, negou contudo que o grupo tenha avançado com ideias novas.

Aos microfones da televisão Al Arabya, Hamdan reiterou que tem sido Israel quem tem rejeitado as propostas e acusou a Administração Biden de trabalhar com o seu aliado israelita para "fugir a qualquer compromisso" sobre um acordo que leve a um cessar-fogo permanente em Gaza.

Blinken "é parte do problema, não da solução" na guerra em Gaza, acusou.

"Em tudo o que apresentamos, afirmamos o nosso compromisso com o que foi apresentado a 5 de maio aos mediadores e não falamos de quaisquer novas ideias ou propostas", disse Hamdan.

O secretário da Casa Branca para a Segurança Nacional, Jake Sullivan, revelara horas antes que muitas das propostas de alteração do Hamas eram de pormenor "e não inesperadas". Outras, contudo, diferiam de forma substancial do texto aprovado segunda feira numa resolução do Conselho de Segurança da ONU, em apoio ao plano avançado pelo presidente Joe Biden dos EUA.

Israel já veio dizer, oficiosamente, que o Hamas rejeitou o acordo.
Izzat al-Rishq, do gabinete político do Hamas, afirmou entretanto que a resposta formal do grupo à proposta norte-americana e israelita foi "responsável, série e positiva", abrindo um "caminho abrangente" para um acordo.
Blinken frustrado
Na conferência de imprensa em Doha, no Catar, o responsável máximo da diplomacia norte-americana evidenciou uma certa frustração, ao referir que algumas das contra-propostas do Hamas, que administra Gaza desde 2007, procuravam alterar "termos já aceites" em negociações anteriores. 

Blinken apontou ainda a demora de 12 dias do Hamas a responder ao plano, colocando a responsabilidade pelo sofrimento contínuo do povo palestiniano em Gaza nas mãos do grupo islamita.

Na terça-feira, o secretário de Estado afirmou que o destino da proposta cabia somente ao Hamas.

"Israel aceitou a proposta como estava", sublinhou Blinken, apesar do primeiro-ministro Benjamim Netanyahu ter expressado publicamente dúvidas. "O Hamas podia ter respondido com uma única palavra: sim".

"Chega-se a um ponto numa negociação, e isto arrasta-se há muito tempo, chega-se a um ponto em que, se um lado continua a alterar as suas exigências, incluindo fazer exigências e insistindo em alterações a coisas que já tinha aceite, tem de se questionar se está ou não de boa fé", disse Blinken.

"É tempo de parar de regatear e de inciar o cessar-fogo. É tão simples como isso" , afirmou.

O Hamas tem insistido em garantias escritas sobre o plano de cessar-fogo avançado esta semana, revelaram fontes egipcias envolvidas nas negociações.
Negociações demoradas

A resolução aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU na segunda-feira prevê três fases para um cessar-fogo e a libertação de reféns israelitas raptados no ataque do Hamas a 7 de outubro, que desencadeou a resposta em força de Israel.

A primeira fase haveria um "cessar-fogo imediato, total e completo" com a libertação de alguns reféns e "retirada de forças israelitas das áreas populosas de Gaza". Na segunda fase, "por acordo de ambas as partes", haveria um cessar das hostilidades, em troca dos reféns remanescentes e a retirada total das forças israelitas do enclave.

A terceira fase seria o "início de um plano de vários anos de reconstrução de Gaza e a devolução às famílias dos restos mortais dos reféns ainda na posse do Hamas".

O Hamas quer alterar a linha de tempo, insistindo num calendário específico e num cessar imediato das hostilidades. 

"Em última análise, subvertem a natureza faseada que sustenta o acordo", explicou à CNN um alto responsável norte-americano. "Será difícil conseguir que Israel concorde que o cessar-fogo se torne automaticamente permanente".

Os Estados Unidos procuram pressionar o Hamas, não só prometendo ajudas extra avaliadas em 404 milhões de dólares para ajuda humanitária a Gaza, mas colocando o foco na futura reconstrução da Faixa de Gaza junto de países da região, incluindo o Egito, a Jordânia e o aliado dos palestinianos, o Catar.

É "crucial" caminhar para um "cessar fogo imediato" em Gaza para "um fim duradouro" da guerra, disse Blinken esta quarta-feira. "Nas próximas semanas, iremos apresentar propostas para elementos-chave para o plano do 'dia seguinte', incluindo ideias concretas sobre a administração, a segurança, a resconstrução" do enclave, acrescentou, sem mais detalhes.

Os Estados Unidos consideram o Hamas, que conta com o apoio armado do Irão e cujo grande objetivo é destruir Israel, um grupo terrorista. Os islamitas ficaram isolados na administração da Faixa de Gaza em 2007, após ter vencido no enclave as eleições palestinianas e de ter assassinado ali os concorrentes da Fatah, que havia vencido as eleições na Cisjordânia.

De então para cá, foram múltiplos os ciclos de ataques e contra-ataques entre Gaza e Israel, intervalados de tréguas frágeis. É pouco plausível que os Estados Unidos e Israel aceitem que Gaza continue a ser administrada somente ou prioritariamente pelo Hamas, após um eventual fim total das hostilidades.
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