Foi na resposta à última pergunta - dias 14 e 15 são esperadas fortes manifestações junto à fronteira com Israel, como será o dia 16? - que o líder do Hamas na Faixa de Gaza referiu a expressão que nunca tinha sido mencionada: Intifada do Retorno. Apenas um alerta para uma possibilidade, nas palavras do homem que passou mais de 20 anos em cadeias israelitas e que foi libertado em 2011, juntamente com mais de mil palestinianos, quando o Hamas libertou o soldado israelita Gilad Shalit.
Referindo várias vezes “nós, os palestinianos”, Yahya Sinwar listou problemas conhecidos, pilares do conflito israelo-palestiniano, mas colocou o acento tónico nos 12 anos de cerco à Faixa de Gaza, desde que o Hamas venceu as eleições legislativas que se seguiram à morte de Yasser Arafat. Sofrimento, injustiça, incapacidade de a comunidade internacional reverter a ocupação, resoluções das Nações Unidas nunca cumpridas, e o momento em que os palestinianos estão fartos de uma punição colectiva pela escolha política que fizeram e porque cada vez mais sentem a ausência de esperança numa solução que os retire de uma vida que Yahya Sinwar classificou de miserável.
Para dar conta das dificuldades actuais na Faixa de Gaza, Yahya Sinwara disse que, em muitos aspectos, as mais de duas décadas que passou nas prisões israelitas foram mais fáceis do que a vida diária em Gaza: melhor alimentação e melhores cuidados de saúde. Mas lembrou que isso foi conseguido após várias greves de fome. Quanto a números, 95% da água não é potável; 80% da população vive abaixo do limiar da pobreza; cerca de 60% não tem segurança alimentar; o desemprego está nos 45%. Números que não diferem dos que são apresentados pela UNRWA (Agência da ONU para os refugiados palestinianos) que não poupa nas palavras e alerta para uma “Catástrofe Humanitária” à vista.“Gostamos da paz, da estabilidade, amamos a vida, mas estamos sujeitos a uma grande injustiça”
Com uma imensa fotografia da Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, como pano de fundo, o líder do Hamas na Faixa de Gaza disse que o território é “uma bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento e com consequências imprevisíveis”. É com base em todas as dificuldades e no actual momento de protesto – a Marcha do Retorno – que este líder do Hamas admite que o movimento possa crescer para uma revolta com outros contornos e mesmo até à margem das lideranças políticas, tal como aconteceu com as anteriores Intifadas.
O Hamas tem adoptado uma terminologia mais moderada e lembra que apoia a Marcha do Retorno, mas sublinha que são manifestações pacíficas onde ninguém participa armado e que Israel está a responder de forma absolutamente desproporcional. Desde 30 de Março já morreram 47 palestinianos e mais de dois mil ficaram feridos (muitos atingidos por gás cujas características os médicos palestinianos dizem que ignoram mas afirmam que não é apenas gás lacrimogéneo). Sinwar contesta a narrativa de alguns media: “Os palestinianos não foram mortos nos confrontos! Quais confrontos?”, afirma para sublinhar que os palestinianos estavam desarmados.
“Acreditamos que há uma forma pacífica de resolver o conflito. Não investimos em morte e destruição”, afirma Yahya Sinwar. Mais à frente, diz que “gostamos da paz, da estabilidade, amamos a vida, mas estamos sujeitos a uma grande injustiça”, acrescentando que pretende resolver o problema de forma pacífica e não com guerra. Se conseguirmos, será excelente, concluiu.
Há, de facto, um registo diferente na abordagem feita pelo Hamas, mas o dedo acusador continua bem apontado a Israel. O Hamas diz que nada tem contra o povo judeu, mas sim contra os sionistas e os gangster’s de Israel. E afirma sem hesitações que não gosta do que a actual administração norte-americana tem feito aos palestinianos: o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel e a escolha da data – nos 70 anos da Nakba (a Catástrofe) e da criação do Estado de Israel - da transferência da embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém, atingem fundo no coração dos palestinianos.“É inaceitável continuarmos a morrer lentamente”
A sequência de frases ditas por Yahya Sinwar aos jornalistas estrangeiros passou por “é inaceitável continuarmos a morrer lentamente” e “Gaza é um tigre humilhado e mantido numa prisão. Está a começar a libertar-se e não se sabe onde poderá ir”.
O homem que Israel define como terrorista e que diz que não gosta de aparecer nos media, apenas permitiu cinco minutos de captação de imagens. Telemóveis, câmaras e gravadores, ficaram depois retidos na segurança e os tradutores dos jornalistas não puderam estar nas mais de duas horas de conferência de imprensa. O encontro com os jornalistas, por ser inédito, foi justificado: “o meu encontro com os jornalistas é para tentar evitar que a situação se agrave nos próximos dias. Jornalistas no terreno podem evitar um banho de sangue. Não queremos que estejam do nosso lado, mostrem e contem apenas o que estiverem a ver”.