O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, saudou hoje a adoção de "três acordos históricos" na Cimeira do Futuro, advogando que o objetivo daqueles é uma mudança radical que permita tirar o "multilateralismo do abismo".
Em causa está a adoção hoje, na sede da ONU, em Nova Iorque, do "Pacto para o Futuro", o documento principal desta Cimeira que visa traçar "um futuro melhor" para a humanidade e ao qual foram anexados o "Pacto Digital Global" e a "Declaração sobre as Gerações Futuras".
"Estamos aqui para trazer o multilateralismo de volta do abismo. (...) Convoquei esta Cimeira porque o nosso mundo está a descarrilar e precisamos de decisões difíceis para voltar aos trilhos", instou Guterres.
"Os conflitos estão a alastrar-se e a multiplicar-se, do Médio Oriente à Ucrânia e ao Sudão, sem fim à vista. O nosso sistema de segurança coletiva está ameaçado por divisões geopolíticas, postura nuclear e o desenvolvimento de novas armas e teatros de guerra. Recursos que poderiam trazer oportunidades e esperança são investidos em morte e destruição", lamentou.
O líder da ONU frisou que, apesar das dificuldades atuais, não existe uma resposta global eficaz para ameaças emergentes, complexas e "até existenciais", acrescentando que as ferramentas e instituições multilaterais são incapazes de responder efetivamente aos desafios políticos, económicos, ambientais e tecnológicos de hoje.
Guterres criticou ainda o próprio Conselho de Segurança da ONU, considerando-o "desatualizado" e com a "autoridade a desgastar-se".
"A menos que a sua composição e métodos de trabalho sejam reformados, ele acabará por perder toda a credibilidade", alertou.
Frequentemente considerado obsoleto, o Conselho de Segurança da ONU já é alvo de pedidos de reforma e expansão há décadas, com países emergentes como a Índia, África do Sul e Brasil a pretenderem juntar-se aos cinco membros permanentes.
Em geral, quase todos os países da ONU consideram necessário reformar o Conselho de Segurança, mas não há acordo sobre como fazê-lo, com diferentes propostas na mesa há anos, sendo que algumas englobam uma representação africana permanente no Conselho.
"O nosso mundo está a passar por um momento de turbulência e um período de transição. Mas não podemos esperar por condições perfeitas. Devemos dar os primeiros passos decisivos para atualizar e reformar a cooperação internacional e torná-la mais conectada, justa e inclusiva --- agora. E hoje, graças aos vossos esforços, nós fizemos isso", comemorou Guterres, após a adoção dos três acordos.
O Pacto para o Futuro, o Pacto Digital Global e a Declaração sobre as Gerações Futuras "abrem caminhos para novas possibilidades e oportunidades", avaliou o ex-primeiro-ministro português.
"Saúdo esses três acordos históricos --- uma mudança radical em direção a um multilateralismo mais eficaz, inclusivo e em rede. Tenho lutado pelas ideias neles desde o primeiro dia do meu mandato. E estarei totalmente comprometido com sua implementação até ao último dia", assegurou diante de dezenas de Chefes de Estado e de Governo.
"Ao longo da minha vida --- seja como ativista político ou na ONU --- aprendi que as pessoas nunca concordam sobre o passado. Para reconstruir a confiança, devemos começar com o presente e olhar para o futuro. As pessoas em todos os lugares esperam por um futuro de paz, dignidade e prosperidade. E elas veem as Nações Unidas como essenciais para resolver esses desafios", acrescentou.
Apesar da adoção por consenso destes três acordos, a Cimeira do Futuro arrancou hoje em Nova Iorque sob grande polémica após uma intervenção da delegação russa, que rejeitou categoricamente o "Pacto para o Futuro" - que vinha sendo negociado durante meses - e pediu para que fosse alterado.
"Não houve nenhuma reunião em que todas as delegações se sentaram para estudar o documento parágrafo por parágrafo. Apenas foram apresentadas alterações para beneficiar os países ocidentais. Isto não pode ser chamado de multilateralismo. É um grande fracasso para o princípio da ONU de igualdade soberana dos Estados", advogou a representação da Rússia.
A posição de Moscovo foi reforçada por países como a Venezuela, que aludiu a uma "atitude arrogante" dos países ocidentais que não contempla "o princípio sagrado da não ingerência nos assuntos de outros Estados".
A Rússia tentou boicotar o "Pacto para o Futuro" através de uma alteração ao texto, que acabou rejeitada pela maioria da Assembleia-Geral da ONU.
C/Lusa