O secretário-geral da ONU, António Guterres, manifestou-se "profundamente preocupado" com os confrontos na Faixa de Gaza da última sexta-feira e exigiu uma investigação "independente e transparente". Pelo menos 16 palestinianos morreram e 1400 ficaram feridos, no dia mais sangrento do conflito israelo-palestiniano desde a guerra de 2014, na Faixa de Gaza. Os protestos deverão continuar nas próximas seis semanas.
As Nações Unidas temem uma “deterioração” da situação na Faixa de Gaza nos próximos dias e garantem estar atentos à tensão crescente naquela região. Na sexta-feira, os confrontos entre milhares de palestinianos – pelo menos 30 mil, segundo as forças israelitas – e os soldados israelitas resultaram no pior dia do conflito desde o verão de 2014, aquando da guerra entre Israel e o Hamas. Pelo menos 17 pessoas morreram e mais de 1400 ficaram feridas.
António Guterres, secretário-geral da ONU, pediu uma “investigação independente e transparente” a estes confrontos, numa nota divulgada na página oficial da organização.
Através do porta-voz Farhan Haq, o secretário-geral mostrou-se “profundamente preocupado” com os confronto de sexta-feira, durante a celebração da “Grande Marcha do Regresso”, ou o “Dia da Terra”, em que se evoca anualmente a morte de seis árabes desarmados por forças israelitas em 1976.
Na mesma nota, o secretário-geral das Nações Unidas apela a todos os envolvidos “que se abstenham de qualquer ato que possa causar ainda mais vítimas”, e em particular quaisquer medidas “que possam colocar civis em risco”.
“Esta tragédia sublinha a necessidade de revitalizar o processo de paz que tenha por objetivo a criação de condições para um regresso às negociações, que possam permitir aos palestinianos e israelitas viverem lado a lado, em paz e segurança”, refere ainda António Guterres, assinalando a disponibilidade da ONU para participar nesses esforços.
Reunião de emergência
Segundo a agência Reuters, a marcha dos palestinianos juntou várias mulheres e crianças e começou por decorrer pacificamente. No entanto, vários grupos foram ignorando os avisos em como deveriam ficar longe da fronteira, onde estavam os militares israelitas, que começaram por tentar dispersar a multidão e a “atirar sobre os principais instigadores” da manifestação, segundo referem as forças israelitas.
Em resposta a estas investidas, os manifestantes arremessaram “pedras e bombas incendiárias” contra os soldados que guardavam a barreira de segurança. O exército israelita garante que as suas tropas só dispararam contra quem procurou visar diretamente a segurança da fronteira.
De acordo com as autoridades de saúde palestinianas, os israelitas usaram sobretudo “munições reais” contra os manifestantes, tendo também recorrido a gás lacrimogéneo e balas de borracha.
Pedro Oliveira Pinto - RTP
O exército israelita informou ainda que atacou três posições do Hamas com tanques e aviões, na sequência dos ataques contra a fronteira. Estes ataques incluíram disparos do lado palestiniano por parte de duas pessoas, que foram mortas.
Na sexta-feira, o Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu de emergência sobre este tema, a pedido do Kuwait. Durante essa mesma reunião, o secretário-geral assistente para os Assuntos Políticos, Tayé-Brook Zerihoun, alertou que a situação pode agravar-se ainda mais nos próximos dias.
“Israel deve cumprir as suas responsabilidades segundo a lei internacional humanitária e de direitos humanos. (…) A força letal deve apenas ser usada como último recurso”, referiu ainda.
O responsável disse ainda que a agitação na Faixa de Gaza é uma "memória dolorosa" da paz que falta no Médio Oriente e pediu às partes em conflito que encontrem uma solução pacífica.
Já o embaixador da Palestina junto da ONU mostrou-se dececionado com a resposta dada pela comunidade internacional. Riyad Mansour assinala que a situação ocorrida na sexta-feira se tratou de um “massacre hediondo” de manifestantes pacíficos às mãos dos israelitas.
O diplomata expressou o seu desapontamento por não terem sido tomadas medidas concretas para evitar uma nova escalada de violência e condenou a atuação de Israel.
“Esperamos que o Conselho de Segurança (…) trave esta situação volátil, que constitui claramente uma ameaça à paz e segurança internacionais”, disse o responsável.
Por sua vez, o embaixador israelita nas Nações Unidas, Danny Danon, alertou a comunidade internacional para que “não se deixe enganar” por o que designou de “uma manifestação de terror, bem organizada e violenta”, disfarçada de manifestação pacífica.
Mais seis semanas de protesto
Com o Hamas a prometer o prolongamento do protesto para as próximas seis semanas, o perigo de eclosão de novos conflitos é iminente. Os palestinianos exigem o “direito de retorno” dos refugiados palestinianos ao país que é agora Israel, bem como o fim do bloqueio territorial da Faixa de Gaza, em vigor desde 2007.
Na sexta-feira, as tropas israelitas já contavam com a movimentação em massa de manifestantes e destacaram veículos blindados para a zona fronteiriça entre Gaza e Israel, onde está situada uma barreira vedada com cerca de 40 quilómetros. Ao longo dessa fronteira, os manifestantes pretendem continuar concentrados no próximo mês e meio.
A manifestação de sexta-feira assinalou o "dia da terra" e o aniversário da morte de seis cidadãos árabes desarmados em 1976, durante uma manifestação contra a confiscação de terras por parte do Governo israelita. No entanto, o clamor mais ouvido neste protesto foi o de "direito ao retorno", ou seja, ao regresso de refugiados palestinianos às cidades onde nasceram ou de onde foram retiradas as suas famílias aquando da criação do Estado de Israel, em 1948.
Prevê-se que a ação de protesto iniciada na sexta-feira continue durante as próximas semanas até 15 de maio, dia em que os palestinianos comemoram o início da Nakba ("Catástrofe"), ou seja, a fundação do Estado de Israel, a 14 de maio de 1948.
Os protestos em curso têm também como alvo o Presidente norte-americano, Donald Trump, que em 2017 anunciou a deslocalização da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, cidade nevrálgica para as três religiões monoteístas que continua a ser disputada por israelitas e palestinianos.
Na altura, a decisão foi considerada uma afronta à causa palestiniana e um elemento perturbador da ordem na região, tendo sido condenada em uníssono por diversos elementos da comunidade internacional. Washington prevê que a inauguração da nova embaixada norte-americana possa coincidir com o dia em que se assinala o 80º aniversário da criação do Estado de Israel.
c/ Lusa