Guerra na Ucrânia. Europa corre risco de ter "novo Afeganistão" dentro de si
A Europa corre o risco de ter na Ucrânia um Afeganistão dentro de si a menos que inverta a sua atual postura com o Kremlin e aposte no regresso à mesa de negociações, alerta um antigo conselheiro dos presidentes russos Mikhail Gorbachov e Boris Yeltsin e de três sucessivos secretários-gerais das Nações Unidas.
Nesta entrevista, o académico reconhecido ainda pelo seu trabalho junto de agências internacionais e de diversos governos para redução da pobreza assume-se um crítico frontal da política externa norte-americana.
“Conheço muito bem o meu próprio país, os Estados Unidos; fomos uma máquina de guerra durante praticamente toda a minha vida - Vietname, Laos, Camboja, Nicarágua, Iraque, Afeganistão, Síria, Líbia. A América trava guerras, mas a Europa não o faz”.
“A Europa tem sido um paladino da diplomacia. Mas agora a Europa apenas abraça a linha americana: Temos de derrotar Putin! Não negociamos!, etc. Mas esta abordagem é deveras perigosa para a Europa e a Europa está na linha da frente, podendo ser atingida gravemente por tudo isto”. “Porque esta guerra e o regime de sanções estão a causar danos colossais à Europa. E penso pois que a Europa cometeu um erro, aderindo a uma narrativa americana desta crise sem na verdade trilhar uma via mais sensata”.
"É o estilo dos EUA"
O autor de, entre outros livros, “O Fim da Pobreza”, “A era do desenvolvimento sustentável”, “O preço da civilização”, “Comonwealth - Economics for a crowded Planet” e “Macroeconomía en la economía global” sublinha que já alertara repetidamente antes para o atual cenário em agravamento não só na Ucrânia como em dossiers explosivos como Taiwan.
“Antes de a guerra eclodir, disse que se os EUA continuassem da mesma forma iriam transformar a Ucrânia no próximo Afeganistão. Porque nós gostávamos tanto do Afeganistão que o destruímos. É o estilo dos EUA”.
Confrontado com o facto de ter sido a Rússia e não os Estados Unidos quem invadiu a Ucrânia e de a Europa ter mantido sempre a porta do diálogo com Moscovo, mesmo quando já se tinha iniciado a chamada “operação especial” do Kremlin no país vizinho, Sachs argumenta que isso é fazer tábua rasa de sucessivos alertas prévios feitos por Vladimir Putin, de “linhas vermelhas” cruzadas e compromissos renegados.
“Eu escuto os dois lados, visito os dois lados, conheço-os há 40 anos e não aceito a ideia de que o que nós dizemos é verdadeiro e o que eles dizem é propaganda”, avançou.
“Há diferentes perspetivas e é extremamente importante existir diplomacia. Mas quando falo agora com altos responsáveis europeus, dizem: Não há qualquer diplomacia com Putin!”.
“Essa é uma perspetiva terrível, errada... Ou: Não se pode falar com a China! - o que é uma perspetiva americana. Este é pois, julgo, o principal erro, porque se de facto discutíssemos, debatêssemos, negociássemos, encontraríamos soluções para pôr fim à guerra na Ucrânia, encontraríamos soluções para as crescentes tensões em Taiwan, na Ásia oriental. Há soluções possíveis, mas neste momento não estamos empenhados na solução dos problemas”.
Confrontado pela RTP com o facto de Vladimir Putin dizer-se aberto a negociações após ter anexado regiões ucranianas com uma área global próxima da de Portugal e ter feito o mesmo em 2014 com a Crimeia (regiões que afirma serem agora território russo), Sachs insiste que, sem o regresso à mesa, caminhamos para um desastre global.
“O que eu digo é: sentem-se e negoceiem. E entendam quais são as verdadeiras linhas vermelhas” insistiu. Penso que mesmo no Donbass e nas regiões de Zaporizhia e de Kherson há possibilidades de soluções mais criativas”.
“Mas temos de conversar para que surjam. E a ideia atual que os ucranianos e os americanos têm é: Vamos lá derrotar Putin. Bem, não acho que seja uma receita que vá salvar a Ucrânia e é uma receita que ameaça o mundo inteiro, francamente”.
“Não é realista, não se baseia na compreensão de como poderíamos alcançar a paz e até nos sentarmos juntos, não sabemos ao certo o que é possível. Mas só para ser claro, não estou a dizer para aceitar nada, apenas para conversar”.
Destaques de uma entrevista em que são ainda abordados os antecedentes do braço-de-ferro na Ucrânia e o impacto deste sobre a situação económica da Europa.
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