Guerra Médio Oriente. Miradouro com vista para bairros atacados em Beirute

por Lusa

As noites de dezenas de moradores dos subúrbios de Beirute são passadas num ponto alto da cidade, onde todas as noites se reúnem, com uma ampla panorâmica dos seus bairros, sacudidos diariamente pelos ataques das bombas das forças israelitas.

Em noite de lua nova, o primeiro bombardeamento da passada madrugada ocorreu às 01:28 em ponto [menos duas horas em Lisboa], numa explosão anunciada por um curto som da aproximação do engenho, seguido logo depois por um grande estrondo, iluminando por um breve instante os céus dos arredores sul da cidade.

Reunidos em círculo num estacionamento junto da universidade católica Antonina, a meia encosta do relevo que envolve Beirute, vários homens deslocaram as suas residências nos arredores da capital libanesa para este local, desde a intensificação da ofensiva israelita contra o grupo xiita Hezbollah, não só para se manterem a salvo dos raides aéreos, como para servirem de posto de vigia para os seus vizinhos que se colocaram a salvo em zonas mais seguras da cidade.

Ali, um mecânico da zona de Laylaki, faz parte desse grupo e várias vezes lhe coube dar as trágicas notícias de que alguém perdeu a sua casa, na rotina diária de seguir aos primeiros raios de sol para as zonas atingidas na madrugada anterior e verificar os estragos de perto.

"Nunca é fácil, mas posso sempre ajudar os outros com informações", comenta à Lusa, ao fim de duas semanas de noites em claro naquele miradouro, com outros homens do seu bairro e de outros vizinhos do grande subúrbio sul de Dahieh, um bastião do Hezbollah.

À semelhança do que dizem outros habitantes e o grupo xiita aliado do Irão, o homem insiste que não há nada nos alvos israelitas que justifique serem atacados e que, na verdade, neste momento estão vazios, após a debandada dos residentes para o centro da capital libanesa, engrossando o contingente de mais de 1,2 milhões de deslocados, de acordo com números das autoridades nacionais.

A família de Ali, a mulher e dois filhos de 10 e 6 anos, encontrou refúgio desde 23 de setembro numa das centenas de escolas que encerraram as aulas para albergar os desalojados dos arredores de Beirute e das zonas sul e leste do país, na situação mais crítica no Líbano desde a última guerra em 2006, mas ele preferiu manter-se nas colinas da cidade, onde a cada noite testemunha a destruição de Laylaki, situada nas imediações do aeroporto Rafic Hariri, e das outras áreas próximas.

O grupo de homens, que partilha o estacionamento com dezenas de pessoas dormindo no interior dos carros, indiferentes aos estrondos das explosões, e com jornalistas em direto de cadeias televisivas libanesas e vários canais árabes, está sempre de olho no telemóvel, passando um cachimbo de água de mão em mão, enquanto aguardam que as forças israelitas anunciem o local do seu próximo bombardeamento e respetiva ordem de evacuação.

"Urgente: novo aviso dos moradores dos subúrbios do sul, especificamente aos do edifício do mapa e localizado no bairro Chueiffat al-- Omara. Você está localizado perto das instalações e interesses do Hezbollah contra os quais as IFD [Forças de Defesa de Israel] atuarão num futuro próximo", anuncia uma mensagem na rede X dos militares israelitas em árabe e com um mapa anexo, a respeito de um dos ataques da última madrugada numa zona próxima de Dahieh.

"Para sua segurança e dos seus familiares, deve retirar-se desde edifício e os edifícios vizinhos imediatamente e manter-se afastado por uma distância de 500 metros". Acrescenta a mensagem, que aponta as coordenadas a seguir pelos homens reunidos no observatório do estacionamento.

Em contraste com outras zonas residenciais bem iluminadas e com o aeroporto, a panorâmica de Dahieh e sua extensa área habitualmente habitada por cerca de 750 mil pessoas mostra uma mancha escura, denunciando falta de vida no seu interior ou de vastas partes destruídas, tal como a Lusa pôde testemunhar numa visita a esta "cidade fantasma" na segunda-feira organizada pelo Hezbollah.

O balanço de vários bombardeamentos durante a última madrugada regista explosões em cinco pontos diferentes no sul da capital libanesa, mas não há confirmação de vítimas.

Um vídeo divulgado hoje de manhã nas redes sociais e republicado na comunicação social libanesa mostra imagens que são indicadas como tendo sido recolhidas imediatamente após o ataque contra o complexo religioso Sayyed al-Shuhada, em Dahieh, que ficou totalmente destruído.

"Estou a entrar neste complexo logo depois de ele ter sido atacado. Como podem ver, está vazio. Não há nada dentro dele. Não há armas, como Israel sempre afirma nas suas declarações e justifica os seus ataques a centros culturais e humanitários", afirma o autor no texto que acompanha o vídeo, numa posição generalizada entre os moradores da região sul de Beirute, em rebate da argumentação israelita de que os seus ataques são "precisos e cirúrgicos" contra "alvos terroristas" do grupo armado xiita.

"O Hezbollah vai lutar por nós, porque é o caminho certo para todos os libaneses", afirma Hassan, um dos homens que se reúne à noite no promontório a vigiar os ataques israelitas, numa posição que divide as diversas comunidades políticas, religiosas e étnicas do delicado mosaico do país, mas que, para o morador em Hadath, também no sul da cidade, não suscita dúvidas: "Só há uma opção, que é apoiar o Hezbollah".

A conversa, entre detonações das bombas guiadas israelitas, é breve e os olhos voltam-se de novo para sul, em busca no horizonte de sinais do ataque seguinte, na direção do aeroporto, cujo movimento, apesar do cancelamento de voos de numerosas companhias internacionais devido ao conflito, nunca cessa durante a madrugada, observando-se várias descolagens e aterragens imediatamente após as explosões e, por vezes, sobre as colunas de fumo negro que delas emergem.

Os bombardeamentos israelitas e primeiros confrontos terrestres no sul do Líbano provocaram mais de dois mil mortos no último ano, de acordo com as autoridades libanesas, dos quais cerca de metade foram registados desde 23 de setembro, altura em que as forças de Telavive deslocaram as suas operações na Faixa de Gaza contra o grupo islamita palestiniano Hamas para o Líbano contra o Hezbollah.

Os ataques têm sido concentrados no sul do Líbano e nos arredores de Beirute, onde há uma semana foi eliminado num bombardeamento o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, mas hoje chegaram ao norte, na região de Tripoli, alegadamente contra um membro do Hamas num campo de refugiados.

Os intensos ataques contra os arredores sul de Beirute na madrugada de hoje e na noite anterior, de acordo com imprensa e libanesa e agências internacionais, visam Hashem Safi al-Din, que tem sido apontado como o possível sucessor do líder histórico do movimento, Hassan Nasrallah.

As autoridades libanesas ordenaram na sexta-feira a evacuação de cinco unidades hospitalares, no sul do país e em Beirute, incluindo a clínica Santa Teresa, em Dahieh, que registou "enormes danos", no seguimento de "ataques de aviões de guerra israelitas aos bairros" vizinhos.

As forças israelitas alegam, à semelhança das acusações dirigidas ao Hamas no último ano no conflito na Faixa de Gaza, que o Hezbollah faz "um uso cínico" das instalações clínicas, ao esconder os seus combatentes no seu interior.

O Ministério da Saúde libanês contabiliza 102 profissionais clínicos mortos em ataques israelitas desde o início do conflito.

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