Espanha assiste estes dias a uma "guerra fiscal", com governos regionais a anunciarem descidas e abolições de impostos a que o executivo nacional vai responder com um "pacote fiscal" que cria um imposto temporário sobre grandes fortunas.
O imposto sobre "pessoas milionárias", nas palavras da ministra das Finanças, María Jesús Montero, é a única coisa que se sabe desse novo pacote fiscal.
A nova taxa foi avançada pelo Governo socialista em resposta a anúncios de governos regionais liderados pelo Partido Popular (PP, direita, na oposição) de acabar ou diminuir em 50% o imposto sobre o património acima de 700 mil euros (excluídos 300 mil euros da habitação permanente), e que é uma receita das regiões autónomas.
Madrid e Andaluzia vão acabar com este imposto em 2023 e na Galiza vai ser aplicado um desconto de 50%.
Mas também governos regionais liderados, como o executivo central, pelo partido socialista (PSOE) anunciaram descidas de impostos (embora não sobre o do património) em véspera de apresentação de orçamentos para 2023, um ano de várias eleições em Espanha: autonómicas e municipais em maio e legislativas nacionais no final do ano.
Hoje, o presidente da Comunidade Valenciana, o socialista Ximo Puig, anunciou descidas do imposto sobre o rendimento singular (o IRS, que na sigla em espanhol é IRPF) de contribuintes que ganham até 60 mil euros anuais, o que vai abranger mais de 97% dos contribuintes.
Também hoje, a Junta da Galiza, liderada pelo PP, além de confirmar o desconto de 50% no imposto sobre o património anunciou uma descida do IRPF com efeito retroativo a janeiro de 2022 para rendimentos médios e baixos, inferiores a 35 mil euros anuais.
O Governo de Espanha, liderado pelo socialista Pedro Sánchez, reagiu com críticas, nos últimos dias, aos anúncios de descidas de impostos, que até hoje eram só de governos do PP e relativos ao imposto sobre o património, considerando que estavam a ser feitos "descontos" e "presentes fiscais" a ricos que poderão prejudicar a prestação de serviços públicos e apoios sociais num contexto de crise.
Apesar de assegurar o respeito pela autonomia fiscal das regiões, o Governo espanhol considerou nefasta esta disputa entre regiões e apelou para a responsabilidade dos executivos regionais, questionando a decisão de diminuir receitas num momento de necessidade de recursos para responder aos impactos da guerra na Ucrânia e da inflação.
Hoje, a ministra porta-voz do Governo, Isabel Rodríguez, no final da reunião semanal do Conselho de Ministros, disse que a posição do executivo nesta matéria se mantém, mesmo depois do anúncio do executivo socialista da Comunidade Valenciana.
Isabel Rodríguez insistiu que o "pacote fiscal" do Governo espanhol será divulgado brevemente e que a política fiscal do executivo tem como "único fim" a "justiça social", pelo que, ao contrário de crises anteriores, a atual, "não vai ser paga pelos de sempre", ou seja, "a classe média trabalhadora" e "os que mais têm são os que mais têm de contribuir".
Além disso, garantiu, o pacote fiscal espanhol tem como objetivo "paliar o problema da inflação".
Na semana passada, a ministra das Finanças avançou que Espanha vai criar um imposto temporário sobre as grandes fortunas, para responder à crise gerada pela guerra na Ucrânia e pela inflação.
O imposto deverá estar em vigor a partir de 01 de janeiro de 2023, será temporário e será usado "um esquema similar" ao que foi já proposto para taxar, de forma extraordinária, durante dois anos, a banca e as empresas do setor da energia, disse María de Jesús Montero, que defendeu que é preciso "pedir um maior esforço" a quem tem lucros extraordinários, por causa do aumento dos preços, e "os maiores rendimentos".
Os novos impostos deverão vigorar nos próximos dois anos, mas "tudo depende de como se desenrolar a guerra na Ucrânia", acrescentou.
O executivo afirmou que esta receita servirá para financiar as medidas que tem adotado desde o início da guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro, para tentar diminuir os efeitos da inflação na economia e nos rendimentos das famílias.
Estão entre essas medidas descontos nas compras de combustível e nos passes de transportes públicos, cheques de 200 euros para os particulares que têm rendimentos mais baixos, aumentos de pensões ou a descida do IVA da eletricidade e do gás.
O novo imposto sobre as fortunas é uma proposta da Unidas Podemos, a plataforma de partidos de esquerda que faz parte da coligação que está no Governo de Espanha.
Hoje, um porta-voz da Unidas Podemos disse estarem a avançar, no seio da colição, as negociações para baixar o IRPF para os rendimentos mais baixos, o IVA (imposto sobre o consumo) sobre os produtos de higiene feminina, veterinários e cabeleireiros, entre outros, e o imposto nominal das pequenas e médias empresas.
O que socialistas e Unidas Podemos já rejeitaram foi a proposta do líder do PP, Alberto Nuñez Feijóo, que propôs na segunda-feira a redução para 4% do IVA de alguns alimentos (carne, peixe, óleos, água, massa e conservas), dizendo que o impacto de 970 milhões de euros seria compensado por mais receitas por causa da inflação.
A ministra da Economia e vice-primeira-ministra, Nadia Calviño, respondeu que "boa parte dos alimentos de primeira necessidade" já têm IVA reduzido e considerou que a proposta foi "uma cortina de fumo" para não se falar dos descontos nos impostos sobre o património, "que taxa a riqueza", nas regiões lideradas pelo PP.