Guerra civil de Espanha acabou há 75 anos

por RTP
Memorial pelos mortos republicanos da Guerra de Espanha Eloy Alonso, Reuters

Tinha durado quase três anos e ceifado um número de vidas que os cálculos mais conservadores cifram em meio milhão. Acabou num dia de mentiras, mas foi uma guerra a sério. Em 1 de Abril de 1939, instalava-se em Madrid uma ditadura sangrenta, que só começaria a agonizar mais de três décadas depois, com o empurrão decisivo da vizinha "revolução dos cravos" e com a oportuna morte física de Franco.

A Guerra Civil de Espanha (1936-1939) prenunciou a Segunda Guerra Mundial, mais do que outras confrontações bélicas, como a Mongólia ou a da Finlândia. O investigador britânico Paul Preston, principal autoridade actual sobre a história do conflito, debruçou-se atentamente sobre o comportamento dos militares putschistas que desencadearam a hecatombe em 18 de julho de 1936, observou os crimes de guerra que cometeram durante e os crimes contra a humanidade que cometeram depois, e da sanha persecutória observada deduziu a classificação de "Holocausto espanhol".
Lisboa, onde se decidiu o futuro de Franco
A grande divisória de águas que foi a Guerra de Espanha, uma das maiores do século XX, teve ramificações decisivas e um forte impacto em Portugal. Desde logo, foi em Portugal que se decidiu a liderança do "alzamiento nacional": o seu dirigente incontestado, general José Sanjurjo, vivia exilado no Estoril e embarcou com destino a Burgos, capital provisória dos sublevados, num pequeno avião que viera buscá-lo. O avião despenhou-se, Sanjurjo morreu e deixou na grelha de partida para a luta sucessória os generais Francisco Franco e Emílio Mola.

Meses depois, Mola viria por sua vez a morrer num acidente aéreo. Coincidência ou não, as mortes de Sanjurjo e Mola foram tão providenciais para abrir o caminho a Franco que houve quem as atribuísse a uma conjura. Qualquer dos dois tinha mais credenciais do que o militar ferrolano que fora parar ao Exército de terra após falhar nos seus planos de carreira naval, e que ganhara os galões de general de divisão mais cedo do que qualquer outro por ter combatido contra os independentistas marroquinos - sem medo mas também sem escrúpulos.O embaixador que Salazar admirava e expulsou
Para além deste episódio, o Portugal salazarista tornou-se decisivo para a sobrevivência política de Franco como aliado diplomático e como plataforma logística.

No plano diplomático, Salazar foi visto durante toda a primeira fase, de isolamento formal dos sublevados, como uma espécie de "ministro dos Negócios Estrangeiros de Burgos". O Governo de Lisboa foi o que mais decididamente tomou o partido dos militares sediciosos, apressando-se a expulsar o embaixador da República, Claudio Sánchez-Albornoz, um académico famoso que se ilustrara pelos seus trabalhos sobre a História de Portugal.

Albornoz exilou-se depois para França, ficando a leccionar em Bordéus, de onde fugiu novamente para Portugal em 1940, quando os nazis invadiram a França. Nessa segunda estadia em Lisboa, apenas de passagem, conseguiu embarcar para Marrocos e daí para o México, onde viria a ser mais tarde o chefe do Governo republicano no exílio. Aparentemente, foi o próprio Salazar a facilitar-lhe a partida, por querer compensar de algum modo a sua anterior perseguição ao ex-embaixador, que admirava como erudito.
Portugal, única "fronteira amiga" para Franco
Também na primeira fase, Portugal foi decisivo como plataforma logística, por ser a única fronteira terrestre que tinham os "nacionales" com um regime aliado. A norte, de pouco lhes serviria tomarem a fronteira com a França, então governada pela Frente Popular de Léon Blum, uma fronteira politicamente impraticável e de qualquer modo militarmente menos acessível às tropas anti-republicanas.

A leste, a sangrenta tomada de Badajoz permitiu rapidamente aos sublevados começarem a receber armamento alemão que, depois de chegar a Lisboa por mar, Salazar mandava expedir por comboio. A tomada de Badajoz foi um dos primeiros massacres dos sublevados que chegaram ao conhecimento da opinião pública internacional - graças às reportagens que aí fez o jornalista Mário Neves, do "Diário de Lisboa", publicados por desatenção momentânea da censura.

Também em breve viriam a passar por Lisboa os pilotos da Luftwaffe que mais tarde massacraram a população civil da cidade basca de Guernica. Fotos da época, publicadas em "O Século", mostram esses pilotos, vestidos à civil, a transitarem pela estação de Santa Apolónia, quando os diplomatas alemães estavam ainda no Comité de Londres a proclamar a neutralidade do seu país no conflito ibérico.

A fronteira luso-espanhola foi na altura patrulhada com rigor raiando a paranóia e os refugiados republicanos ou simples civis da zona republicana, suspeitos de simpatia pelo governo de Madrid, foram sistematicamente entregues aos militares fascistas e com frequência executados à vista dos próprios guardas portugueses.
A guerra civil entre os voluntários portugueses
Voluntários portugueses combateram do lado republicano, como Oliveira Pio, com um papel importante na defesa de Madrid, nos últimos meses de 1936. Outros, recrutados com apoio das autoridades salazaristas, foram para Espanha como "viriatos" e combateram a República.

Mas, apesar do elevado número de portugueses que pegaram em armas de um lado e de outro, não houve nenhuma unidade portuguesa na Guerra de Espanha. Os voluntários portugueses estiveram sempre diluídos noutras unidades. As encenações dos "viriatos" nos desfiles da vitória não correspondiam ao seu modo de organização na guerra real.Atentados anarquistas contra os fascistas
Um dos voluntários era o capitão Jorge Botelho Moniz, que além de combater contra a República espanhola, militou no recrutamento de outros "viriatos", nomeadamente aos microfones do Rádio Clube Português (RCP), que também lhe serviam para denunciar posições e movimentos das tropas republicanas. O RCP foi, por isso, um dos alvos de atentado à bomba organizado por anarquistas solidários com a luta dos povos de Espanha.

Outro alvo foi o próprio Salazar, num atentado a que escapou por pouco, organizado por Emídio Santana. Muitos anos mais tarde, especulou-se se a ETA se teria inspirado nesse atentado para organizar um outro, neste caso bem sucedido, contra o primeiro-ministro franquista, almirante Carrero Blanco. A semelhança no modo de organização de ambos os atentados parecia dar consistência à especulação, que no entanto nunca foi confirmada por nenhum dirigente da ETA.
Franco e Suñer cobiçam Portugal
Apesar do seu apoio a Franco, Salazar em breve teve de começar a preocupar-se com os desígnios expansionistas que eram frequentes em derrapagens verbais da Falange, liderada pelo cunhado do ditador, Serrano Suñer. Uma dessas derrapagens verbais consistiu em definir como prioridade do franquismo vitorioso a ocupação de todo o território até à "fronteira ocidental" da Espanha - com o Atlântico. A outra derrapagem consistiu na distribuição de mapas da Península Ibérica em que Portugal desaparecia como país independente.

Para além do frenesi ideológico da Falange, que o próprio Franco teve depois de refrear, houve em diversas ocasiões planos militares concretos para ocupar militarmente Portugal ou para intervir militarmente em Portugal.

Um primeiro, recentemente documentado pelo historiador espanhol Manuel Ros Agudo, foi no início da Segunda Guerra Mundial, quando Franco especulou com uma aliança hispano-alemã. Um segundo, nesse caso eventualmente para auxiliar Salazar, mas sempre com a ambiguidade de poder convertê-lo em simples títere de Madrid, foi nos primeiros dias de 1962, após o fracasso da Revolta de Beja. E o terceiro foi em setembro de 1975, na sequência da manifestação de protesto contra o fusilamento de cinco antifascistas espanhóis, que culminou com a invasão da embaixada de Espanha em Lisboa.
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