Gronelândia. Dinamarca afasta crise com EUA e admite aprofundar cooperação

por Graça Andrade Ramos - RTP
Lars Lokke Rasmussen, MNE Dinamarca Ritzau Scanpix/Liselotte Sabroe - Reuters

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Dinamarca, Lars Lokke Rasmussen afastou esta quarta-feira um cenário de crise com os EUA quanto à ilha da Gronelândia, depois do presidente eleito, Donald Trump, ter admitido todos os cenários para anexar o território.

Rasmussen afirmou que Copenhaga está "aberta ao diálogo" sobre "cooperação", de forma a responder às "legítimas preocupações de segurança" norte-americanas perante as crescentes atividades russas e chinesas na área e no acesso às riquezas do Ártico.

Atualmente, a exploração das jazidas locais de petróleo e de lítio é proibida, mas isso pode ser alterado e a ilha dispõe de reservas de terras raras que poderão ditar a independência dos EUA face à China.

A posição geoestratégica da Gronelândia, junto ao Ártico, torna também a ilha vital para Washington. Os EUA já ali possuem uma base militar e a Gronelândia faz parte da NATO, enquanto território dinamarquês, mas aos EUA interessa o domínio total. Washington quer maior vigilância naval e aérea das águas do Ártico a oriente da Gronelândia, quando a atual presença militar da Dinamarca na Gronelândia se limita a quatro navios patrulha, um avião Challenger de vigilância e trenós de cães.

O governo autónomo da província tem-se queixado de desinteresse por parte de Copenhaga, procurando a independência. A Dinamarca afirma que os únicos que podem decidir o destino da ilha são os próprios habitantes.

Rasmussen admitiu esta quarta-feira que a Gronelândia pode vir a tornar-se independente, se os seus residentes o quiserem, mas considerou improvável que o território se torne um novo estado dos EUA.

"Reconhecemos em pleno que a Gronelândia tem as suas próprias ambições", afirmou Lars Lokke Rasmussen. "Se se materializarem, a Gronelândia tornar-se-á independente, embora dificilmente com a ambição de se tornar um Estado federal dos Estados Unidos".
Europa avisa Trump

A anexação por parte dos EUA voltou a dominar a atualidade depois do presidente eleito, Donald Trump, ter recusado, terça-feira, afastar uma intervenção militar ou a pressão económica para a alcançar.

Propósitos repudiados com firmeza, não só pela Dinamarca e pelas autoridades gronelandesas, mas também pela França e pela Alemanha.

As duas potências europeias deixaram avisos a Trump esta quarta-feira, contra eventuais ameaças para assumir a Gronelândia pela força.

O chanceler alemão, Olad Scholz, lembrou o direito internacional, ao abrigo do qual "o princípio da inviolabilidade das fronteiras aplica-se a todos os países, seja um muito pequeno ou um muito poderoso".

Já o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Noel Barrot, sublinhou que "obviamente, está fora de questão que a União Europeia vá deixar que outras nações do mundo ataquem as suas fronteiras externas, sejam elas quem forem. Somos um continente forte".

Ao lado de Barrot, o ainda secretário de Estado de Joe Biden, Antony Blinken, afirmou esta quarta-feira que, a ideia de Trump de anexar a Gronelândia "não é, obviamente, boa". "Obviamente não vai suceder", acrescentou.

Trump, que em todas as negociações prefere partir de uma posição de força, poderá estar contudo a fazer bluff. A sua estratégia de anexação da Gronelândia inclui-se ta,mbém num plano mais vasto para conseguir para os Estados Unidos o controlo também do Canal do Panamá e do Canadá.
O interesse da Gronelândia

A polémica terá marcado o encontro entre o líder da Gronelândia, Múte Bourup Egede, um independentista, esta tarde, com o rei dinamarquês, Frederico X.

Num sinal de que Copenhaga considera dinamarquesas não só a ilha da Gronelândia, como as Ilhas Faroé, o brasão real, em vigor desde 1972, foi modificado em dezembro de 2024, para incluir em destaque um urso polar e um carneiro. O primeiro simboliza a Gronelândia e o segundo as ilhas Faroé.

A mudança no brasão deu-se depois de uma primeira publicação de Donal Trump nas redes sociais. Na altura, o presidente eleito escreveu que, "para fins de segurança nacional e liberdade em todo o mundo, os Estados Unidos da América consideram a propriedade e o controle da Gronelândia uma necessidade absoluta",

Geograficamente, a Gronelândia fica mais próxima de Nova Iorque, nos EUA, do que de Copenhaga. Apesar de estar maioritariamente coberta de gelo e neve, e da sua principal indústria ser a pesca, foram identificadas pela UE no seu subsolo reservas de 25 dos 34 minerais da sua lista oficial de matérias essenciais, incluindo terras raras.

Ditte Brasso Sørensen, especialista em geopolítica e diretora adjunta do grupo de reflexão Europa, lembrou à Agência France Presse o crescente interesse os "atores internacionais" quanto à "necessidade de diversificar as suas fontes de abastecimento, particularmente quando se trata da dependência da China quanto a terras raras".

Os Estados Unidos de Trump querem evitar a todo o custo ficar dependentes de Pequim numa das indústrias de ponta mundiais, a dos semicondutores.
As armas de Copenhaga
Segunda-feira, seis de janeiro, o presidente eleito dos Estados Unidos afirmou que a Gronelândia e o seu povo irão "beneficiar enormemente se e quando se tornar parte da nossa nação".

"Nós a protegeremos e cuidaremos de um mundo exterior muito cruel", escreveu. "Vamos tornar a Gronelândia grande novamente!"

O ministro das Finanças da Gronelândia já disse que a ilha não está à venda. "Desejamos ser independentes um dia. Mas a nossa ambição não é ser governados por um país ou outro", afirmou Erik Jensen.

Já a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, afastou qualquer cenário de uma intervenção militar americana na ilha. Uma guerra comercial seria igualmente prejudicial, considerou ainda.

A maior empresa dinamarquesa é a Novo Nordisk, a mais valiosa da Europa, produtora do medicamento de perda de peso Wegovy, extremamente popular nos EUA e potencialmente uma arma em eventuais negociações.
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