Gripe das aves está a matar pinguins e elefantes marinhos na Antártida

por Carla Quirino - RTP
Um investigador recolhe amostras numa colónia de pinguins na Ilha Joinville, perto da ponta da Península Antártica Antonio Alcamí - Conselho Nacional de Pesquisa Espanhol

A estirpe H5N1 da gripe das aves, que circula pelo mundo, chegou a uma zona remota na Antártida e está a matar várias espécies marinhas. A preocupação dos cientistas assenta na possibilidade de ocorrer uma extinção de algumas destas espécies que se abrigam em colónias e são vulneráveis ao surto. A capacidade de este vírus viajar grandes distâncias está a ameaçar a Austrália, até agora o único continente livre desta doença, de que não escapará à propagação face à aproximação pelo sul.

A gripe das aves H5N1 começou a matar aves marinhas na Península Antártica há um ano e, desde então, os cientistas monitorizam o impacto. A preocupação é grande sobre o quanto rápido o vírus mortal se espalha no continente remoto e que danos causará à vida selvagem.

Nas últimas semanas, o veleiro Australis partiu da Argentina para o Mar de Weddell, na Antártida, e fez uma viagem ao longo das costas da península. Encontrou H5N1 em 13 espécies de aves, focas e elefantes marinhos.Na expedição, oito investigadores vestidos a rigor com equipamentos de proteção desembarcaram em 27 locais para recolher amostras de animais e analisar carcaças.

O vírus foi detetado em todos os locais, exceto três, afetando um total de 13 espécies de pássaros e mamíferos. “O vírus chegou a todos os cantos [da península] e está a infetar quase todas as espécies animais”, afirma o líder da expedição Antonio Alcamí, microbiologista do Conselho Nacional de Pesquisa Espanhol (CSIC), citado no portal science.org.

Os cientistas afirmam que, para já, não há evidências de que o vírus tenha se espalhado além da península, uma língua de terra que se estende ao norte do continente ponta a apenas 650 quilómetros da América do Sul.

Esta área compõe menos de cinco por cento do território continental do polo sul. A zona restante raramente é visitada e a maioria das estações não têm capacidade para testar o vírus.

“A situação na Antártida é um pouco como uma caixa-negra”, alega a ecologista e especialista em vírus Michelle Wille, da Universidade de Melbourne, que não esteve envolvida na expedição. “Ainda estamos muito na fase de compreender o comportamento da doença neste território. Esses novos dados são realmente importantes para interpretar melhor o que está a acontecer”.
Ameaça de extinção
Em outubro de 2023, a estirpe patogénica da gripe das aves conhecida como clade 2.3.4.4b dizimou populações de aves selvagens por todo o mundo, desde 2021. O surto atingiu a América do Sul e saltou para a Geórgia do Sul e para as Ilhas Sandwich do Sul, chegando às Ilhas Falkland, na região subantártica. 

Em fevereiro de 2024, dois skuas — grandes pássaros predadores semelhantes a gaivotas - foram encontrados mortos perto da estação de monitorização argentina na península. Os investigadores acreditam que as aves alimentam-se de carcaças infetadas, o que pode tornar-se um ciclo vicioso dizimando a população animal residente.

Os cientistas acrescentam que "temem que a vida selvagem na Antártida seja especialmente vulnerável ao H5N1 porque tanto pássaros como mamíferos marinhos reproduzem-se lá, em colónias densas, onde várias espécies se misturam, o que ajuda a espalhar o vírus".

 
Um biólogo francês a realizar um teste de gripe das aves numa amostra recolhida de uma carcaça de elefante marinho | Jérémy Tornos/Mathilde Lejeune/CNRS/IPEV

Uma das áreas mais atingidas foi Armstrong Reef, um grupo de ilhotas na costa oeste da península designada como uma Área Importante para Aves e Biodiversidade pela BirdLife International porque “abriga uma colónia reprodutora de pinguins-de-adélia e mais de 500 pares de corvos-marinhos-de-crista-antárticos” explicam os especialistas. Vinte e nove pássaros testaram positivo, incluindo alguns dessas duas espécies. 

Outro local severamente afetado foi Marguerite Bay, no extremo sul da península, onde 172 skuas foram encontradas mortas.

Muitas espécies no continente e na região subantártica são exclusivas deste território, tornando-as mais vulneráveis à extinção.
“Uma única ilha pode abrigar 90 por cento da população de uma espécie”, sublinha Marcela Uhart, veterinária de vida selvagem na Universidade da Califórnia Davis.

Em dezembro de 2023 e janeiro de 2024, a equipa de Juliana Vianna, da Pontifícia Universidade Católica do Chile, de Santiago, encontrou sinais de infeção em alguns pinguins-de-adélia e corvos-marinhos-de-crista-antárticos vivos na ponta mais ao norte da península. Depois surgiram as mortes dos skuas com a confirmação da presença do vírus.

“As mortes relatadas de skuas são preocupantes”, diz Thijs Kuiken da Universidade Erasmus de Roterdão, nos Países Baixos. Algumas espécies na região são encontradas apenas nestas pequenas ilhas e podem ser exterminadas pela gripe das aves", alerta.

Vianna adianta que foi informada, a 9 de março deste ano, de que continuam a ser encontrados pinguins mortos. “Acabámos de falar com o Instituto Antártico Chileno que afirma que skuas e pinguins continuam a morrer”.
Trampolim para a Austrália
Outra onda de infeções atingiu o continente a partir do Oceano Índico. 

Ninguém sabe ao certo como o vírus chegou aos Territórios Franceses do Sul e da Antártida mas cientistas franceses dizem que esta estirpe de H5N1 viajou mais de cinco mil quilómetros desde a Ilha Geórgia do Sul, no Oceano Atlântico Sul, até as Ilhas Crozet e Kerguelen, na região subantártica, que se localizam-se a apenas 440 quilómetros das remotas Ilhas australianas Heard e McDonald.

Em outubro de 2024, centenas de pinguins-reis e crias de elefantes marinhos foram encontrados mortos por H5N1 precisamente nestes dois arquipélagos que ficam equidistantes da África do Sul e da Austrália no sul, do Oceano Índico.

Elefantes marinhos do sul e pinguins-rei mortos em Possession, nas Ilhas Crozet, em outubro passado | Jérémy Tornos/Mathilde Lejeune/CNRS/IPEV

Um novo estudo publicado no site de biologia BioRxiv sugeriu que o vírus foi transportado da Ilha Geórgia do Sul, que fica no Oceano Atlântico Sul, na costa da América do Sul.

O ecologista Thierry Boulinier, do Centro de Ecologia Funcional e Evolutiva da França, defende que o vírus provavelmente foi transmitido por aves marinhas. Acrescenta que a análise genética do vírus mostrou que o H5N1 chegou às duas ilhas subantárticas vindo da Geórgia do Sul em casos separados de disseminação."Um [foi] responsável pelas mortes em Crozet e outro pelas de Kerguelen", afirma.

Estes arquipélagos podem representar pontos de propagação para outras áreas da Antártida ou até mesmo a Austrália – até agora a única região do mundo livre de H5N1 na natureza. "É uma expansão em massa do alcance do vírus", assentua Wille, "o que é muito, muito preocupante e mostra que ele tem capacidade de se espalhar mais".

Os observadores australianos do vírus da gripe das aves estão preocupados com a possibilidade de transmissão a longa distância, o que poderia levar o vírus às ilhas da Austrália e da Nova Zelândia.

Porém, a comunidade científica deixa claro que "é apenas uma questão de tempo até que o vírus cruze o Mar de Ross para a Austrália. De lá, aves marinhas errantes podem levá-lo para a Nova Zelândia e mais profundamente na Oceania, completando a disseminação mundial".
Tópicos
PUB