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Guerra na Ucrânia. A evolução do conflito ao minuto

Governador de Kharkiv: Exército ucraniano já está na fronteira com Federação Russa

por Graça Andrade Ramos - RTP
A resposta russa à contraofensiva da Ucrânia a noroeste tem sido bombardear infraestruturas civis, como este edifício em Kharkhiv Sergey Kozlov -EPA

O Exército ucraniano prosseguiu segunda-feira a ofensiva dos últimos dias com observadores a concluírem que Moscovo não tem reservas para defender as suas posições. No 201º dia da invasão russa, a contraofensiva ucraniana terá mesmo atingido em alguns pontos os limites da fronteira leste do país.

A reivindicação foi feita pelo governador da região de Kharkhiv, Oleh Syniehubov. "Em algumas áreas da frente, os nossos defensores chegaram às fronteiras oficiais com a Federação Russa", anunciou.

Um vídeo publicado na rede social Twitter parece corroborar a afirmação. "Deste lado a Ucrânia. Ali ao fundo, a Federação Russa", afirma uma voz. "Glória à Ucrânia!"
A única certeza quanto a esta afirmação e outras semelhantes sobre o que está a ocorrer na Ucrânia é que é impossível verificar a sua autenticidade de forma independente mesmo face à multiplicidade de imagens de vitória ucraniana nas redes sociais.
Relatos da Federação Russa dizem que as forças ucranianas dispararam sobre a região fronteiriça de Bolgorod, matando uma pessoa.

As tropas russas são acusadas de saque em larga escala nos últimos dias na área de Kharkiv, enquanto o responsável russo da mesma zona afirmou que “tropas neonazis ucranianas” executaram civis nas ruas de Kupyansk.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou segunda-feira à noite que as suas tropas reconquistaram seis mil quilómetros quadrados no nordeste e no sul do país. Domingo, o Estado-maior da Ucrânia garantiu ter libertado 20 aldeias e cidades num único dia.
Fuga e rendição "em massa"
Fonte dos serviços de informação ucranianos, sob anonimato, afirma que as tropas russas se estão a render massivamente, incluindo oficiais.

"Percebem que não têm alternativa", revelou citado pelo britânico Guardian. Outras fontes afirmam que os prisioneiros de guerra russos são já tantos que as autoridades ucranianas estão a ficar sem local para os conter. "Serão trocados por prisioneiros ucranianos", afirmou uma fonte dos serviços militares de informação da Ucrânia.

Muitos outros soldados russos terão cruzado a fronteira e regressado à Federação Russa, de acordo com informações norte-americanas.

Nas últimas horas surgiram ainda informações de que Vladimir Putin terá demitido o comandante das forças estacionadas no Donbass, devido ao descalabro da cadeia de comando durante o fim-de-semana.

Parte do avanço a alta velocidade dos ucranianos parece dever-se ao abandono das posições ocupadas por parte dos russos. "Estavam aqui de manhã, depois ao meio-dia houve uma grande gritaria e pegaram nos carros armados e veículos e foram-se embora à pressa", contou um habitante de Zaliznychne, que viu soldados russos a simplesmente largar as armas e a roubarem bicicletas afastando-se e tentando passar por habitantes locais.

Cidades-chave como Kupyansk e Izium parecem ter sido reconquistadas pela Ucrânia quase sem um tiro.Entre dias sete e 11 de setembro a Rússia terá abandonado 336 veículos militares, um terço dos quais domingo. A maioria deste armamento terá sido perdido no oblast de Kharkhiv.

Moscovo diz que as suas tropas estão a "reagrupar-se". A incredulidade face ao avanço ucraniano revela-se entretanto na rede social Telegram, onde algumas vozes alegam que a contraofensiva ucraniana inclui tropas da NATO disfarçadas de mercenários. Afirmam ter sido o caso das cidades de Vovchanks e de Kazachya Lopas, que teriam sido tomadas por "forças NATO" constituídas por "negros" e "falantes de inglês".

Rússia sem reservas
Do lado russo, as dificuldades estarão a acumular-se com novos combatentes voluntários a recusarem seguir viagem para a Ucrânia, de acordo com o comando das forças de Kiev. "O comando militar da Federação Russa suspendeu o envio de novas unidades já formadas para o território da Ucrânia", anunciou.

"A situação atual do teatro de operações e a desconfiança dos níveis mais altos de comando levou um grande número de voluntários a negar-se categoricamente a servir em condições de combate", alegou o estado-maior da Ucrânia, em comunicado, referindo que os russos escondem os verdadeiros números de mortos e de feridos. Nem estará a ser dado "tempo de reabilitação às tropas de forma a reenviá-las o mais depressa possível para a zona de combate", acusou.

Nenhuma destas informações recebeu qualquer comentário por parte dos russos.

O Instituto para o Estudo da Guerra, baseado em Washington, afirmou esta segunda-feira que a Rússia provavelmente não tem as reservas necessárias para fortalecer as suas posições na Ucrânia.

A "Ucrânia virou a guerra a seu favor" ao usar eficazmente o armamento fornecido pelo ocidente, como o sistema HIMAR de lançamento de mísseis de longo alcance e táticas militares. "Kiev irá provavelmente cada vez mais ditar a localização e natureza dos combates", antecipou, referindo que a guerra irá provavelmente prolongar-se até 2023.

Numa conversa conduzida pelo jornalista João Torgal, o major Agostinho Dias da Costa começa por destacar que a faixa de território agora recuperada é bastante significativa. Mas as manobras russas devem ser vistas com cautela.

Diversos observadores internacionais têm confirmado os ganhos obtidos pela passagem à ofensiva por parte da Ucrânia. A estratégia de ataque aparente à área de Kherson, que levou os russos a desguarnecerem o flanco leste sobretudo no nordeste em Kharkiv, para reforçar o sul, tem estado a ser vista como um brilhante movimento militar, que possibilitou o avanço em força do exército ucraniano.

O Ministério da Defesa britânico, MoD, acredita que Moscovo não poderá fazer mais nada, exceto conceder a derrota no nordeste da Ucrânia.

"Face aos avanços ucranianos, a Rússia provavelmente ordenou a retirada das suas tropas das áreas ocupadas no oblast de Kharkiv a oriente do rio Oskil", afirmou esta segunda-feira. "A Ucrânia recapturou território equivalente a pelo menos duas vezes a área da Grande Londres". Em termos nacionais será aproximadamente todo o distrito de Lisboa.

"Os rápidos sucessos ucranianos têm implicações sérias para o desenho global da operação russa. A maioria da sua força na Ucrânia estará provavelmente a ser forçada a dar prioridade a ações defensivas de emergência", adiantaram os britânicos. O recuo irá provavelmente minar a confiança das forças russas na cadeia de comando, considerou ainda o MoD.

As dificuldades não se ficam por aqui. Há sinais de que, mesmo em Kherson, a Rússia está a ter dificuldades em mover tropas através do rio Dnipre para deter a ofensiva ucraniana, referem as fontes britânicas.

Na manhã de segunda-feira corriam também nas redes socias rumores de que as tropas ucranianas teriam capturado um imenso arsenal russo no nordeste do país e que a sul unidades russas estariam a tentar negociar a rendição com as Forças Armadas da Ucrânia.

Moscovo tem repetido que os seus objetivos na Ucrânia se mantêm.
Ataques contra civis
Militarmente, a resposta russa ao avanço ucraniano a leste tem-se centrado na multiplicação de ataques contra alvos civis como a central energética de Kharkiv, que explodiu domingo numa imensa bola de fogo privando de eletricidade milhares de pessoas. Os bombardeamentos prosseguiram segunda-feira. O Estado-maior da Ucrânia fala em mais de 10 bombardeamentos aéreos e 20 ataques de artilharia por parte dos russos.

"Os ocupantes russos prosseguem as suas táticas de terror e de intimidação da população civil da Ucrânia", acusou o Estado-maior ucraniano na sua página oficial da rede Facebook.

“Incapazes de responder no campo de batalha, as tropas russas uma vez mais atingem com mísseis a infraestrutura crítica de cidades ucranianas pacíficas”, acrescentou.

De acordo com o comunicado, os alvos dos morteiros e das salvas de mísseis russos foram infraestruturas "de energia e água, fábricas e edifícios residenciais" na cidade de Kharkhiv, a nordeste, Zaporizhia no sudeste e Kostiantynivka, Sloviansk e Kramatorsk no oblast de Donetsk a leste.

"As infraestruturas nas áreas de Pervomaiske, Bilogorivka, Zaytseve, Vesela, Dolyna, Sukhy Stavok, Shiroke, Partyzanske e Lyubomirivka foram igualmente danificadas", referiu o Estado-maior da Ucrânia.

A presidência ucraniana disse segunda-feira que pelo menos quatros civis morreram e 11 ficaram feridos na série de ataques russos em nove regiões do país.

Na semana passada a ONU anunciou que já morreram na guerra 5.767 civis.
Euforia ucraniana
Kiev garantiu ainda que o abastecimento de água e de eletricidade já tinha sido reposto em 80 por cento da região de Kharkhiv, antes de o Exército russo retomar os bombardeamentos. O presidente da edilidade agradeceu "a todos os que fizeram o possível, nesta noite tão difícil para Kharkhiv, para normalizar a vida da cidade o mais depressa que puderam".

"São heróis!" escreveu ainda Ihor Terekhov na rede Telegram, num exemplo da euforia que alastra pelo país à vista do sucesso da contraofensiva ucraniana.

O presidente ucraniano alimentou no fim de semana a onda de excitação dirigindo-se aos russos com um discurso que se tornou imediatamente viral.

"Ainda pensam que nos podem intimidar, vergar-nos, forçar-nos a fazer concessões? Não perceberam realmente nada? Não percebem quem nós somos? O que representamos? Do que falamos", exortou Volodymyr Zelensky.

"Leiam os meus lábios", prosseguiu. "Frio, fome, escuridão e sede para nós não são tão assustadores e mortais como a vossa ‘amizade’ e ‘irmandade’." "Teremos gás, luzes, água e comida… sem vocês!" rematou.

Zelensky denunciou ainda os "ataques deliberados e cínicos com mísseis" contra alvos civis como um ato de "terrorismo".

Os sucessivos ataques russos a Kharkiv nas últimas horas, que atingiram o distrito residencial densamente povoado de Nemyshlyansk, levaram Terekhov a falar em "vingança", já que "não há qualquer estrutura militar" na área.

Num balanço da guerra esta segunda-feira, o Estado-maior da Ucrânia alertou que há ainda um longo caminho a percorrer, com "o inimigo" a prosseguir as ações militares. "A ameaça de ataques aéreos e de bombardeamentos com mísseis mantem-se em todo o território da Ucrânia", acautelou.
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