Gordon Brown alerta: se não forem doadas a países pobres, 100 milhões de vacinas serão desperdiçadas

por Inês Moreira Santos - RTP
Russell Cheyne - Reuters

Segundo um relatório recente, estão armazenadas cerca de 100 milhões de vacinas contra a Covid-19 cuja validade expira no próximo mês de dezembro. A poucos dias de se realizar uma cimeira com os líderes mundiais, organizada por Joe Biden nos Estados Unidos, Gordon Brown alertou para o risco de se desperdiçarem estes milhões de doses se não forem distribuídos pelos países que mais precisam. O antigo primeiro-ministro britânico criticou os governos por não contribuírem com a doação de vacinas a nações mais pobres, onde há uma "necessidade desesperada" de acelerar o processo de inoculação.

Na quarta-feira vai decorrer uma reunião, organizada pelo presidente norte-americano à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, com o objetivo de impulsionar a vacinação em todo o mundo e tentar pôr termo à pandemia até final de 2022. Num comunicado, Gordon Brown afirmou que devem estar presentes na cimeira vários chefes de Estado e de Governo para discutir e apresentar um plano para a transferência de 100 milhões de vacinas armazenadas contra a covid-19 para países pobres.

"A Airfinity estima que os países do G7 e a UE vão ter mil milhões de vacinas a mais do que precisam até o fim de 2021 e 10 por cento destas doses devem expirar também este ano", lê-se no documento.

De acordo com o novo relatório do grupo de investigação Airfinity, está armazenado um número "impressionante" de vacinas que, a partir de dezembro, deixam de estar aptas para inocular alguém. O ex-primeiro-ministro do Reino Unido enviou, dias antes da cimeira internacional sobre as vacinas, os dados do relatório aos líderes do G7, alertando que cerca de 100 milhões de doses acumuladas em países ricos do Hemisfério Norte vão expirar antes do final do ano e não serão utilizadas.

Os dados do Airfinity estimam que, sem uma aceleração do processo de vacinação global, pode haver mais 100 milhões de casos de infeção no próximo verão e mais um milhão de mortes por covid-19, devido à escassez de ventiladores e oxigénio nos hospitais.

A Airfinity estima que o total de casos de Covid-19 em todo o mundo, possivelmente, vai exceder "os 400 milhões em meados de 2022 e a distribuição imediata das vacinas poderia potencialmente evitar quase um milhão de mortes pelo vírus nesse período".

"É urgente ter um plano para distribuir vacinas rapidamente", afirmou Brown.

Segundo o documento, estava previsto que, até ao fim deste mês de setembro, estariam disponíveis sete mil milhões de doses de vacina em todo o mundo e 12 mil milhões em dezembro. Mas segundo Brown a questão é como e onde serão distribuídas estas vacinas, visto que não foi acordado quem vai fornecer as doses aos países pobres até dezembro. A menos que se elabore um plano urgente para a doação de vacinas, esclareceu, vão "perder-se vidas desnecessariamente".

"Precisamos de um plano para fornecer as vacinas (...) para prevenir um desastre (...) porque as datas de validade expiraram", repetiu. "O relatório da Airfinity é um guia para que os líderes mundiais tracem um plano de ação mais ambicioso. Os dados mostram que temos vacinas suficientes nas prateleiras ou em produção até mesmo para vacinar 70 por cento da população mundial até maio do próximo ano".
Deitar fora vacinas? "É impensável e inconcebível"
Dos 5,7 mil milhões de doses de vacinas contra o coronavírus já administradas em todo o mundo, apenas dois por cento foram em países africanos.

"Vamos assistir a uma tragédia política profunda e coletiva se esta cimeira perder a oportunidade distribuir imediatamente estas doses aos países mais pobres", disse ainda o, recentemente, nomeado embaixador para o Financiamento Global da Saúde.

Para Gordon Brown "é impensável e inconcebível" que 100 milhões de vacinas sejam "deitadas fora nos países ricos", enquanto as populações das nações mais pobres têm cada vez mais mortes e necessitam de acelerar as inoculações.

O antigo governante britânico apelou aos líderes alterassem contratos de entrega, no que toca a barreiras regulatórias das exportações de vacinas, para poderem doar mais depressa as doses armazenadas e que não serão utilizadas.

"Ninguém estará seguro em nenhum lugar até que todos estejam seguros em todo o lado. É do interesse de todos em todos os países que o presidente Biden e os líderes do G7 façam o que for necessário para erradicar a Covid-19 em todos os cantos do mundo".

Por isso, Brown considera que "os líderes políticos devem comprometer-se e cooperar com os cientistas e fabricantes que conseguiram garantir que havia forma de vacinar o mundo inteiro".

Ao Guardian, a organização Global Justice Now disse que o desperdício de milhões de doses de vacinas seria uma "atrocidade", visto que podiam estar a ser usadas em países mais pobres.

"Os países ricos, como o Reino Unido, estão a acumular vacinas que são desesperadamente necessárias em países pobres", afirmou Nick Dearden, responsável pela organização.

"Os países mais pobres não deviam ter de esperar até que as nossas doses expirassem para vacinar as suas populações. Há muito que são capazes de fabricar as suas próprias vacinas com segurança, se renunciássemos à propriedade intelectual, para que as vacinas pudessem ser produzidas sem patentes nos países que mais precisam delas".

Recorde-se que Gordon Brown tem liderado uma campanha incansável nos últimos meses para que as nações ricas e o setor privado garantam a distribuição equitativa das vacinas contra a Covid-19 em todos os países. Esta segunda-feira, a Organização Mundial de Saúde nomeou o antigo primeiro-ministro britânico embaixador para o Financiamento Global da Saúde.
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